Moçambicano Constantino Warila deixa de lançar novas músicas
Sitoi Lutxeque (Nampula)
21 de fevereiro de 2020
O músico Constantino Warila, um dos monstros da música tradicional moçambicana, parou de lançar novos trabalhos. E ameaça manter a posição em definitivo, devido ao plágio das suas músicas, desvalorização e tribalismo.
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Constantino Warila, artisticamente tratado por Mwana Warila, que em português significa filho de Warila, é uma das referências incontornáveis da música tradicional da província de Nampula. Tem 68 anos, dos quais 36 oficialmente dedicados à música, embora se tenha apaixonado pela arte de tocar e cantar ainda adolescente.
"Comecei a tocar os instrumentos de música local quando tinha 7 anos de idade. Tocava e cantava com as pessoas mais velhas. Meu pai era artista, um grande batucador, e minha mãe era cantora. Ela cantava e o marido tocava, e eu aprendia com eles", conta o artista, que aprendeu a tocar através de uma viola tradicional chamada Khanakare, até que começou a produzir as suas próprias músicas.
Tem mais de 200 músicas gravadas, mas nenhuma foi registada pelas autoridades de tutela, sobretudo pela Sociedade Moçambicana de Autores. Constantino Warila também não tem um arquivo pessoal, situação que, segundo diz, o impede de obter dividendos das suas produções.
Vítima de plágio e pirataria
O músico conta que tem sido alvo de plágios e pirataria, por parte de produtores de má fé que distorcem todas as mensagens das suas músicas em benefício próprio.
Moçambicano Constantino Warila deixa de lançar novas músicas
"As minhas músicas são de educação social, mas eles [produtores desonestos] pegam no ritmo, tiram as mensagens, ficam com aquele ritmo que eles gostam e fazem um bailado estranho. Para mim, é uma autêntica violação", lamenta.
Outro problema, segundo Warila, é a discriminação, além da falta de valorização e de oportunidades para os artistas do norte de Moçambique, em detrimento das regiões centro e sul do país. "Aqui em Moçambique há discriminação social, há moçambicanos do grupo A, do grupo B e do grupo C e até neutros em relação à música e arte. Nós, por exemplo, em Nampula, temos o caso do artista (plástico) Justino Cardoso. Se fosse de outra região, não do norte, acha que estaria aqui connosco?", questiona.
Como forma de protesto, o músico decidiu parar de lançar novas músicas. "Muitos me perguntam porque é que agora já não lanço músicas, mas eu prefiro ficar assim do que apanhar diarreia mental e apanhar trombose (AVC) por causa de uma brincadeira dos outros. Eu já parei, mesmo, já não faço gravações", explica.
Constantino Warila, que também é um professor reformado, diz que agora só vai dedicar-se a ensinar, a cantar e a tocar para os interessados e atuar em festas privadas.
Tempos difíceis para a timbila de Moçambique
Os produtores da timbila debatem-se com dificuldades. Há cada vez menos árvores para a produção deste instrumento tradicional moçambicano da família dos xilofones, classificado como património da humanidade pela UNESCO.
Foto: DW/L. da Conceição
Origem e reconhecimento
A timbila surgiu no século X, de acordo com historiadores. No século XVI, os portugueses começaram a escrever sobre este instrumento musical criado pelo povo Chopi, que reside no distrito de Zavala, em Inhambane. Em 2005, a UNESCO reconheceu a timbila como obra-prima do património oral intangível da humanidade e apelou a uma maior preservação do instrumento.
Foto: DW/L. da Conceição
Escudo e azagaia
Os dançarinos da timbila entram sempre em palco com um escudo e uma azagaia. Significa defesa contra os inimigos na comunidade, segundo a tradição. Ao longo das danças são interpretadas canções de alegria, mas também de tristeza. Os adultos procuram envolver as crianças na preservação desta tradição, que tem sido passada de geração a geração.
