Moçambique: Correspondentes estrangeiros podem ser limitados
1 de setembro de 2025
A Lei de Imprensa de Moçambique, em vigor desde 1991, está prestes a ser substituída pela chamada Lei da Comunicação Social. A proposta traz mudanças significativas: criação de uma autoridade reguladora, introdução da carteira profissional de jornalista e novas regras para a atuação da imprensa estrangeira no país.
As discussões arrancaram esta segunda-feira nas províncias, reunindo jornalistas, representantes de órgãos de radiodifusão e outros profissionais da comunicação. Para o diretor de Informação e Comunicação do GABINFO, Mendes Mutenda, a atualização é inevitável, porque "a lei em vigor tem mais de 30 anos e está desfasada da nova realidade tecnológica."
O responsável lembrou que há 30 anos não existiam no país os media digitais, tal como sucede hoje em dia, pelo que "esta revisão é para acomodar esses interesses e a dinâmica do setor como uma indústria", contextualiza Mendes Mutenda.
Imprensa estrangeira em debate
O artigo 22 da proposta estabelece um limite de apenas dois correspondentes por cada órgão de comunicação internacional. A norma rompe com o modelo atual, sem restrições, e tem gerado forte contestação entre os profissionais da comunicação, órgãos de defesa da liberdade de imprensa e sociedade civil.
O jornalista Rafael Machalela, baseado em Maputo, considera a medida insuficiente para dar conta da realidade moçambicana: "Duas pessoas não conseguem dar-nos uma ideia do que está a acontecer no país. Esta alínea devia ser excluída da proposta", sugere.
De Nampula, Amade Abubacar, do jornal Ikweli, partilha da mesma preocupação. Segundo ele, a restrição pode comprometer a qualidade da informação. Para ele, menos correspondentes significaria menor capacidade de investigação e verificação, com risco de conteúdos menos rigorosos.
"Estamos a abrir espaço para especulação. Se for acreditado em Maputo, por exemplo, não estará em condições de fazer cobertura em todo o país."
Implicações para crises humanitárias
As críticas ganham peso diante do contexto moçambicano, marcado por crises recorrentes — desde ciclones, cheias e, desde 2017, uma insurgência armada no norte que já provocou deslocamentos em massa e uma grave crise humanitária. Abubacar alerta que a restrição à imprensa internacional pode reduzir a presença internacional e ter impacto direto na mobilização de ajuda necessária para as vítimas desses fenómenos.
"Se decidirmos diminuir a cobertura estrangeira, estaremos a diminuir o debate e a atenção sobre Moçambique", referiu o jornalista Amade Abubacar, indicando que isso só prejudicaria os mais vulneráveis e necessitados.
Outro efeito apontado é social: jornalistas moçambicanos que hoje trabalham para órgãos internacionais correm o risco de engrossar as estatísticas do desemprego. O jornalista Rafael Machalela alerta para o perigo de empurrar mais pessoas para as estatísticas de desocupados, num contexto de crescente tensão no país.
Machalela lembra que "são as filas do desemprego que, no ano passado, colocaram o país a arder. Este tipo de artigos não devia constar da lei", critica Rafael Machalela.
Governo garante abertura para moçambicanos
Face às críticas, o Gabinete de Informação (GABINFO) esclareceu que o limite de dois correspondentes se aplica apenas a jornalistas estrangeiros enviados por órgãos internacionais: "Não há redução de correspondentes. Se um órgão quiser enviar estrangeiros, devem ser dois. Moçambicanos, garante Mutenda, poderão continuar a colaborar com órgãos internacionais, desde que credenciados."