"Consumidores moçambicanos sob grande pressão", diz analista
António Cascais
31 de agosto de 2018
Em Moçambique, reservas internacionais líquidas permitem cobertura de cerca de sete meses de importação de bens e serviços.
Publicidade
Moçambique gastou até à semana passada mais de 200 milhões de dólares com o serviço da dívida pública. Esse gasto reduziu em quase 70 milhões o volume das reservas internacionais líquidas no país, destaca o jornal moçambicano O País, citando o mais recente balanço do Banco de Moçambique. Apesar dos gastos, a instituição garante que não há razões para alarme.
A dívida de Moçambique é ou não sustentável? Falámos sobre o assunto com Fernando Lima, jornalista do semanário e rádio Savana e comentador de questões económicas em Moçambique.
DW África: As reservas de divisas do país estão cada vez mais derretidas. Certo?
Fernando Lima (FL): De acordo com o Banco Central não tanto, ou seja, eles admitem que houve uma descida, mas por outro lado, dizem que as reservas continuam sólidas, portanto com plafond para sete meses, o que corresponde aos padrões internacionais. Mas esses números também têm que ser melhor explicados, porque Moçambique tem uma dívida sobre o exterior que não está a pagar e, por outro lado, os valores da nossa dívida - quer externa quer interna, e sobretudo a dívida doméstica - caminham para patamares insustentáveis.
DW África: Isso quer dizer que há cada vez menos investidores disponíveis para comprar títulos da dívida moçambicana?
FL: De facto, os bancos comerciais têm tido alguma relutância em comprar Obrigações do Tesouro.
DW África: E quem vai pagar a crise financeira? Serão os cidadãos mais vulneráveis através do aumento dos impostos e dos preços de bens essenciais, como pão ou combustíveis?
FL: Para já os consumidores moçambicanos estão sob uma enorme pressão perante uma série de pequenos aumentos de tesouraria, que se fazem todo o mundo, nomeadamente com o encarecimento de muitos serviços públicos. Certamente acompanharam a tentativa do Gabinfo (Gabinete de Informação de Moçambique) de aumentar as suas taxas ou criar novas taxas para a comunicação social. Estou a citar isso, como exemplo do estratagema que o Governo está a utilizar. Mas existem outros exemplos, nomeadamente nos serviços de fronteiras, serviços das conservatórias e dos notários, etc., onde os preços têm subido astronomicamente, para não falar também dos próprios ajustamentos de alguns bens e serviços como é o caso na gasolina.
DW África: Isso tudo acontece por imposição do Fundo Monetário Internacional (FMI) ?
Moçambique: Reservas internacionais líquidas é motivo de preocupação?
FL: Digamos que o Governo vai cedendo a algumas sugestões do FMI e, por outro lado, esta instituição fica agradada, porque isto depois mostra resultados palpáveis, pelo menos ao nível dos números, e por outro lado, de algum modo, desacelera a pressão em relação ao famoso caso das dívidas ocultas e a falta de explicação sobre o relatório concernente a essas mesmas dívidas e que no parecer de FMI contém muitas lacunas...
DW África: E o pagamento dos salários aos funcionários públicos está assegurado nos próximos meses?
FL: É fundamental que o Governo mantenha os funcionários públicos com os seus salários em dia, porque o Governo conta com esses funcionários para votarem no partido FRELIMO, quer em outubro nas eleições autárquicas quer depois, no próximo ano, nas eleições gerais.
Moçambique: O que foi feito ao dinheiro destas obras?
É a pergunta de vários cidadãos de Massinga, província moçambicana de Inhambane. Cada vez há mais obras na vila, que nunca chegam ao fim.
Foto: DW/L. da Conceição
Obras atrasadas
As obras arrastam-se no município de Massinga, sul de Moçambique, e os cidadãos querem saber porquê. Os empreiteiros ganham obras de construção civil na região, mas muitas são abandonadas após ser pago 50% do dinheiro para a sua execução, segundo o Conselho Municipal. A Justiça já notificou alguns empreiteiros para explicarem os atrasos, mas as estradas e avenidas continuam em péssimas condições.
