Moçambique celebra algumas vitórias com a intervenção militar externa em Cabo Delgado. Mas o que acontecerá quando essas tropas saírem? Investigador pede solução para descontentamento social e reorganização do Exército.
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Em entrevista à DW África, o investigador moçambicano João Feijó, do Observatório do Meio Rural (OMR), salienta que, para a intervenção se tornar num sucesso sustentável há que resolver problemas endógenos como as fragilidades do Exército e o descontentamento social na região.
DW África: A opção do Governo de recorrer a forças externas para estancar a insurgência parece estar a surtir efeitos. Parecem-lhe resultados duradouros?
João Feijó (JF): Os resultados imediatos foram positivos porque Moçambique recuperou a iniciativa no ataque e colocou os insurgentes em xeque. Portanto, recuperou o controlo territorial, devolveu segurança às populações no terreno e muita gente está hoje na expetativa de poder regressar. A via militar não será a única solução, mas não deixa de ser importante.
DW África: Contudo, há zonas de penumbra nessas parcerias externas...
JF: Há grandes questões que se colocam aqui. A primeira é uma questão militar ou de coordenação entre estas tropas, em termos operacionais. A segunda tem a ver com os custos: quem é que vai pagar isto? E quais são as contrapartidas que Moçambique irá dar sobretudo ao Ruanda? Existe o discurso de que é uma ajuda voluntária e desinteressada, mas sabemos que nas relações internacionais as coisas não são tanto assim. Outra questão que se coloca é, se o problema não ficar logo resolvido e elas tiverem de persistir no terreno, quem é que vai pagar isto e qual é a viabilidade de pagar isto? E depois o que vai acontecer quando elas regressarem? Isso implica uma reorganização das Forças Armadas moçambicanas para preparar para o futuro. Há um trabalho que está a ser feito nesse sentido em sintonia com o apoio da União Europeia, que está a formar militares moçambicanos.
Está na hora de "preparar o futuro" de Cabo Delgado
DW África: O Exército moçambicano é bastante deficitário em vários aspetos. A médio prazo é possível melhorar isso?
JF: Há uma reorganização mais profunda, que penso que tem de ser feita para tornar as forças mais capazes. Mas, acima de tudo, há uma coisa que não está ainda a ser falada devidamente: qual é a estratégia de contrainsurgência em termos de desenvolvimento do território e identificação dos motores do conflito, e de olhar para eles sem tabu, para tentar arranjar uma resposta consentânea para resolver problemas profundos. São problemas que existem sobretudo no norte do país, mas são transversais a muitas zonas. Têm a ver com a exclusão social da população e a exclusão do acesso a recursos minerais ou aos benefícios dos recursos minerais, mas também aos empregos e às promessas de bem-estar social. Isto cria um sentimento de revolta por parte da juventude de Cabo Delgado, que não tem outra alternativa para além da agricultura, que não é rentável também. É essa parte que era importante trabalhar um pouco mais.
DW África: É de se esperar um recrudescer da insurgência com o fim da aposta internacionalista do Governo moçambicano, se tivermos em conta que há suspeitas de que os insurgentes se estão a reorganizar num silêncio estratégico, à espera de um momento mais frágil para atuar?
JF: Isto vai depender da capacidade do Estado em evitar que isso aconteça. Este movimento é mais ou menos como a água: vai seguir o caminho por onde pode seguir. Então, perante o obstáculo contorna e vai para outros locais. Este grupo irá procurar locais onde o Estado está fragilizado e onde existem tensões sociais e onde existem conflitos. Vão tentar capitalizar o descontentamento da população para fins militares em troca de promessas de apoios económicos, ou mesmo através da coerção.
Terrorismo em Cabo Delgado: As marcas da destruição e a crise humanitária
Edifícios vandalizados, presença de militares nas ruas e promessas de soluções por parte de políticos contrastam com a tentativa das populações de levar a vida adiante.
