O Presidente moçambicano pediu recentemente unidade e patriotismo aos jornalistas. Fernando Lima responde que a comunicação social está a ser "assaltada" com legislação e normas que restringem cada vez mais a profissão.
Foto: DW
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A propósito do Dia do Jornalista Moçambicano, que se comemora a 11 de abril, o Presidente de Moçambique afirmou que "o jornalista moçambicano não deve ser reprodutor de vontades contrárias à nossa unidade" e sugeriu que "o jornalismo deve ser veículo de transmissão de informação fidedigna, valores de patriotismo".
Contudo, os princípios da profissão não estipulam nem unidade nem patriotismo, mas sim valores como verdade e independência. Convidado a comentar os apelos de Filipe Nyusi, o especialista em comunicação social e colaborador do MISA-Moçambique, Ernesto Nhanale, disse que o Presidente "fez o pronunciamento muito na perspetiva do que lhe interessa, que é a imagem que ele quer construir da governação".
Sede do MISA-Moçambique em MaputoFoto: DW/R. da Silva
"Quando diz isto não é do ponto de vista da necessidade de garantir a verdade e o pluralismo. Está a fazer uma avaliação ao jornalismo que tem estado a cobrir outros temas que tem estado a prejudicar a imagem dele. A análise e os pronunciamentos do chefe de Estado têm esta tendência de parcialidade e tentar colocar o jornalismo neste patamar em que o bom jornalismo é aquele que reporta a favor do Governo", conclui.
Os pedidos do estadista são feitos numa altura em que o jornalista é privado, de forma geral, de exercer livremente a sua profissão no contexto do terrorismo em Cabo Delgado. As escassas coberturas da situação são feitas sob o olho das autoridades e os órgãos escolhidos a dedo, desencadeando queixas de exclusão por parte da imprensa privada nacional. Neste quesito não há unidade, mas Filipe Nyusi pede-o noutros.
Comunicação social sob assalto
O jornalista Fernando Lima, proprietário do semanário Savana, questiona o pedido do estadista: "Acho isso controverso e problemático. Qual é a unidade que devemos ter? Com corruptos, ladrões e desonestos ou unidade com as pessoas que querem o desenvolvimento, corajosas, que não fogem aos combates?"
Fernando Lima: "Ainda há muita ignorância sobre os valores do jornalismo"Foto: DW
"O que é ser patriota, é lutarmos para haver cada vez mais exclusão no país?", pergunta ainda Fernando Lima. "Fica muito difícil termos esse tipo de agendas consensuais quando pela porta de trás os jornalistas, a comunicação social está a ser assaltada, emboscada com legislação e normas que restringem cada vez mais a nossa profissão".
Em época de guerra, o poder político dá sinais de querer pressionar a comunicação social a disvincular-se dos princípios éticos e deontológicos que orientam a atividade para obedecer outras agendas. Como pode o jornalista lidar com a situação?
"Saudosismo bafiento"
"Ainda acredito que pode haver uma conversa franca com o poder político", diz Fernando Lima. "Às vezes quer me parecer que ainda há muita ignorância sobre os valores e pilares do jornalismo. Mas acho que também há uma grande incompreensão em relação a definição do próprio jornalismo, não há jornalismo moçambicano, jornalismo americano, jornalismo alemão, há jornalismo".
Por tudo isso, o jornalista vê sinais de retrocesso na prática do jornalismo identificando o que considera de "saudosismo bafiento que nos quer fazer voltar ao passado, ao tempo do partido único, da repressão, da coação sobre os órgãos de comunicação social".
Contudo, no dia 11 de abril, Filipe Nyusi não deixou de elogiar e reconhecer o papel do jornalista moçambicano em tempos de Covid-19 e até mesmo nos contextos do terrorismo e ataques armados da Junta Militar dissidente da RENAMO no centro do país, exaltando-o pelo seu "rigor, profissionalismo e patriotismo".
Terrorismo em Cabo Delgado: As marcas da destruição e a crise humanitária
Edifícios vandalizados, presença de militares nas ruas e promessas de soluções por parte de políticos contrastam com a tentativa das populações de levar a vida adiante.
