A Federação dos Empreiteiros de Moçambique acusa instituições do Estado de adjudicar obras públicas a empresas estrangeiras em contravenção dos regulamentos.
Publicidade
A Federação dos Empreiteiros de Moçambique (FME) denunciou, esta quarta-feira (17/1), esquemas de favorecimento de empresas estrangeiras na adjudicação de obras públicas. As declarações vieram no seguimento da suspensão, pelo Gabinete Central de Combate à Corrupção (GCCC), das obras de construção de rodovias na cidade da Matola, avaliadas em 250 milhões de dólares.
O presidente da federação, Bento Machaíla, afirmou que há empresas estrangeiras que usam de forma desleal e criminosa as lacunas da legislação moçambicana para obter vantagens nos concursos públicos.
"Há empresas estrangeiras registadas em Moçambique, que têm usado a designação social do país de origem, e que participam em concursos públicos de empreitadas submetendo documentação jurídica das suas empresas com alvará, relatórios de contas, demonstração de capacidade técnica, mesmo não concorrendo em consórcio, de modo a confundir as Unidades Gestoras das Aquisições na avaliação das propostas", explicou.
Responsabilização dos funcionários
No caso da suspensão das obras de construção de rodovias na Matola pelo GCCC, por indícios de violação de regras de contratação pelo Ministério dos Transportes e Comunicações, Machaíla denunciou que houve interferência de uma funcionária do ministério na análise das propostas de adjudicação e seleção da empresa vencedora.
Publicidade
"É grave, porque quando se constitui um júri, é o júri que manda dentro da equipa. E essa funcionária, que nós sabemos, é coordenadora de projetos financiados pelo Banco Mundial no Ministério dos Transportes", disse Machaíla.
A Federação dos Empreiteiros diz ainda que "há um cartel de empresas" que participam nos concurso, posicionando-se com preços muito baixos ou a omissão dos mesmos, para negociar adendas ao contrato durante a execução da obra.
"Essa forma de atuação, para além de ser anti ética, constitui um atentado para as finanças públicas, a economia nacional e para a sobrevivência das empresas nacionais", explicou, adiantando que o procedimento deve ser sancionado com a exclusão dessas empresas dos concursos públicos.
Maxixe: Obras sem qualidade são adjudicadas por milhões
Em Maxixe, Moçambique, somam-se os casos de obras públicas sobrefaturadas. A DW África juntou exemplos de obras cujo processo de adjudicação não foi transparente e nas quais os orçamentos foram inflacionados.
Foto: DW/L. da Conceição
Favorecimento na seleção das empresas
Em Maxixe, parte das obras de construção civil têm sido adjudicadas à empresa SGI Construções Lda. que não se encontra registada no Boletim da República e que apenas tem escritórios em Maputo. A empresa, com laços fortes com o Presidente do município, Simão Rafael, faturou, nos últimos dois anos, mais de 30 milhões de meticais (cerca de 427 mil euros) em obras que até hoje ainda não terminaram.
Foto: DW/L. da Conceição
Falta de transparência
Como se vê na imagem, para além de não se saber a data do início desta obra, não se conhece o fiscal nem a distância exata para a colocação de pavés. Sabe-se apenas que tem um prazo de execução de 90 dias.
Foto: DW/L. da Conceição
Figuras ligadas à FRELIMO criam empresa
Esta obra, orçada em mais de sete milhões de meticais, foi adjudicada à MACROLHO Lda, uma empresa com sede em Inhambane e que tem, segundo a imprensa local, participações de sócios ligados ao partido FRELIMO, como o ex-governador de Inhambane, Agostinho Trinta. Faturou, nos últimos dois anos, mais de 40 milhões de meticais em obras que, até agora, ainda não foram entregues. O prazo já expirou.
Foto: DW/L. da Conceição
Obras faturadas e abandonadas
Esta via é a entrada do bairro Eduardo Mondlane. Desde 2016, o munícipio já gastou na reparação desta estrada - com cerca de 200 metros -, mais de quatro milhões de meticais. Até à data, apenas foram executados 150 metros. Ao que a DW África apurou, o empreiteiro apenas trabalha nos dias de fiscalização dos membros da assembleia municipal. O dinheiro faturado dava para pavimentar mais de 1 km.
