Deputados reconhecem danos na proximidade de minas de carvão
Amós Fernando (Tete)
9 de novembro de 2018
Continua parada a mina Moatize II da Vale, na sequência do protesto dos moradores do Bairro Bagamoio. Queixam-se de poluição sonora, ambiental e fissuras provocadas nas residências devido às ações da empresa mineira.
Publicidade
As comissões para os assuntos sociais, género, tecnologia e comunicação social e da agricultura, economia e meio ambiente da Assembleia da República de Moçambique trabalharam esta semana em Moatize, província central de Tete, para se inteirarem das queixas dos residentes do Bairro Bamaoio, unidade Nhantchere.
Num encontro com os deputados e membros das organizações da sociedade civil (09.11.), os moradores daquela unidade residencial pediram "aos deputados para informarem ao Governo central que em Moatize vivem pessoas e não animais. E os pedidos destas pessoas devem ser cumpridos."
Poluição sonora, ambiental e fissuras provocadas nas residências na sequência do estremecer da terra devido aos explosivos usados pela empresa mineira Vale, são algumas das queixas da população.
Os deputados do Parlamento reconhecem que as reivindicações da população de Nhantchere são legítimas.
Parlamento reconhece que há problemas
Lucinda Malema é vice-presidente da comissão para assuntos sociais, género, tecnologia e comunicação social disse: "Conseguimos ver que, de facto, não existe nenhum espaçamento de separação entre a mina da Vale e a população. É uma preocupação toda nossa, porque a reclamação do povo é justa, achamos que há mecanismos que podemos usar."
Enquanto não forem reassentados, os moradores de Nhantchere querem que a mina continue paralisada. Um dos moradores exige: "Enquanto a Vale está pensar em reassentar as pessoas, a máquina não pode trabalhar porque nós estamos a morrer".
Questionada pela DW África sobre o posicionamento da comunidade de Nhantchere, Lucinda Malema disse que "se deve encontrar um meio termo para que aquela reivindicação da população possa ter uma solução".
Parlamento reconhece danos na proximidade de minas de carvão
Sociedade civil exige divulgação de contrato
A Coligação Cívica sobre a Indústria Extractiva, uma plataforma de organizações da sociedade civil e de advocacia e monitoria deste setor económico exige a divulgação do contrato assinado entre a mineradora e o Governo.
"Para podermos perceber várias nuances que há neste contrato, porque a Vale sempre quando quer justificar algo recorre ao mesmo. Disponibilizar este contrato seria um espaço bastante importante para nós compreendermos o que é que realmente foi acordado", defende Jessimusse Cacinda porta-voz do grupo.
E o porta-voz do grupo aponta ainda fragilidades na Lei de Minas. Cacinda destaca que "não existe algum mecanismo dentro da lei de minas que obrigue as empresas a disponibilizarem informação pública como acontece na Lei de Petróleos."
Vale acumula prejuízosEm conferência de imprensa na quinta-feira (08.11.), em Maputo a Vale disse que a paralisação da mina Moatize II afetou o seu desempenho, contribuindo para a redução da expetativa de produção anual de 15 para 12 milhões de toneladas, segundo Márcio Gody, presidente do Conselho de Administração da empresa em Moçambique.
"Nós agora estamos a fazer os cálculos por conta dos sequenciamentos desses passos que ficaram atrasados e ver se ainda haverá algum impacto adicional", declarou Gody.
A vice-presidente da comissão para assuntos sociais, género, tecnologia e comunicação social, Lucinda Malema informou que a empresa reconhece que há problemas: "Pelo trabalho que nós fizemos eles viram que, de facto, há problemas. Em algumas questões a população tem a sua razão de reclamar"
O Governo moçambicano em coordenação com a Universidade Eduardo Mondlane está a produzir um estudo sobre os impactos da poluição ambiental em Moatize.
Faces de Tete e do carvão de Moçambique
A vida mudou na província de Tete desde a chegada de empresas multinacionais para explorarem o carvão. Os ventos da mudança trouxeram, para alguns, oportunidades para melhorar de vida; para outros, novas preocupações.
Foto: DW/Marta Barroso
Coque, o trabalhador
Coque tem 28 anos. Trabalha há quatro anos na empresa mineira britânica Beacon Hill. Lá, amarra lonas nos camiões que transportam o carvão até ao vizinho Malawi. Tal como muitos jovens na região, dantes Coque fabricava tijolos que vendia no mercado local. Mas hoje, diz, vive melhor. Por camião recebe 800 meticais, cerca de 20 euros, que divide com o colega que estiver com ele no turno.