Foto: DW/L. da Conceição
Escassez de árvores
Mwenge é a árvore cuja madeira serve de base para o fabrico da timbila. Pode ser encontrada nos distritos de Massinga e Vilankulo. Estes troncos foram comprados em em Vilankulo e custaram cerca de 20 mil meticais (300 euros), depois da burocracia e pagamento das taxas de corte. Estas árvores estão em vias de extinção, o que pode comprometer a produção da timbila nos próximos anos.
Foto: DW/L. da Conceição
Nova estrela da timbila
Simião Venâncio Mbande é filho de Venâncio Mbande, ícone da timbila em Moçambique e pretende seguir os passos do pai. Começou a tocar quando tinha apenas 4 anos e aos 11 anos já é considerado um verdadeiro timbileiro de mãos cheias. O seu maior sonho é ser uma estrela de timbila a nível mundial. Mas para isso precisa de apoio financeiro, diz.
Foto: DW/L. da Conceição
De pequenino se torce... a timbila
Também Edmercio Ofensio é timbileiro desde os cinco anos de idade. Hoje, aos 21 anos, integra o grupo de Guilundo, do mestre da timbila Venâncio Mbande, que morreu em 2015. "Gostaria de um dia levar a cultura para o estrangeiro, se houver condições", disse à DW África.
Foto: DW/L. da Conceição
Festival Anual da Timbila
Situado na vila de Quissico, à beira da praia, este espaço abriu portas em 1995 e desde então tem acolhido turistas que vêm assistir à atuação de diversos grupos que tocam timbila, no Festival Anual da Timbila M’saho, promovido pela Associação dos Amigos de Zavala (AMIZAVA). Este ano, o festival decorreu em agosto.
Foto: DW/L. Da Conceicao
Timbila para turistas
Em Inhambane são produzidas timbilas especiais para os turistas internacionais. A venda é feita nas zonas de praia e os preços rondam os 10 euros. Geralmente os instrumentos não pesam mais de dois quilos - para serem fáceis de transportar. Nos últimos anos, os produtores de timbilas reclamam da falta de compradores.
Foto: DW/L. da Conceição
Falta de clientes
Armando Júlio começou a vender timbila a turistas há mais de 15 anos. Mas ultimamente reclama da falta de clientes. Com as vendas que fez, já conseguiu adquirir um terreno para construir uma casa, onde vice com a sua família. O vendedor diz que nos últimos anos os lucros caíram drasticamente, devido à falta de turistas interessados em comprar o instrumento.
Foto: DW/L. Da Conceicao
Homenagem aos timbileiros
Na sede do distrito de Zavala, em Quissico, foi erguido um monumento em homenagem a todos os que contribuiram para o desenvolvimento da timbila naquela região. O monumento atrai muitos investigadores nacionais e internacionais, além de muitos estudantes universitários que toso os os anos visitam o local.
Foto: DW/L. da Conceição
Esplanada Timbila
Devido à sua expressão cultural na sociedade moçambicana, a timbila é homenageada de várias formas pelos moçambicanos, como forma de preservação da identidade cultural do povo. Nas ruas é recorrente encontrar lugares públicos com o nome do instrumento, como esta esplanada em Zavala, muito conhecida pelos residentes. Um ponto de encontro de referência.
Foto: DW/L. da Conceição
Uma casa digna para a timbila
Os timbileiros de Inhambane reclamam da falta de uma "residência digna" onde os produtores do instrumento tradicional possam guardar as suas obras e respetivos materiais. Dizem que a atual casa não tem condições e que os lucros das atuações não chegam para construir um novo espaço. Por isso, pedem apoios.
Foto: DW/L. da Conceição
Para quando uma escola da timbila?
Era um sonho do ícone da timbila Venâncio Mbande construir uma escola de arte na sua terra natal, ao lado da sua residência, onde até deixou reservado um espaço. Antes de morrer, em 2015, deu várias entrevistas em que não escondeu o seu desagrado pela falta de ajuda do Governo para a materialização deste sonho. Hoje, a pergunta continua a ser: para quando a "escola da timbila ta Venâncio"?