Foto: Roberto Paquete/DW
Infraestruturas vandalizadas
O conflito armado em Cabo Delgado deixou um número de infraestruturas destruídas na província nortenha de Moçambique. Em Macomia, os insurgentes não pouparam nem a Direção Nacional de Identificação Civil. Os danos no prédio do órgão deixaram milhares de pessoas sem documentos. E carro da polícia incendiado.
Foto: Roberto Paquete/DW
Feridas abertas até na sede da Polícia
O edifício da Polícia da República de Moçambique (PRM) em Macomia ainda carrega as marcas de um ataque em 2020. O tanzaniano Abu Yasir Hassan – também conhecido como Yasser Hassan e Abur Qasim - é reconhecido pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos e pelo Governo moçambicano como líder do Estado Islâmico em Cabo Delgado. Não está claro se o grupo é responsável pelos ataques na província.
Foto: Roberto Paquete/DW
"Eliminar todo o tipo de ameaça"
Joaquim Rivas Mangrasse (à esquerda) foi empossado chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas a 16 e março. "É missão das Forças Armadas eliminar todo o tipo de ameaça à nossa soberania, incluindo o terrorismo e os seus mentores, que não devem ter sossego e devem se arrepender de ter ousado atacar Moçambique", declarou o Presidente Filipe Nyusi (centro) na cerimónia de posse, em Maputo.
Foto: Roberto Paquete/DW
Missões constantes para conter os terroristas
Soldados das Forças Armadas de Defesa de Moçambique preparam-se para mais uma missão contra terroristas em Palma. A vila foi alvo de ataques, esta quarta-feira (24.03), segundo fontes ouvidas pela agência Lusa e segundo a imprensa moçambicana. Neste mesmo dia, as autoridades moçambicanas e a petrolífera Total anunciaram, para abril, o retorno das obras do projeto de gás, suspensas desde dezembro.
Foto: Roberto Paquete/DW
Defender o gás natural da península de Afungi
A península de Afungi, distrito de Palma, foi designada como área de segurança especial pelo Governo de Moçambique para proteger o projeto de exploração de gás da Total. O controlo é feito pelas forças de segurança designadas pelos ministérios da Defesa e do Interior. Esta quinta-feira (25.03), o Ministério da Defesa confirmou o ataque junto ao projeto de gás, na quarta-feira (24.03).
Foto: Roberto Paquete/DW
Proteger os deslocados
Soldados das FADM protegem um campo para os desolocados internos na vila de Palma. A violência armada está a provocar uma crise humanitária que já resultou em quase 700 mil deslocados e mais de duas mil mortes.
Foto: Roberto Paquete/DW
Apoiar os deslocados
De acordo com as agências humanitárias, mais de 90% dos deslocados estão hospedados "com familiares e amigos". Muitos refugiaram-se em Palma. Com as estradas bloqueadas pelos insurgentes em fevereiro e março deste ano, faltaram alimentos. A ajuda chegou de navio.
Foto: Roberto Paquete/DW
Defender a própria comunidade
Soldados das Forças Armadas de Defesa de Moçambqiue estão presentes também no distrito de Mueda. Entretanto, cansados de sofrer nas mãos dos teroristas, antigos militares decidiram proteger eles mesmos a sua comunidade e formaram uma milícia chamada "força local".
Foto: Roberto Paquete/DW
Levar a vida adiante
No mercado no centro da vida de Palma, a população tenta seguir com a vida normal quando a situação está calma. Apesar da ameaça constante imposta pela possibilidade de um novo ataque, quando "a poeira abaixa", a normalidade parece regressar pelo menos momentaneamente...
Foto: Roberto Paquete/DW
Aprender a ter esperança com as crianças
Apesar de todo o caos que se instalou um pouco por todo o lado em Cabo Delgado, a esperança por um vida normal continua entre as poulações. Na imagem, crianças de famílias deslocadas que deixaram as suas casas, fugindo dos terroristas, e foram para a cidade de Pemba. Vivem no bairro de Paquitequete e sonham com um futuro próspero, sem ter de depender da ajuda humanitária e longe da violência.