Foto: DW/L. da Conceição
Obras sobrefaturadas
Este é o estado atual de várias obras na cidade de Maxixe. Na imagem, a via do prolongamento da padaria Chambone, foi faturada em mais de cinco milhões de meticais (cerca de 71 mil euros) no ano de 2016. No entanto, esta mesma obra voltou a ser faturada este ano, não tendo o valor sido tornado público.
Foto: DW/L. da Conceição
Obras sem qualidade
Desde o ano de 2015, o conselho municipal da cidade de Maxixe já gastou mais de 10 milhões de meticais (cerca de 142 mil euros) com as obras de reparação de buracos nas avenidas e ruas do centro da cidade. No entanto, o trabalho não tem qualidade e os buracos continuam a danificar carros ligeiros. O empreiteiro desta obra é também a SGI Construções Lda.
Foto: DW/L. da Conceição
MDM denuncia corrupção
A bancada do MDM na assembleia municipal de Maxixe denunciou que as viaturas adquiridas pela edilidade não estão a ser compradas em agências, mas no mercado negro em África do Sul. Diz a oposição que as últimas duas viaturas adquiridas custaram mais de sete milhões de meticais. Um preço quatro vezes superior, quando comparado ao valor das duas viaturas no mercado em Moçambique.
Foto: DW/L. da Conceição
“Não interessa qualidade, queremos faturar”
Jacinto Chaúque, ex-vereador do município de Maxixe, está a ser investigado pelo Gabinete de Combate à Corrupção de Moçambique. Da investigação consta, entre outros, uma gravação telefónica entre Chaúque e o empreiteiro desta obra, na avenida Ngungunhane, e em que o ex-vereador afirma que “não interessa a qualidade. Queremos faturar nestas obras”. Chaúque está a aguardar julgamento.
Foto: DW/L. da Conceição
Preços altos nas construções de edifícios
Em 2015, o conselho municipal de Maxixe construiu um posto policial no bairro de Mabil. Esta infraestrutura - com apenas dois quartos, uma sala comum e uma cela com capacidade para cinco pessoas – custou mais de 1,3 milhões de meticais, não contando com a aquisição de material como mesas ou cadeiras. Ao que a DW África apurou junto do mercado, esta obra não custaria mais de 300 mil meticais.
Foto: DW/L. da Conceição
Um milhão de meticais por cada sede do bairro
As sedes dos bairros são outro exemplo. Todas as sedes dos bairros construídas pelo conselho municipal contam com a mesma planta. Cada uma custou cerca de um milhão de meticais (cerca de 14 mil euros). O preço real de mercado para uma casa tipo dois, sem mobília de escritório, é de cerca de 300 meticais.
Foto: DW/L. da Conceição
Empreiteiro exige dinheiro de volta
O empreiteiro Ricardo António José reclamou, em 2015, a devolução do dinheiro que foi exigido pelo ex-chefe da Unidade Gestora Executora e Aquisições, Rodolfo Tambanjane. O montante pago por Ricardo José era referente ao valor da comissão de Tambanjane por ter selecionado esta empresa e não outra. Rodolfo Tambanjane foi preso, tendo saído depois de pagar caução. O caso continua em tribunal.
Foto: DW/L. da Conceição
11 fotos1 | 11
Medidas para precaver processos viciados
Os empreiteiros exigem que o Ministério dos Transportes e Comunicações como promotora do concurso do projeto de Mobilidade Urbana na Área Metropolitana de Maputo e do financiador se pronunciarem sobre este problema. A federação pretende ainda a responsabilização dos funcionários envolvidos e solicita informações sobre "os passos que serão dados" para evitar que essas situações se repitam.
No fim-de-semana, o Ministério Público disse, em comunicado, não ter constatado qualquer irregularidade nos preços aplicados na proposta de asfaltagem das estradas na Matola, pelo que decidiu arquivar o processo.