Corrupção nos combustíveis e energia em Moçambique
Leonel Matias (Maputo)
10 de dezembro de 2018
Corrupção e más práticas nos setores dos combustíveis e energia elétrica estão a ter efeitos negativos no orçamento do cidadão, afirma estudo do CIP.
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Um estudo divulgado esta segunda-feira (10.12.) pelo Centro de Integridade Pública-CIP, considera que a sobrefaturação é um dos principais fatores da corrupção nos setores de combustíveis e de energia eléctrica em Moçambique
Segundo a pesquisadora do CIP, Inocência Mapisse "a sobrefaturação acontece na verdade no momento da escolha dos fornecedores destes dois grandes bens que na verdade têm um impacto direto não apenas no custo da mobilidade e no custo de acesso de energia da população mas também acaba tendo impacto nos outros serviços oferecidos pela economia".
O Estado perdeu em resultado da sobrefaturação pelo menos 80 milhões de dólares (cerca de 68 milhões de euros) no período de 2013 a 2015, conforme referiu Inocência Mapisse, citando um estudo realizado pelo CIP.
Acrescentou que como consequência destas perdas as gasolineiras tiveram custos acrescidos no processo de importação, distribuição e venda de combustíveis, tendo sido imputados ao cidadão.
Sobrefaturação provoca perdas avultadas
Um outro pesquisador do CIP, Borges Nhamire, usou o período de 2014 a 2015, como amostra, para indicar que a sobrefaturação provocou a empresa pública Electricidade de Moçambique perdas anuais em média de 10 milhões de dólares (cerca de 8 milhões e 800 mil euros) somente na compra de contadores de consumo pré-pago."Em última circunstância, este custo é imputado ao consumidor. É verdade que os contadores da Empresa Electricidade de Moçambique não são vendidos são alugados mas há um valor de contrato que se paga e aquele valor de contrato visa cobrir estes custos que são custos de corrupção".
O estudo do CIP denuncia igualmente que em cada litro de gasolina ou gasóleo que o cidadão adquire apenas 50% do valor pago é referente ao custo real do combustível. O restante valor paga outros custos, incluindo garantias bancárias, subsídios e a margem de lucro a favor das gasolineiras.
Energia muito cara
Uma outra constatação do estudo é de que apesar de Moçambique produzir energia elétrica suficiente para o consumo interno e para exportação a tarifa média doméstica é alta, superando muitos países que até importam energia de Moçambique. É a quarta mais elevada da África Austral.Para o CIP, esta situação resulta de uma decisão manifestamente insustentável para o país que obriga a Hidroelétrica de Cahora Bassa a vender cerca de 75% da sua produção a África do Sul sobrando para o mercado nacional apenas 25%.
Moçambique: Corrupção e más práticas com efeitos negativos no orçamento das famílias
O deficit de energia de consumo doméstico é coberto por produtores independentes a custos três a quatro vezes mais elevados que os praticados pela Hidroelétrica de Cahora Bassa.
De acordo com o CIP por detrás de algumas dos principais produtores independentes de energia elétrica estão figuras influentes no processo de tomada de decisão das politicas públicas do setor de energia.
Famílias penalizadas
O estudo do CIP aponta ainda que até julho de 2018 o Estado tinha dívidas acumuladas com a Empresa pública Eletricidade de Moçambique totalizando 50 milhões de dólares (cerca de 43 milhões de euros) referentes a faturas não pagas de consumo de energia elétrica. Este custo é imputado às famílias na fatura final de venda, refere o CIP.
O pesquisador Borges Nhamire disse que o CIP produziu um conjunto de recomendações como "que essa estrutura de custos em que metade do preço do litro de gasolina, do diesel é destinado a financiar outros custos não o custo real deve ser revisto, recomendamos também que o papel do regular seja efetivo, e na parte da energia elétrica a Eletricidade de Moçambique deve comsumir energia elétrica de Cahora Bassa que é nossa e barata".
Altos ex-funcionários acusados de corrupção
Num outro desenvolvimento foi noticiado esta segunda-feira que o Gabinete Central de Combate à Corrupção acaba de acusar a ex presidente do Conselho de Administração da Empresa Municipal de Transporte Público de Maputo, Maria Yolanda Wane, da prática de crimes de abuso de cargo e participação económica em negócio.
No mesmo processo, o Gabinete acusou Lourenço Albino, antigo administrador executivo para a Área do Plano de Desenvolvimento de Negócios e Projetos da Empresa, dos mesmos crimes ocorridos entre 2013 e 2016.
Segundo o jornal "Notícias”, os dois altos antigos funcionários urdiram o plano de delapidar os cofres da empresa em 2013, quando esta teve necessidade de recuperar cerca de 40 autocarros, com diversos tipos de avaria.
Maxixe: Obras sem qualidade são adjudicadas por milhões
Em Maxixe, Moçambique, somam-se os casos de obras públicas sobrefaturadas. A DW África juntou exemplos de obras cujo processo de adjudicação não foi transparente e nas quais os orçamentos foram inflacionados.
