Crianças vendedoras acusam polícia municipal de agressão
Sitoi Lutxeque (Nampula)
11 de setembro de 2017
Devido à pobreza, muitas crianças da província de Nampula dedicam-se ao comércio para ajudarem as suas famílias. Mas a atividade é proibida. Os menores queixam-se de agressões por parte da Polícia Municipal.
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Logo pela manhã, crianças de vários bairros começam a chegar à cidade de Nampula, com um único propósito: vender. Vendem quase tudo, desde água, fritos, vegetais, refrescos, amendoim torrado, entre outros. Em causa está a luta pela sobrevivência, dada a situação de pobreza que muitas crianças vivem.
Sualehe Metarica tem 15 anos e há cinco que se dedica ao comércio informal nas ruas da terceira maior cidade de Moçambique, Nampula. À tarde, assim que regressa da escola, onde frequenta a 8ª classe, Sualehe vende amendoim torrado: "Vendo para conseguir dinheiro para sustentar os meus estudos e levar lanche. Vivo com minha tia e ela também vende.''
O negócio de Sualehe não é muito rentável, mas consegue vender seis quilogramas por dia e amealhar entre quatro a seis euros.
O principal problema é a Policia Camarária que proíbe a venda nas ruas. Quando são apanhados, os menores dizem ser vítimas de violência e vêem os seus bens confiscados, sem direito a reclamações. Sualehe Metarica conta: ‘‘Vendemos aqui [na rua]. [Mas] o Conselho [policias municipais] arranca-nos os nossos bens e não nos devolve. Eu não tenho lugar para vender."Também Kelvin, de 12 anos, conta que muitas vezes tem de fugir da polícia: ‘‘Nas manhãs vou à escola e nas tardes levo o meu amendoim. Venho aqui à cidade vender. Nunca me perseguiram, mas costumo a fugir [diante da policia] para me esconder'.'
Polícia Municipal nega violência
A Polícia da cidade de Nampula não comenta as acusações de agressões a crianças. Mariza Caramacha, porta-voz da Policia Municipal, diz apenas que o que as autoridades fazem é apreender os produtos: "No primeiro ano, [2014] nós fazíamos a apreensão dos produtos e os munícipes vinham aqui reclamar. E nós fazíamos a devolução e avisávamos que não podiam voltar à rua. Mas depois daquele período de 60 dias começámos a atuar e punir, que é apreender e não devolver.''
‘‘Aquele que não tem produto de consumo imediato, nós armazenamos e, à posteriori, vendemos em leilão. [O produto] de consumo imediato, destruímos'', finaliza Caramacha.Estas medidas começaram com o novo governo municipal liderado por Mahamudo Amurane e visam, segundo as autoridades municipais, acabar com o comércio informal nas estradas de forma a evitar congestionamentos e acidentes de viação.
O governador da província de Nampula, Victor Borges, minimiza o problema do trabalho infantil, mas aponta soluções: "Neste momento, não temos registo de muitos casos [de trabalho infantil na província]. Haverá um e outro caso." Mas ele fala em prevenção: "O que temos dito é que precisamos de evitar fatores que possam contribuir para isso, como por exemplo, devemos formar as crianças de modo a que quando estão preparadas para entrar no mercado de trabalho tenham idade para tal. Estamos a fazer isso e vamos continuar.”
Os níveis de pobreza infantil ainda são acentuados em Moçambique e o trabalho infantil afeta cerca de 22% das crianças entre os 7 e os 15 anos de idade, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Aliás, as crianças constituem maioria da população moçambicana, 52%.
Alemanha e Moçambique no olho de dois fotógrafos
Moçambique é o ponto comum na exposição em Berlim que junta fotografias do moçambicano Mário Macilau e do alemão Malte Wandel. As crianças de rua em Maputo são o tema em destaque na obra de Macilau.
Foto: Mario Macilau
Crianças de rua, na visão de Macilau
Nesta foto, o fotógrafo moçambicano Mário Macilau optou por um plano de detalhe para abordar a questão da alimentação das crianças de rua. Esse é um dos temas fortes na obra de Mário Macilau que, em 2017, foi um dos vencedores do prémio internacional The LensCulture Exposure Awards.
