Moçambique: Distritos ainda às escuras após ciclone Idai
Bernardo Jequete (Manica)
27 de abril de 2019
Localidades no centro de Moçambique ainda estão às escuras depois do ciclone Idai. Na província de Manica, dois distritos estão há quase um mês e meio sem energia da rede nacional. Situação prejudica serviços públicos.
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Os distritos de Machaze e Mossurize, província de Manica, estão há mais de 40 dias às escuras. O ciclone Idai destruiu torres de transmissão e deixou submersas algumas estações e postes de transformação de energia elétrica.
Como alternativa, serviços públicos e privados recorrem a geradores do Governo distrital. A população tem usado velas, candeeiros, lanternas, geradores e painéis solares.
Abraão Victorino, morador de Machaze, conta à DW África o drama que se vive no distrito: "Muita coisa praticamente está parada por causa desta corrente elétrica e muitas coisas, de facto, estão paradas, algumas indústrias, lojas, alguns trabalhos. E a nossa rádio comunitária de Chitobe também está parada, já lá vão tempos que não se conta. Então, a resposta claro que existe, mas até hoje nem água vai, nem água vem. Os comerciantes reclamam porque os seus produtos não estão gelados".
Moçambique: Distritos ainda às escuras após ciclone Idai
Os alunos que frequentam o curso noturno são os mais prejudicados visto que as escolas não têm estado a lecionar devido à falta da corrente elétrica. Por isso, Abraão Victorino faz um apelo: "Como cidadão do distrito de Machaze, eu gostaria de pedir ao Governo da província de Manica um esforço maior, porque estamos desligados e sem nada".
Segundo este morador, as aulas do curso noturno da escola secundária e do Instuto Profissional Técnico não estão a ser desenvolvidas por causa da falta de energia. Também aulas práticas dos cursos técnicos estão prejudicadas, porque não há corrente elétrica para as máquinas, diz Abraão Victorino.
Serviços públicos num alpendre
A administradora do distrito de Machaze, Joana Guinda, explica que os serviços públicos e o atendimento dos utentes têm estado a ser feitos num alpendre, durante algumas horas por dia.
"Sofremos o ciclone, a energia foi-se e nós não podíamos paralisar as instituições do Estado. Sentamo-nos e programamos e vimos que as instituições do Estado podiam trabalhar na matchessa [alpendre], tendo lá uma impressora e cada qual trazia o seu portátil, fazia o trabalho, imprimia para podermos continuar a trabalhar, porque se não, desde do dia 14 até hoje não estaríamos a fazer nada," relata.
Sem infraestrutura, distritos de Manica ficam isolados
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Joana Guinda esclarece ainda que o fornecimento de energia e o abastecimento de água à população está a ser feito de forma faseada. De acordo com a administradora do distrito, a mesma energia produzida pelo gerador utilizado no escritório móvel é também a que garante o fornecimento de água à população.
"Ligamos três horas para atender os funcionários e depois ligamos também três horas para abastecimento de água à população e ligamos três horas para a casa da administradora. Então, partilhamos tudo e tudo está a andar," explica.
A Eletricidade de Moçambique (EDM) em Manica disse estar a envidar esforços para restabelecer a corrente até meados do próximo mês. O ciclone Idai provocou mais de 600 mortes no centro do país e milhares de desalojados.
Ciclone Idai: Viver numa tragédia
Centenas de milhares de pessoas precisam de ajuda urgente no centro de Moçambique, depois do ciclone Idai. Enquanto buscas por vítimas continuam, desalojados sobrevivem como podem.
Foto: DW/B. Jequete
Famílias refugiam-se no asfalto após ciclone
Depois do ciclone Idai, 40.000 pessoas precisam de ajuda na província de Manica, centro de Moçambique. Milhares ficaram sem casa e dezenas de famílias preferem acomodar-se no asfalto da EN6 do que ir para os centros de acomodação do Governo. Dizem que aqui é mais seguro, porque alguns centros estão lotados. Trouxeram para aqui os pertences que conseguiram resgatar, incluindo pilões para o milho.