Foto: DW/L. da Conceição
Favorecimento na seleção das empresas
Em Maxixe, parte das obras de construção civil têm sido adjudicadas à empresa SGI Construções Lda. que não se encontra registada no Boletim da República e que apenas tem escritórios em Maputo. A empresa, com laços fortes com o Presidente do município, Simão Rafael, faturou, nos últimos dois anos, mais de 30 milhões de meticais (cerca de 427 mil euros) em obras que até hoje ainda não terminaram.
Foto: DW/L. da Conceição
Falta de transparência
Como se vê na imagem, para além de não se saber a data do início desta obra, não se conhece o fiscal nem a distância exata para a colocação de pavés. Sabe-se apenas que tem um prazo de execução de 90 dias.
Foto: DW/L. da Conceição
Figuras ligadas à FRELIMO criam empresa
Esta obra, orçada em mais de sete milhões de meticais, foi adjudicada à MACROLHO Lda, uma empresa com sede em Inhambane e que tem, segundo a imprensa local, participações de sócios ligados ao partido FRELIMO, como o ex-governador de Inhambane, Agostinho Trinta. Faturou, nos últimos dois anos, mais de 40 milhões de meticais em obras que, até agora, ainda não foram entregues. O prazo já expirou.
Foto: DW/L. da Conceição
Obras faturadas e abandonadas
Esta via é a entrada do bairro Eduardo Mondlane. Desde 2016, o munícipio já gastou na reparação desta estrada - com cerca de 200 metros -, mais de quatro milhões de meticais. Até à data, apenas foram executados 150 metros. Ao que a DW África apurou, o empreiteiro apenas trabalha nos dias de fiscalização dos membros da assembleia municipal. O dinheiro faturado dava para pavimentar mais de 1 km.
Foto: DW/L. da Conceição
Obras sobrefaturadas
Este é o estado atual de várias obras na cidade de Maxixe. Na imagem, a via do prolongamento da padaria Chambone, foi faturada em mais de cinco milhões de meticais (cerca de 71 mil euros) no ano de 2016. No entanto, esta mesma obra voltou a ser faturada este ano, não tendo o valor sido tornado público.
Foto: DW/L. da Conceição
Obras sem qualidade
Desde o ano de 2015, o conselho municipal da cidade de Maxixe já gastou mais de 10 milhões de meticais (cerca de 142 mil euros) com as obras de reparação de buracos nas avenidas e ruas do centro da cidade. No entanto, o trabalho não tem qualidade e os buracos continuam a danificar carros ligeiros. O empreiteiro desta obra é também a SGI Construções Lda.
Foto: DW/L. da Conceição
MDM denuncia corrupção
A bancada do MDM na assembleia municipal de Maxixe denunciou que as viaturas adquiridas pela edilidade não estão a ser compradas em agências, mas no mercado negro em África do Sul. Diz a oposição que as últimas duas viaturas adquiridas custaram mais de sete milhões de meticais. Um preço quatro vezes superior, quando comparado ao valor das duas viaturas no mercado em Moçambique.
Foto: DW/L. da Conceição
“Não interessa qualidade, queremos faturar”
Jacinto Chaúque, ex-vereador do município de Maxixe, está a ser investigado pelo Gabinete de Combate à Corrupção de Moçambique. Da investigação consta, entre outros, uma gravação telefónica entre Chaúque e o empreiteiro desta obra, na avenida Ngungunhane, e em que o ex-vereador afirma que “não interessa a qualidade. Queremos faturar nestas obras”. Chaúque está a aguardar julgamento.
Foto: DW/L. da Conceição
Preços altos nas construções de edifícios
Em 2015, o conselho municipal de Maxixe construiu um posto policial no bairro de Mabil. Esta infraestrutura - com apenas dois quartos, uma sala comum e uma cela com capacidade para cinco pessoas – custou mais de 1,3 milhões de meticais, não contando com a aquisição de material como mesas ou cadeiras. Ao que a DW África apurou junto do mercado, esta obra não custaria mais de 300 mil meticais.
Foto: DW/L. da Conceição
Um milhão de meticais por cada sede do bairro
As sedes dos bairros são outro exemplo. Todas as sedes dos bairros construídas pelo conselho municipal contam com a mesma planta. Cada uma custou cerca de um milhão de meticais (cerca de 14 mil euros). O preço real de mercado para uma casa tipo dois, sem mobília de escritório, é de cerca de 300 meticais.
Foto: DW/L. da Conceição
Empreiteiro exige dinheiro de volta
O empreiteiro Ricardo António José reclamou, em 2015, a devolução do dinheiro que foi exigido pelo ex-chefe da Unidade Gestora Executora e Aquisições, Rodolfo Tambanjane. O montante pago por Ricardo José era referente ao valor da comissão de Tambanjane por ter selecionado esta empresa e não outra. Rodolfo Tambanjane foi preso, tendo saído depois de pagar caução. O caso continua em tribunal.