Passaram duas semanas desde o início do ano letivo, mas muitas crianças ainda não foram às aulas. Em Quelimane há crianças nas ruas a vender temperos de cozinha e plásticos, para comprar comida e material escolar.
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Em vez de irem às aulas, na escola primária, crianças ficam a vender caldo e plásticos nos mercados de Quelimane. Algumas crianças contam que estão por sua conta e risco, e, antes de tudo, têm de ter dinheiro para comer.
"Vendo plástico a 3, 5 e 15 meticais. O negócio vai mal. Não há movimento. Só estou a tentar, porque não tenho pai, nem mãe", conta uma delas.
Outra criança ainda consegue ir à escola: "Frequento a 7ª classe. Aqui consigo comprar canetas e cadernos."
Um menino conta que os pais não têm dinheiro suficiente para comprar o material escolar: "Já comprei cadernos, canetas e uniforme. Falta-me apenas o caderno de desenho. Faço isso porque o meu pai é camponês."
Vender na rua nem sempre é mal visto
A encarregada de educação Aida Ambale lembra que, de facto, nem todos os pais e encarregados de educação conseguem sustentar as crianças. E o dinheiro extra é bem-vindo.
"Com a crise que, hoje em dia, estamos a passar não tem como. Apoio esta ideia, desde que as crianças estudem e saibam dividir o seu tempo para a escola e para fazer negócio", opina Aida Ambale.
Mas Decrescia Emílio, residente em Quelimane, está contra o trabalho infantil e critica o Governo por não fazer mais para ajudar as famílias.
Ele também lembra que "os pais não conseguem sustentar seus filhos. A vida está muito cara, o desemprego está exagerado e isso obriga as crianças a estarem na rua. Muita gente está desempregada, não consegue encontrar o pão de cada dia e as crianças saem de manhã atá a tarde, sem comer nada. Não há maneira de ir a escola, porque não há dinheiro."
Pais violam os direitos das crianças?
Já o chefe do departamento da criança e género na Direção Provincial da Ação Social da Zambézia, Eusébio Sulude, acusa os pais e encarregados de educação de violarem os direitos das crianças, ao permitirem que elas estejam nas ruas a vender produtos.
"A criança não pode substituir o trabalho dos pais. O pai deve fazer o seu trabalho e a criança deve gozar de seus direitos", defende Eusébio Sulude.
Moçambique: Crianças na venda informal para custear escola
O o chefe do departamento da criança e género na Direção Provincial da Ação Social da Zambézia, sublinha ainda que a orfandade não é motivo para não ir à escola. E, mais uma vez, culpa as famílias: "Temos programas do Instituto Nacional de Ação social (INAS) para ajudar as crianças órfãs. Não há motivos para usar a capa de orfandade; as famílias não querem exercer o seu papel."
A discussão prossegue, e as crianças continuam nas ruas, a vender produtos. "Estou a tentar. Já comprei uniforme e cadernos. Em 2017 estava na 8ª e passei para a 9ª classe. O meu sonho é ser enfermeiro", revela uma criança.
Crianças moçambicanas: um olhar de Albino Moisés
As imagens do fotógrafo moçambicano Albino Moisés mostram crianças moçambicanas em vários momentos do dia – entre o divertimento e o trabalho infantil – e em várias regiões do país – de Maputo a Mocuba.
Foto: A.Moisés
O sorriso largo das crianças de Moçambique
No terminal dos transportes coletivos "chapas", na Junta em Maputo, uma jovem vende a um menino viajante fósforos para serem usados no abajur tradicional da casa dos avós. Os sorrisos largos estampados no rosto das crianças fazem parte do trabalho do fotógrafo moçambicano Albino Moisés. Em 2013, as suas fotografias foram expostas em Belo Horizonte, no Brasil.
Foto: A.Moisés
Ousadia na diversão
Mesmo em dias sem sol, jovens encontram oportunidade para se divertir com ousadia, como aqui na praia da Costa do Sol de Maputo. Com muita criatividade, jogos artísticos são feitos sem pensar no que pode acontecer.
Foto: A.Moisés
Trabalho infantil
Meninos ganham a vida empurrando a "txova", um carrinho de boi, com produtos de pequenos comerciantes na periferia de Maputo. Ao final do trabalho, ganham um refrigerante, que é dividido para todos do grupo. "Ato que vira uma festa", afirma o fotógrafo Albino Moisés.
Foto: A.Moisés
Concentração na brincadeira
Em meio a construções inacabadas, por falta de recursos, os pequenos abandonados se divertem como podem na areia das obras. Até desanimadas, as crianças, encontram força para brincar. A foto do Bairro Guava, na periferia da capital moçambicana Maputo, data de 2007.
Foto: A.Moisés
Pensando em dias melhores
O pai, portador de deficiência, com a cabeça baixa, pensativo, na companhia da sua filha. Os dois vendem cigarros na baixa da cidade de Maputo para sobreviver. É uma das fotos selecionadas por Rosália Diogo, a curadora brasileira da exposição em Belo Horizonte. Quando viveu em Maputo para escrever a sua tese de doutorado, ela se incomodou com as condições em que vivem as crianças moçambicanas.
Foto: A.Moisés
Trabalho infantil como um dever
A população de Mocuba tenta construir as suas próprias casas. As crianças também participam na fabricação de tijolos para erguer os seus lares, usando enxadas. A imagem é uma das várias fotografias que Albino Moisés tirou na província nortenha da Zambézia e também fez parte da exposição em Belo Horizonte intitulada "Mwana-Mwana: pérolas do Índico".
Foto: A.Moisés
A vida sempre em construção
Jovens ajudam na construção do teto da casa em Mocuba, na Zambézia. Mesmo com todas as dificuldades no dia-a-dia, especialmente pela desigualdade social, o tom da vida, em Moçambique, segundo o fotógrafo Albino Moisés é: "A nossa casa, nós construímos todos juntos".
Foto: A.Moisés
Um olhar distante, mas de esperança
A província de Zambézia tem maior tradição no uso de bicicletas em Moçambique. Aqui na cidade de Mocuba, "o menino já sonha em aprender, desde cedo, a montar uma bicicleta", diz o fotógrafo Albino Moisés. "O olhar da criança é sim incerto, mas de esperança", confirma.