"Corrupção atingiu quase todos os setores de atividade"
Leonel Matias (Maputo)
2 de junho de 2017
O antigo vice-presidente do Parlamento moçambicano, Abdul Carimo, insurgiu-se contra a impunidade de que gozam os corruptos no país. Esse é um dos principais entraves ao crescimento, diz.
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Não há falta de leis para combater a corrupção, diz Abdul Carimo. O que falta é aplicar a legislação em vigor.
Segundo o antigo vice-presidente do Parlamento, que liderou a elaboração da proposta da recente revisão do Código Penal, "o ambiente legal existe, as convenções internacionais estão em vigor em Moçambique, há uma série de legislação que nós já publicamos, mas há o problema da aplicação da lei." O segundo problema é o da impunidade, refere.
Falando, esta semana, numa palestra promovida pela Autoridade Tributária de Moçambique subordinada ao tema "Ética, Integridade e Deontologia Profissional", Abdul Carimo afirmou que os atuais níveis de corrupção no país são preocupantes.
"A corrupção atingiu quase todos os setores de atividade, incluindo o setor da Comunicação Social. Hoje em dia, querer assassinar o caráter de uma pessoa custa muito pouco dinheiro", denuncia Carimo.
Altos índices de corrupção
O jurista defende que um dos fatores que dificulta o combate à corrupção no país é a diferenciação punitiva dos infratores: "Há ações que são reprováveis numa determinada função, mas não são reprováveis noutra. Os deputados, por exemplo, podem ser empresários e exercer atividade privada, mas o juiz não pode".
"Corrupção atingiu quase todos os setores de atividade"
Moçambique regista elevados índices de corrupção, apesar das medidas em curso para a combater. Um estudo divulgado no final de 2015 pelo Centro de Integridade Pública (CIP) indica que a corrupção custou à economia moçambicana cerca de cinco biliões de dólares durante 10 anos – o equivalente a 30% do Produto Interno Bruto (PIB) de 2014 e 60% do Orçamento Geral do Estado para 2015.
Num outro relatório, divulgado em janeiro pela organização Transparência Internacional, Moçambique registou uma "derrapagem histórica" no Índice de Percepção da Corrupção, descendo 30 posições. O país ocupa agora a posição 112 de um total de 177 países avaliados. Acredita-se que contribuíram para esta queda a descoberta de dívidas ocultas contraídas com garantias do Estado a favor de três empresas, sem o conhecimento do Parlamento e dos parceiros internacionais, assim como alegados "dossiers" de corrupção internacional que estão a ser investigados.
As dívidas ocultas, totalizando mais de dois mil milhões de dólares, acabam de ser alvo de uma auditoria internacional e independente; o documento está desde 12 de maio na posse da Procuradoria-Geral da República. A Procuradoria garantiu que vai partilhar os resultados da auditoria com o público depois de concluir a sua análise para verificar se o relatório está em conformidade com os termos de referência previamente acordados.
A descoberta das dívidas ocultas levou o Fundo Monetário Internacional (FMI) e os parceiros internacionais de Moçambique a suspenderem a ajuda ao país, em 2016.
Moçambique: centenas de pessoas marcham contra a situação política e económica
Centenas de moçambicanos marcharam no dia 18 de junho de 2016 em Maputo contra a situação política e económica do país. A manifestação foi convocada pela sociedade civil para exigir esclarecimentos ao Governo.
Foto: picture alliance/dpa/A. Silva
Pela Avenida Eduardo Mondlane rumo à Praça da Independência
"Pelo direito à esperança" foi o mote da manifestação que reuniu centenas de pessoas no centro de Maputo, no sábado dia 18 de junho de 2016. Os manifestantes exigem o fim do conflito político-militar entre o Governo da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) e a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), o esclarecimento da dívida pública e mais liberdade de expressão.
Foto: picture alliance/dpa/A. Silva
"A intolerância política mata a democracia"
Em entrevista à DW África, Nzira de Deus, do Fórum Mulher, uma das organizações envolvidas, afirma que a liberdade dos moçambicanos tem sido muito limitada nos últimos meses. "É preciso deixar de intimidar as pessoas, deixarem as pessoas se expressarem de maneira diferente, porque eu acho que é isso que constrói o país. Não pode haver ameaças, não pode haver atentados", diz Nzira.
Foto: DW/L. Matias
De preto ou branco, manifestantes pedem paz
Com camisolas pretas e brancas e cartazes com mensagens de protesto, centenas de moçambicanos mostram o seu repúdio à guerra entre o Governo e a RENAMO, às dívidas ocultas e às valas comuns descobertas no centro do país. Num percurso de mais de dois quilómetros, entoaram cânticos pela liberdade e pela transparência.
Foto: DW/L. Matias
"Valas comuns são vergonha nacional"
Recentemente, foram descobertas valas comuns na zona central de Moçambique. Uma comissão parlamentar enviada ao local para averiguações nega a sua existência. Alguns dos corpos encontrados foram sepultados sem ter sido feita uma autópsia, o que dificulta o conhecimento das causas das suas mortes.
Foto: DW/L. Matias
"É necessário haver um diálogo político honesto e sincero"
Nzira de Deus considera que a crise política que Moçambique enfrenta prejudica a situação do país e defende que “haja um diálogo político honesto e sincero e que se digam quais são as questões que estão em causa". Para além da questão da dívida e da crise política, os manifestantes estão preocupados com as liberdades de expressão e imprensa.
Foto: DW/L. Matias
Ameaças não vão amedrontar o povo
No manifesto distribuído ao público e lido na estátua de Samora Machel, na Praça da Independência, as organizações da sociedade civil exigiram à Procuradoria-Geral da República uma auditoria forense à dívida pública. "Nós queremos que o ex-Presidente [Armando Guebuza] e o seu Governo respondam por estas dívidas", declarou Alice Mabota, acrescentando que as ameaças não vão "amedrontar o povo".
Foto: DW/L. Matias
Sociedade Civil presente
A manifestação foi convocada por onze organizações da sociedade civil moçambicana. Entre as ONGs que organizaram a marcha encontram-se a Liga dos Direitos Humanos (LDH), o Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), o Observatório do Meio Rural, o Fórum Mulher e a Rede HOPEM.