Restos mortais do major-general encontram-se nos paços do Concelho Autárquico de Maputo até ao início da noite desta terça-feira (18.02). Ao local têm acorrido vários familiares e amigos do histórico líder da FRELIMO.
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Familiares, algumas personalidades, amigos e público em geral têm-se deslocado aos paços do Concelho Autárquico de Maputo para prestar a última homenagem a Kalungano, que faleceu no passado dia 11 de fevereiro.
Considerado um dos símbolos do nacionalismo africano, Marcelino dos Santos, que foi também um dos membros fundadores da FRELIMO, partido no poder em Moçambique, não pode ser esquecido. É o que defendem historiadores, políticos e veteranos da luta armada que já têm até planos para imortalizar os seus ideais.
Durante o velório, que se realizou esta terça feira (18.02), nos paços do Concelho Autárquico de Maputo, foram ouvidas algumas destas ideias, das quais se destaca a criação do Museu Marcelino dos Santos.
Em declarações à DW, Edmundo Galiza Matos Júnior, político e antigo deputado pela bancada da FRELIMO, explica que a ideia seria encontrar neste Museu: "a caneta dele, o cartão dele, o livro dele, [um lugar] onde possamos encontrar um pouco de tudo. As crianças, os mais pequeninos, vão perder esta história um dia, mas um museu, com mediateca, com sons, com vídeos e outros meios, pode ajudar a compreender quem foi Marcelino [dos Santos]".
Galiza Matos Júnior lamenta o facto de alguns moçambicanos não conhecerem Marcelino dos Santos e afirma que há muita desinformação acerca desta figura. Por isso, acrescenta, os veteranos que conheceram "muito bem" o histórico da FRELIMO têm a tarefa de "imortalizar as suas obras e feitos". Um trabalho que, explica, deve ser feito "também através das redes sociais, seguidas por milhares de pessoas todos os dias, e nas quais, infelizmente, se discute de forma diversa e apaixonada sem elementos concretos, quando há alguns fundadores vivos, que estiveram no momento da criação da FRELIMO e que podem ajudar a compreender", diz.
Preservação da História
Por seu lado, o historiador Alexandrino José sugere que o país treine técnicos com alto sentido profissional que possam lidar com matérias de preservação da história de Moçambique. Mas deixa um alerta: "Ouvi dizer que vão entregar o espólio documental à Fundação [Marcelino dos Santos]. Fico um pouco arrepiado porque não sei se há técnicos abalizados e idóneos para que esses materiais não apareçam no mercado negro. É preciso muita responsabilidade".
Moçambique despede-se de Marcelino dos Santos
Muito se fala sobre o papel dos professores na divulgação da História de Moçambique, mas o historiador duvida que isso tenha pernas para andar e explica porquê: "O Ministério da Educação não vai fazer grande coisa se não houver essa recolha organizada e sistemática, analisada e divulgada e posta à disposição do público".
Inspiração
Na opinião de Mariano Matsinhe, veterano da luta armada, o povo moçambicano deve não só "aprender", mas "insprirar-se" naquilo que Marcelino dos Santos fez pelo país. "Aprender apenas não é suficiente. [O povo deve] participar arduamente na luta pelo desenvolvimento de Moçambique", afirma.
Já o antigo vice-ministro da Defesa e académico Patrício José entende que deve haver em Moçambique um diálogo inter-geracional para que muito manancial não fique perdido. "Para que a sucessão de gerações, tanto na liderança, como no processo normal histórico, não signifique que estejamos a perder o que já se teve. Temos que conhecer isto para que as novas gerações não destruam o que foram as opções anteriores", argumenta José.
O cortejo fúnebre de Marcelino dos Santos para a Praça dos Heróis será acompanhado por uma escolta da Polícia da República de Moçambique e duas companhias das Forças Armadas de Defesa de Moçambique.
O funeral de Estado de Marcelino dos Santos realiza-se esta quarta-feira (19.02).
Moçambique: Guerra civil com pausas de paz
A paz nunca foi uma certeza em Moçambique. Ela apenas tem intercalado confrontos militares desde a independência. Acordos de paz mal concebidos parecem estar na origem dos conflitos. Mas há novos bons sinais à vista.
Foto: Presidencia da Republica de Mocambique
O começo da guerra civil
A guerra entre o Governo da FRELIMO e a RENAMO começou em 1977, isso cerca de dois anos após a proclamação da independência do país. A RENAMO contestava a governação da FRELIMo e queria democracia. Este movimento tinha o apoio da ex-Rodésia e da África do Sul, dois vizinhos de Moçambique. A guerra matou milhões de moçambicanos e quase paralisou a economia do país.