Foto: Roberto Paquete/DW
Infraestruturas vandalizadas
O conflito armado em Cabo Delgado deixou um número de infraestruturas destruídas na província nortenha de Moçambique. Em Macomia, os insurgentes não pouparam nem a Direção Nacional de Identificação Civil. Os danos no prédio do órgão deixaram milhares de pessoas sem documentos. E carro da polícia incendiado.
Foto: Roberto Paquete/DW
Feridas abertas até na sede da Polícia
O edifício da Polícia da República de Moçambique (PRM) em Macomia ainda carrega as marcas de um ataque em 2020. O tanzaniano Abu Yasir Hassan – também conhecido como Yasser Hassan e Abur Qasim - é reconhecido pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos e pelo Governo moçambicano como líder do Estado Islâmico em Cabo Delgado. Não está claro se o grupo é responsável pelos ataques na província.
Foto: Roberto Paquete/DW
"Eliminar todo o tipo de ameaça"
Joaquim Rivas Mangrasse (à esquerda) foi empossado chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas a 16 e março. "É missão das Forças Armadas eliminar todo o tipo de ameaça à nossa soberania, incluindo o terrorismo e os seus mentores, que não devem ter sossego e devem se arrepender de ter ousado atacar Moçambique", declarou o Presidente Filipe Nyusi (centro) na cerimónia de posse, em Maputo.
Foto: Roberto Paquete/DW
Missões constantes para conter os terroristas
Soldados das Forças Armadas de Defesa de Moçambique preparam-se para mais uma missão contra terroristas em Palma. A vila foi alvo de ataques, esta quarta-feira (24.03), segundo fontes ouvidas pela agência Lusa e segundo a imprensa moçambicana. Neste mesmo dia, as autoridades moçambicanas e a petrolífera Total anunciaram, para abril, o retorno das obras do projeto de gás, suspensas desde dezembro.
Foto: Roberto Paquete/DW
Defender o gás natural da península de Afungi
A península de Afungi, distrito de Palma, foi designada como área de segurança especial pelo Governo de Moçambique para proteger o projeto de exploração de gás da Total. O controlo é feito pelas forças de segurança designadas pelos ministérios da Defesa e do Interior. Esta quinta-feira (25.03), o Ministério da Defesa confirmou o ataque junto ao projeto de gás, na quarta-feira (24.03).
Foto: Roberto Paquete/DW
Proteger os deslocados
Soldados das FADM protegem um campo para os desolocados internos na vila de Palma. A violência armada está a provocar uma crise humanitária que já resultou em quase 700 mil deslocados e mais de duas mil mortes.
Foto: Roberto Paquete/DW
Apoiar os deslocados
De acordo com as agências humanitárias, mais de 90% dos deslocados estão hospedados "com familiares e amigos". Muitos refugiaram-se em Palma. Com as estradas bloqueadas pelos insurgentes em fevereiro e março deste ano, faltaram alimentos. A ajuda chegou de navio.
Foto: Roberto Paquete/DW
Defender a própria comunidade
Soldados das Forças Armadas de Defesa de Moçambqiue estão presentes também no distrito de Mueda. Entretanto, cansados de sofrer nas mãos dos teroristas, antigos militares decidiram proteger eles mesmos a sua comunidade e formaram uma milícia chamada "força local".
Foto: Roberto Paquete/DW
Levar a vida adiante
No mercado no centro da vida de Palma, a população tenta seguir com a vida normal quando a situação está calma. Apesar da ameaça constante imposta pela possibilidade de um novo ataque, quando "a poeira abaixa", a normalidade parece regressar pelo menos momentaneamente...
Foto: Roberto Paquete/DW
Aprender a ter esperança com as crianças
Apesar de todo o caos que se instalou um pouco por todo o lado em Cabo Delgado, a esperança por um vida normal continua entre as poulações. Na imagem, crianças de famílias deslocadas que deixaram as suas casas, fugindo dos terroristas, e foram para a cidade de Pemba. Vivem no bairro de Paquitequete e sonham com um futuro próspero, sem ter de depender da ajuda humanitária e longe da violência.