Foto: Marta Barroso
Paulo, o diretor de operações da Vale
Apesar dos enormes incentivos fiscais de que gozam as empresas dos megaprojetos em Moçambique, como a brasileira Vale, Paulo Horta diz que um projeto de mineração como o de Moatize gera uma cadeia produtiva tão grande que a população local beneficia em grande medida com a sua vinda para Tete: através da criação de outras empresas, serviços, tributos gerados por terceiros e criação de empregos.
Foto: DW/Marta Barroso
Gomes António, vítima de maus tratos
Gomes António Sopa foi espancado e detido pela polícia na sequência da manifestação de 10 de janeiro de 2012, quando os habitantes de Cateme bloquearam a passagem do comboio que transportava carvão das minas até ao porto da cidade da Beira. Muitas das promessas feitas pela Vale, responsável pelo reassentamento de centenas de famílias, continuam por cumprir. Ainda hoje, Gomes António sente dores.
Foto: Marta Barroso
Duzéria, a curandeira
Os habitantes do Centro de Reassentamento de 25 de Setembro, no distrito de Moatize, queixam-se de que muitos aspetos culturais não foram respeitados durante o processo de reassentamento pelas empresas mineiras. A curandeira do bairro, por exemplo, diz que no planeamento do complexo não se teve em conta a construção de uma casa para o seu espírito.
Foto: Marta Barroso
Lória, a rainha
Provavelmente Lória Macanjo e a sua comunidade deverão ser reassentadas brevemente: a multinacional Rio Tinto está já a operar um mina de carvão em Benga, perto da sua aldeia, Capanga. Também aqui, debaixo da terra que herdou do pai, a empresa mineira descobriu carvão. Mas a rainha sabe do destino dos que já se mudaram e recusa-se a deixar a sua casa.
Foto: DW/Marta Barroso
Olivia, a cabeleireira
Olivia (esq.) tem 29 anos e veio em 2008 do seu país, o Zimbabué, fugindo à crise financeira que lá se vive. Tete é agora a terra das grandes oportunidades, tinham-lhe dito. Hoje, é cabeleireira no Mercado Primeiro de Maio e, tal como a amiga Faith (dir.) faz trabalhos de manicure. Diz que, por dia, consegue 500 a 1000 meticais, entre 15 e 25 euros. Com esse dinheiro consegue sustentar-se.
Foto: DW/Marta Barroso
Guta, o empresário
Ao todo, Guta emprega 130 homens nas áreas de carpintaria e construção civil na cidade de Tete. Diz que desde a chegada das grandes empresas à região não sentiu grandes alterações no seu negócio. Os projetos de mineração requerem quantidades às quais não consegue responder. Uma vez, conta, a Vale pediu que fornecesse, juntamente com outra carpintaria da cidade, 5000 portas em 60 dias.
Foto: DW/Marta Barroso
Canelo, o vendedor de amendoins
Canelo diz que tem 11 anos. E diz também que frequenta a segunda classe. Todas as tardes vende amendoins no centro de Tete. "Para ajudar a mãe que não tem trabalho." O pai também está desempregado. Canelo é uma de muitas crianças que vendem amendoins na cidade. Um saco pequeno fica por dois meticais, cerca de cinco cêntimos de euro, o maior custa cinco meticais, treze cêntimos de euro.
Foto: DW/Marta Barroso
Catequeta, o ativista
Manuel Catequeta mudou-se para Tete em 2001. O ativista dos direitos humanos sabe o que custa viver com a subida constante do custo de vida. O seu salário não lhe permite luxos. A sala de sua casa "de dia é sala, de noite vira quarto". Mas mudar de casa, para já, está fora de questão. Hoje em dia, uma boa casa na capital provincial passa dos 5.000 dólares, cerca de 4.000 euros, por mês.
Foto: DW/Marta Barroso
Júlio, o otimista
O músico Júlio Calengo vê oportunidades de negócio, agora que em Tete há tantas empresas novas. O seu objetivo é, em breve, montar uma empresa de limpeza: tanto nos escritórios das empresas mineiras como nos das firmas que entretanto apareceram na cidade. Interessados não vão faltar, diz Júlio. O que é preciso é ter criatividade e, claro, dinheiro.