Moçambique: Escultores de Gaza pedem oportunidades
Carlos Matsinhe (Xai-Xai)
2 de julho de 2017
Na província do sul de Moçambique, os escultores dizem-se esquecidos pelo Governo que, afirmam, só se lembra dos artistas em eventos do seu interesse.
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O escultor Izidro Banze, de 40 anos, já conta 17 anos de carreira no posto administrativo de Chidenguele, a 70 quilómetros da capital provincial, Xai-Xai, no sul de Moçambique. Mesmo sem o apoio do Governo e sem oportunidades para expôr as suas obras de arte em madeira, à sua maneira, afirma, tem estado a retratar o dia-a-dia e a história do povo moçambicano.
Faz o trabalho junto às bermas da Estrada Nacional 1, onde funciona a sua galeria. "Até agora, o Governo não me apoiou. Mas conhecem-me, porque quando me querem usar, isto é, quando chega o Presidente e durante os festivais, vêm-me buscar a Chidenguele e levam-me para Xai-xai", diz Izidro Banze.
"O único apoio que reconheço é a alimentação que me oferecem. Mas nunca aconteceu receber outra ajuda para o meu trabalho ir em frente".
Izidro gostaria que o Governo o aproveitasse para a transmissão de conhecimento artístico aos mais novos. "Na minha zona, em Chidenguele, já ensinei pessoas que hoje, com a sua produção artítica, sustentam as famílias. Se o Governo me apoiar, tenho força para ensinar milhares de artesãos do futuro", garante.
Problemas logísticos
Na segunda quinzena de julho, a cidade de Xai-Xai acolhe o 13º Festival Nacional dos Jogos Escolares. O evento, visto por Izidro como uma oportunidade de exposição, juntará mais de dois mil atletas, técnicos e dirigentes desportivos do sector da Educação e Desenvolvimento Humano do país.
No entanto, diz o artista, até agora não recebeu qualquer convite, quando faltam apenas duas semanas para o festival.
A título individual, diz o escultor, não é capaz de avançar para expor parte das trinta grandes peças disponíveis na sua galeria. Faltam condições logísticas.
Governo reconhece problemas
Justino Chizango, diretor provincial adjunto da Cultura e Turismo em Gaza, considera legítimas as preocupações dos escultores. Segundo o dirigente, o Governo da província já trabalha para que todos os artístas tenham um espaço para exporem as suas obras.
"Em coordenação com uma empresa de consultoria da cidade de Maputo, estamos a mobilizar fundos para a edificação da feira provincial de arte e artesanato na cidade baixa de Xai-Xai, no mira rio próximo ao clube ferroviário de Gaza", explica Chizango.
Enquanto não for mobilizado o dinheiro, os 168 artistas arrolados em toda a província de Gaza estão entregues "ao Deus dará" mas, segundo o diretor provincial adjunto da Cultura e Turismo, o sector tem estado a minimizar o problema, levando vezes sem conta alguns escultores, entre outros artesãos, para exporem as obras na feira internacional de Maputo-FACIM, promovida anualmente.
"A Galeria da Casa Provincial da Cultura faz muito, alberga obras de vários artistas da província, pensamos que é algum esforço que está a ser empreendido pelo Governo face às dificuldades", sublinha Justino Chizango.
A almejada feira provincial de arte e artesanato de Gaza, que não se sabe quando chegará, está orçada em duzentos milhões de meticais, equivalentes a 3,3 milhões de dólares.
Gonçalo Mabunda: a arte pacífica das armas
O artista moçambicano Gonçalo Mabunda transforma armas em objetos de arte para promover a paz no país. Mabunda recolhe as armas usadas em 16 anos de guerra civil para criar máscaras e cadeiras.
Foto: R. da Silva
Artista universal
Gonçalo Mabunda começou a trabalhar no meio artístico da capital moçambicana, Maputo em 1992. Na altura colaborava no Núcleo de Arte como assistente de galeria. Hoje expõe a sua arte em todo o mundo, tendo passado com as suas obras por cidades como Tóquio, Londres e Düsseldorf. Por onde passo,: “as pessoas quando vêem estes trabalhos ficam curiosas" e entusiasmadas, conta.
Foto: R. da Silva
Tronos irónicos
A oficina está cheia de restos de espingardas, AK-47, rockets e cadeiras feitas com recurso a estes artefatos. No seu site online, Mabunda diz que os tronos - uma das suas imagens de marca - funcionam como atributos do poder, símbolos tribais e peças tradicionais de arte étnica africana. São ainda um comentário irónico à experiência de violência que viveu em criança na guerra civil moçambicana.
Foto: R. da Silva
Recolha de material
Em 1995, o Conselho Cristão de Moçambique lançou o projecto "Transformar Armas em Enxadas". O projeto continua a ser um dos fornecedores do material de que o artista precisa para criar as suas peças. Mas hoje em dia, contou Mabunda à DW África "também consigo comprar artefactos de guerra já destruídos" na sucata.
Foto: R. da Silva
Arte com assistência
Gonçalo Mabunda precisa de assistentes para completar as suas obras. O material bélico desativado exige um tratamento especial para poder ser trabalhado artisticamente. Mabundo orienta os seus ajudantes. Mas acrescenta que também troca ideias com eles, criando uma obra conjunta. Algo que, na sua opinião, os políticos também deviam fazer.
Foto: R. da Silva
A cara da guerra
O artista conta que muitas pessoas ficam impressionadas com a capacidade de transformar em arte positiva material usado para semear a morte e a miséria. Como ainda acontece em Moçambique hoje. Mabunda não poupa críticas aos governantes: "Estamos perante uma situação em que apenas um grupinho de pessoas é que decide sobre como é que queremos viver.”
Foto: R. da Silva
A cara da guerra
A situação de conflito que o país atravessa novamente preocupa o artista: “Foram 16 anos de guerra e 22 de paz. Quem nasceu em 1992 vivia em liberdade. E agora nem sei explicar como voltámos a esta situação.” Talvez por isso as máscaras que produz com o material de guerra tenham um ar mais assustado do que assustador.
Foto: R. da Silva
As armas falam de paz
As armas também podem falar de paz. Pelo menos aquelas que passaram pelas mãos de Mabunda. As máscaras que cria exprimem o horror da matança. O percurso de Mabunda passou pela África do Sul, mais precisamente Durban, graças à ajuda do artista sul-africano, Andreies Botha. Aos 18 anos, Mabunda teve a possibilidade de ali fazer um curso de metal e bronze, como contou ao semanário português Expresso.
Foto: R. da Silva
Reconhecimento internacional
Nascido em 1975, Mabunda trabalha como artista a tempo inteiro desde 1997. Optando por reciclar material bélico criou um estilo muito próprio, hoje reconhecido em todo o mundo. Sobreposta à arte está a mensagem de promoção da paz, num país em que as armas que falam da guerra ainda não se calaram.