Foto: DW/L. da Conceição
Mercado por construir
A União Europeia e a Suécia financiaram a construção de um mercado grossista em Massinga. Segundo a placa de identificação, as obras começaram a 28 de setembro de 2017 e deviam ter terminado a 28 de janeiro, mas até agora estão assim. O município remete as responsabilidades para o empreiteiro; contactada pela DW, a empresa negou explicar o motivo do atraso nas obras.
Foto: DW/L. da Conceição
Jardim perdido
O Conselho Municipal de Massinga gastou mais de 1,5 milhões de meticais (20.000 euros) para construir aqui um jardim etnobotânico - um projeto com a participação do Governo central e da Universidade Eduardo Mondlane. Mas as plantas colocadas aqui desapareceram e o terreno está abandonado. O Município promete que o jardim voltará a funcionar em breve, embora falte água para regar as plantas.
Foto: DW/L. da Conceição
Estrada sem fim à vista
Os trabalhos neste troço de cinco quilómetros duram há mais de três anos. O município de Massinga culpa o empreiteiro pela demora; a DW tentou contactar a empresa, sem sucesso. Segundo o município, aos 4,8 milhões de meticais (63 mil euros) pagos inicialmente ao empreiteiro foram acrescentados outros 3,9 milhões (51 mil euros) para continuar as obras, que deviam ter terminado em outubro.
Foto: DW/L. da Conceição
Estrada acabada?
25 de setembro de 2017 era a data de "entrega" desta estrada, segundo a placa de identificação. Mas a via, que parte da EN1 até ao povoado de Mangonha, continua em estado crítico. A obra está orçada em cerca de 1,9 milhões de meticais (quase 25 mil euros). Tanto a Administração Nacional de Estradas, delegação de Inhambane, como o Conselho Municipal recusaram comentar este assunto.
Foto: DW/L. da Conceição
Mais obras por acabar
Os trabalhos da pavimentação desta avenida também já deviam ter terminado, mas as obras continuam. O custo: cerca de 3,9 milhões de meticais (cerca de 51 mil euros). Mas a avenida continua por pavimentar. A DW tentou perguntar o motivo da demora à empresa Garmutti, Lda, responsável pela execução da obra, sem sucesso.
Foto: DW/L. da Conceição
Falta transparência
Segundo o regulamento de contratação de empreitadas de obras públicas, nos locais de construção devem constar as datas de início e do término dos trabalhos. Mas não é isso que acontece aqui. Segundo um relatório do governo local, um ano depois desta obra começar, só 30% dos trabalhos foram concluídos. O empreiteiro está incontactável; a empresa não tem escritório em Inhambane.
Foto: DW/L. da Conceição
Fatura sobre fatura
O orçamento inicial para os trabalhos de reabilitação no Hospital Distrital de Massinga rondava os dois milhões de meticais (cerca de 26 mil euros), mas, meses depois, o custo aumentou 600 mil meticais (8.000 euros).
Foto: DW/L. da Conceição
Edifício milionário
Este edifício custou à edilidade mais de 40 milhões de meticais (acima de 500 mil euros), sem contar com os equipamentos novos - cadeiras, secretárias ou computadores. Alguns empreiteiros acham estranho que tenha custado tanto dinheiro, porque o material de construção foi adquirido na região. Em resposta, o município justifica os custos com a necessidade de garantir o conforto dos funcionários.
Foto: DW/L. da Conceição
Adjudicações continuam
O município de Massinga continua a adjudicar novas empreitadas apesar de muitas obras não terem terminado. Vários residentes dizem-se enganados pelo edil, Clemente Boca, por não cumprir as promessas eleitorais.
Foto: DW/L. da Conceição
Campo por melhorar
Todos os anos, a Assembleia Municipal de Massinga aprova dinheiro para melhorar este campo de futebol, mas o campo continua a degradar-se. Segundo membros da assembleia, o dinheiro "sai" dos cofres públicos, mas nada muda e os jogadores "sempre reclamam". Em cinco anos, terão sido gastos 30 mil meticais (cerca de 400 euros). Nem o edil, nem os gestores do campo dizem o que foi feito ao dinheiro.
Foto: DW/L. da Conceição
"Fazemos sozinhos"
Devido à demora na construção de mercados e bancas, os residentes da vila de Massinga têm feito melhorias por conta própria, para manterem os seus produtos em boas condições. Questionados pela DW, os vendedores disseram que preferem "fazer sozinhos", porque se esperarem pelo município nunca sairão "do sol, da chuva e da poeira".