Foto: Mario Macilau
Crescendo na Escuridão
Em 2017, a obra do fotógrafo moçambicano Mário Macilau esteve em exposição na Galeria Kehrer, na capital da Alemanha. As fotos foram extraídas de diversas séries produzidas por ele, especialmente do livro "Crescendo na Escuridão", que mostra a infância de crianças de rua em Maputo. A exposição inclui também fotografias do alemão Malte Wandel, que documenta a vida dos "Madgermanes".
Foto: DW/C. Vieira Teixeira
A casa
A foto intitulada "Escadas de Sombras" mostra o interior de uma casa abandonada do período colonial. "Entrei nessas casas e comecei a observar a forma como esse sonho das casas de luxo se foi perdendo e as casas foram envelhecendo", revela Macilau. "Não queria mostrar o lado de rua dessas crianças, por isso, a maioria das fotografias foi feita dentro das casas onde elas moram", afirma.
Foto: Mario Macilau
Brincadeira
O menino com a arma de fogo nas mãos é, quase sempre, uma imagem chocante. Macilau garante que, aqui, trata-se de uma arma de brinquedo, feita pelas próprias crianças. O fotógrafo quis mostrar não apenas a dura realidade da vida nas ruas, mas também o imaginário e as brincadeiras, apesar da falta de perspectivas dos menores.
Foto: Mario Macilau
A imagem da alegria
A diversão na praia estampada nos sorrisos. A foto retrata a liberdade e a alegria do momento. Nem só de desesperança é feita a vida das crianças retratadas por Mário Macilau. "São crianças normais, que também têm sonhos. Elas vão passear, brincam, vão à praia. Isso tudo faz parte do lazer delas", considera.
Foto: Mario Macilau
Duas visões em exposição
Moçambique é o elo de ligação que junta dois fotógrafos na exposição, diz a gerente da Galeria Kehrer, Pauline Friesescke. "Mário apresenta um olhar de grande proximidade com os seus protagonistas", afirma. Já o trabalho de Wandel "coloca em debate uma parte interessante da história da Alemanha" e de Moçambique.
Foto: DW/C. Vieira Teixeira
"Madgermanes": Protestos e resistência
Desde 2007, Malte Wandel documenta a vida dos "Madgermanes" – tanto daqueles que ficaram na Alemanha quanto dos que retornaram a Moçambique. Para o fotógrafo, "era importante mostrar pessoas diferentes, em diversos lugares e também de níveis sociais variados" descreve. Na foto em exposição em Berlim, os "Madgermanes" protestam pelo pagamento de parte do salário que era descontado para Moçambique.
Foto: Malte Wandel
Ambiente familiar
Malte Wandel fotografou diversas famílias dentro de casa. Na foto, a família de Jamal Trabaco, em Halle an der Saale, no estado alemão da Saxónia-Anhalt. "Para mim, era muito importante mostrar os ambientes privados, contar as histórias privadas e tornar essas famílias visíveis", explica o fotógrafo alemão.
Foto: Malte Wandel
Vítimas de ataques racistas
Foi na Praça Jorge Gomodai, em Dresden, que em 1991 o moçambicano Jorge João Gomodai foi atacado por jovens de extrema direita, vindo depois a falecer. "Nestes tempos em que Dresden representa o Movimento Pegida [Europeus Patriotas contra a Islamização do Ocidente], muitas manifestações aconteceram nesta praça e escolhi-a como símbolo para mostrar que a história se repete", justifica Wandel.
Foto: Malte Wandel
Uma vida sem glamour
O fotógrafo alemão interessou-se por retratar a situação nada glamorosa em que se encontravam os ex-trabalhadores da RDA. A imagem demonstra a sala da casa de Nelson Munhequete, em Maputo. "A foto mostra que ele não teve uma chance", diz Malte Wandel. "Dar cada vez mais visibilidade a essa história é meu objetivo", conclui.
Foto: MalteWandel
A opinião do público
Durante uma visita à exposição, o artista plástico Thomas Kohl encantou-se com o trabalho de Mário Macilau. "Tem-se a impressão de que se trata de uma situação real e não de algo encenado", descreveu. Para Kohl, apesar de abordar o tema pobreza, "não há um julgamento nem uma realismo barato" no trabalho de Macilau.