Acabar com a guerra era o obetivo deste acordo, alcançado em 1984. Foi assinado entre os antigos Presidentes de Moçambique e da África do Sul, Samora Machel e Peter Botha, respetivamente. Ficou acordado que Pretória deixava de apoiar a RENAMO e Maputo parava o apoio ao ANC. Este último que lutava contra o Apartheid. Mas ninguém respeitou o acordo.
Foto: Avant Verlag/Birgit Weyhe
Acordo Geral de Paz de Roma
Colocou finalmente fim a guerra em 1992. Foi patrocinado pela Comunidade Santo Egídio, instituição católica italiana. Nessa altura o país já estava devastado e tinha transitado do sistema socialista para o da economia de mercado. Afosno Dhlakama, líder da RENAMO, e Joaquim Chissano, ex-Presidene de Moçambique, assinaram um acordo que pôs fim a uma guerra de 16 anos.
Eleições: nova era de desentendimentos
Em 1994 o país dava os seus primeiros passos rumo a democracia: início do multipartidarismo e realização das primeiras eleições, patrocinadas pela ONU. O primeiro Presidente eleito do país foi Joaquim Chissano. A RENAMO contestou, mas acabou por aceitar os resultados eleitorais.
Foto: Getty Images/AFP/Gianluigi Guercia
Eleições 1999: RENAMO revolta-se
Nas segundas eleições, em 1999, Joaquim Chissano e a FRELIMO voltaram a ganhar. Mas o processo foi novamente marcado por graves irregularidades, a RENAMO diz que houve fraude e contestou com mais veemência. E no ano 2000 apoiantes da RENAMO manifestaram-se em Montepuez província de Cabo Delgado, contra os resultados. Cerca de 700 manifestantes terão sido detidos e mortos por asfixia nas celas.
Foto: Marc Dietrich-Fotolia.com
Rastilho para o barril de pólvora já arde
As sucessivas irregularidades nas eleições, a lei eleitoral desajustada e difícil integração dos ex-guerrilheiros da RENAMO no exército nacional foram os principais pontos que aumentaram a tensão com o Governo. A falta de confiança que caracteriza a relação entre as partes aumentou.
Foto: Gerald Henzinger
As armas falam novamente
Em 2013 a polícia e homens da RENAMO confrontaram-se. Era o início dos conflitos armados. Nesse ano a RENAMO recusa a aprovação da Lei Eleitoral e não participa nas autárquicas. Há um interregno no conflito para a realização de eleições gerais em 2014. A RENAMO perde e acusa a FRELIMO de fraude. O país volta a ser palco de guerra. RENAMO exige governar as seis províncias onde diz ter ganho.
Foto: Fernando Veloso
Guebuza e Dhlakama: o braço de ferro até ao fim
Em setembro de 2014 o Presidente Armando Guebuza e o líder da RENAMO chegam a acordo para por fim ao conflito armado. Abriu-se assim caminho para as eleições gerais, onde a RENAMO participou. Mas as negociações entre os dois homens nunca foram fáceis. Para começar os encontros foram poucos.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Na guerra vale tudo
Em Setembro de 2015 Dhlakama sofreu dois atentados. Um deles contra a coluna em que viajava, de Manica a Nampula. Afonso Dhlakama saiu ileso, mas segundo relatos morreram várias pessoas. Mais tarde várias viaturas da comitiva do líder da RENAMO foram queimadas. Dhlakama acusou a FRELIMO pelos atentados.
Foto: DW/A. Sebastião
Cerco a casa de Afonso Dhlakama
Em outubro de 2015 a guarda pessoal do líder da RENAMO foi desarmada pelas forças governamentais durante um cerco à sua residência na cidade da Beira. O Governo pretendia um desarmamento forçado dos homens da RENAMO. O desarmamento da maior força da oposição é um dos pontos controversos nas negociações de paz.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Catueira
Diálogo de paz pouco frutífero
Infindáveis rondas marcaram as negociações de paz. E em paralelo as armas falavam nas matas, membros da RENAMO eram assassinados a média de um por mês em 2016. Observadores e mediadores, nacionais e internacionais, entraram e saíram do barulho sem conseguir muito. Houve também adiamentos de rondas e algumas pausas no processo.
Foto: Leonel Matias
Dhlakama e Nyusi: maior proximidade, bons sinais
Em agosto de 2017 o Presidente Nyusi deslocou-se à Gorongosa, bastião da RENAMO, para se encontrar com Dhlakama. Os dois líderes acordaram sobre os próximos passos no processo de paz. Esperavam um acordo de paz até ao final de 2017, mas tal não deverá acontecer. Entretanto, Dhlakama está satisfeito com o andamento das negociações. O sigilo entre os dois parece ser o segredo de um bom entendimento.