Foto: DW/B. Jequete
Há casas inundadas até hoje
A extensão da devastação do ciclone Idai é grande. O Governo moçambicano estima que o ciclone destruiu uma área superior a 3.000 quilómetros quadrados. Mais de 90 mil casas foram afetadas; 50 mil ficaram totalmente destruídas. Muitas casas, construídas em zonas pantanosas, continuam inundadas quase duas semanas depois da passagem do ciclone. As autoridades tentam drenar as águas, mas é difícil.
Foto: DW/B. Jequete
Pobres ainda mais pobres
Milhares de pessoas estão em vários centros de acomodação. Quem tem casas de alvenaria foi menos afetado pelo ciclone do que outros cidadãos, com casas precárias, que perderam praticamente tudo e vieram para aqui. Rosa Ferro, uma anciã no centro de acomodação de Matarara, no distrito de Sussundenga, diz que nunca viu algo assim: "O ciclone Idai devastou tudo o que tínhamos. Reduziu-nos a zero."
Foto: DW/B. Jequete
Cada um por si, Deus por todos
No centro de acomodação de Matarara, muitas vezes o lema é "cada um por si e Deus por todos". Cada família cozinha o que tem, e as que não têm comida, na sua maioria, não são servidas quando chega a hora da refeição.
Foto: DW/B. Jequete
Apoio a vítimas vai chegando
O apoio às vítimas do ciclone Idai tem chegado à província de Manica. Tanto apoio de fora, como de dentro de Moçambique. A rede italiana de organizações não-governamentais AIFO acaba de apoiar as vítimas do Idai com víveres e material escolar. A AIFO desembolsou dois mil euros para a compra de donativos para desalojados em dois centros de acomodação.
Foto: DW/B. Jequete
40 toneladas de ajuda
Uma associação de caridade constituída por empresários em Manica, chamada "The All Heart Foundation", já disponibilizou 40 toneladas de produtos básicos, incluindo alimentos, para as vítimas do ciclone Idai nas províncias de Sofala e Manica. Mussa Laher, representante da associação, disse estar a receber o apoio de outros empresários, que ficaram sensibilizados com a causa.
Foto: DW/B. Jequete
Chima com feijão
Nos centros de acomodação, a chima com feijão é o prato mais cozinhado. Não há outra alternativa. As doações que mais chegam aqui são precisamente a farinha de milho e o feijão. Quem não consegue comer, porque está doente, passa fome.
Foto: DW/B. Jequete
Buscas continuam
As buscas por sobreviventes continuam tanto na província de Manica, como na província de Sofala. Só em Manica morreram, pelo menos, 148 pessoas devido ao ciclone Idai. 60 pessoas continuam desaparecidas, segundo o Instituto Nacional de Gestão de Calamidades Naturais (INGC). Vários parceiros de cooperação têm dado apoio nas buscas. Os abutres também têm ajudado a encontrar cadáveres.
Foto: DW/B. Jequete
Utentes da EN6 já respiram de alívio
A EN6, que liga as províncias de Manica e Sofala, já está desbloqueada. Foram feitos desvios, para que os carros pudessem passar. Até domingo passado (24.03), a passagem era feita através de barcaças ou moto-táxis, que cobravam taxas altíssimas.
Foto: DW/B. Jequete
Água dura em pedra dura…
Ninguém pensava que o projeto de ampliação e reabilitação da EN6 acabaria assim. Depois do ciclone Idai, a fúria das águas destruiu quase todas as infraestruturas. Até as pontes tombaram.
Foto: DW/B. Jequete
Sem aulas
A Escola Primária e Completa de Inchope ficou sem tecto devido ao ciclone Idai. Todos os documentos ficaram ensopados, incluindo os processos dos alunos e certificados. Mais de 3 mil alunos estão sem aulas.
Foto: DW/B. Jequete
Perigo de vida
As dezenas de pessoas que estão a viver na EN6 fizeram do asfalto o seu pátio de sua casa. Debulham o milho ou estendem a roupa paredes meias com as viaturas - e correm perigo de vida. Se uma viatura perde a direcção, pode varrer as cabanas à beira da estrada e matar alguém.