ONG defende mobilização da sociedade civil para "encostar o Governo à parede" em relação à resposta aos ataques armados em Cabo Delgado. Mas denuncia casos de intimidação nas suas tentativas nessa direção.
Publicidade
Esta semana, o sociólogo moçambicano Elísio Macamo defendeu em entrevista à DW uma intervenção vigorosa da sociedade moçambicana no caso dos ataques armados em Cabo Delgado, norte de Moçambique, iniciados em finais de 2017.
A ação dos insurgentes está a tornar-se mais pujante e intimidatória para o Estado. Nas redes sociais, imagens dos homens armados causaram choque e indignação aos nacionais – contudo, não mais do que isso.
"A nossa sociedade pode organizar-se através dos partidos da oposição", propôs Macamo. Mas "a RENAMO [Resistência Nacional Moçambicana] está com o 'rabo preso', porque está numa situação idêntica com os seus próprios rebeldes" e o Movimento Democrático de Moçambique (MDM) poderia exigir "contas ao Governo sobre o que está a ser feito", afirmou o sociólogo.
O MDM lamentou, na quarta-feira (25.03), a "incapacidade" das Forças de Defesa e Segurança no combate aos insurgentes, sugerindo ao Governo que pedisse apoio internacional para travar os ataques em Cabo Delgado. A RENAMO insistiu na declaração do estado de emergência local nas "zonas onde estão a decorrer essas atividades maléficas".
Sociedade "mais ativa"
Mas não foi apenas aos partidos políticos que Elísio Macamo "cobrou" medidas, o resto da sociedade é também "convocado" a agir.
Adriano Nuvunga, diretor do Centro para Democracia e Desenvolvimento (CDD), concorda. É necessário "uma espécie de 'civic-driven action for Cabo Delgado' [uma ação cívica para Cabo Delgado]", afirma Nuvunga, "uma sociedade civil mais ativa na mobilização de todos os atores relevantes", incluindo as grandes empresas, o Governo aos vários níveis – central, provincial e distrital – e outros atores não-estatais.
"Porque está claramente fora dos padrões vistos no passado sobre insurgências militares e a atuação de grupos jihadistas", comenta o membro da sociedade civil. Exige-se assim "um diálogo amplo, abrangente e transparente", que "deve ser liderado por esforços da sociedade civil, que têm estado a ser feitos, mas sem o acolhimento por parte do Estado", sublinha.
Casos de intimidação
Nuvunga denuncia que iniciativas mais contundentes de pressão têm sido inviabilizadas por barreiras a vários níveis: "A sociedade civil deve e já tem estado a realizar, com a liderança das organizações na província, particularmente a Igreja Católica, um conjunto de atividades de denúncia pública das atrocidades que têm estado a acontecer em Cabo Delgado", afirma.
Mas quem apresentou este problema "como sendo bastante sério, em particular o bispo Dom Luiz [Fernando Lisboa], foi vítima de ostracização por parte do 'G40', a ala seguidista do partido [no poder] e do Governo, que tem estado a atacar todos os que têm um pensamento diferente."
Incapacidade de resposta do Governo
Contudo, no seio da sociedade civil, nem todos concordam que uma ação mais pungente contra as autoridades, impulsionada pela sociedade civil, seja a solução. Borges Nhamire, do Centro de Integridade pública (CIP), por exemplo, alerta que mudanças estruturais no combate à insurgência seriam o ponto de partida para imobilizar os atacantes.
"A situação de Cabo Delgado não se resolve com pressão ao Governo. Como se pode notar, toda a província de Cabo Delgado tem Forças de Defesa e Segurança [FDS] nas aldeias a protegerem [a população]. E, sempre que há ataques, há muitas mortes nas FDS, pelo que a imprensa reporta", lembra o pesquisador do CIP.
Por isso, Nhamire questiona: "Não há ausência da resposta do Governo, ora, podemos dizer que a resposta do Governo não está à altura da capacidade dos atacantes. Isso é falta de ação contundente do Governo? Penso que não. Penso que é desconhecimento desse tipo de conflito em Cabo Delgado, que é novo em Moçambique".
"Não penso que a solução esteja na sociedade civil, porque estamos a ver que o Governo está a mandar para lá as forças. Penso que é uma questão de [falta] de capacidade do Governo de responder", repisa Nhamire.
Mas quem é apologista de uma maior pressão sobre o Executivo, como Adriano Nuvunga, defende medidas urgentes: "Em suma, já vamos tarde até diante da magnitude das atrocidades que estão a acontecer em Cabo Delgado, mas por parte do poder público a reação não tem sido muito positiva, tem sido até de ameaça, de intimidação aos esforços da sociedade civil, o que é bastante estranho".
Cabo Delgado: Datas marcantes dos ataques armados
Começaram em outubro de 2017 em Mocímboa da Praia e já se alastraram a outros três distritos moçambicanos. Os ataques armados na província de Cabo Delgado, que somam já mais de 130 mortos, ainda não têm solução à vista.
Foto: DW/G. Sousa
Outubro de 2017
Os primeiros ataques de grupos armados desconhecidos na província de Cabo Delgado aconteceram no dia 5 de outubro de 2017 e tiveram como alvo três postos da polícia na vila de Mocímboa da Praia. Cinco pessoas morreram. Cerca de um mês depois, a 17 de novembro, as autoridades dão ordem de encerramento a algumas mesquitas por se suspeitar terem sido frequentadas por membros do grupo armado.
Foto: Privat
Dezembro de 2017
Surgem novos relatos de ataques nas aldeias de Mitumbate e Makulo, em Mocímboa da Praia. Na primeira semana de dezembro de 2017, terão sido assassinadas duas pessoas. Vários suspeitos foram identificados, tendo os moradores dado conta que os atacantes deram sinais de afiliação muçulmana. Por sua vez, a polícia desmentiu o envolvimento do grupo terrorista Al-Shabaab nestes ataques.
Foto: DW/G. Sousa
Janeiro a maio de 2018
Apesar de ter começado calmo, 2018 revelar-se-ia um ano de terror na província de Cabo Delgado com os ataques a alastrarem-se a mais distritos. Dada a gravidade da situação, a Assembleia da República aprovou, a 2 de maio, a Lei de Combate ao Terrorismo. Mas, no final do mês, dia 27, novos ataques foram realizados junto a Olumbi, distrito de Palma. Dez pessoas morreram, algumas decapitadas.
Foto: Privat
2 de junho de 2018
Dias mais tarde, a televisão STV dava conta que as forças de segurança moçambicanas haviam abatido, nas matas de Cabo Delgado, oito suspeitos de participação nos ataques. Foram ainda apreendidas catanas e uma metralhadora AK-47, além de comida e um passaporte tanzaniano. Por esta altura, já milhares de pessoas haviam abandonado as suas casas, temendo a repetição dos episódios de terror.
Foto: Borges Nhamire
4 de junho de 2018
Ainda se "festejava" os avanços na investigação das autoridades, e consequente abate dos suspeitos quando, a 4 e 7 de junho, se registaram novos incêndios nas aldeias de Naunde e Namaluco. Sete pessoas morreram e quatro ficaram feridas. Foram ainda destruídas 164 casas e quatro viaturas. O mesmo cenário voltou a repetir-se a 22 de junho: um novo ataque na aldeia de Maganja matou cinco pessoas.
Foto: Privat
29 de junho de 2018
Fortemente criticado por não se ter ainda pronunciado acerca dos ataques, o Presidente moçambicano Filipe Nyusi resolve fazê-lo, em Palma, perante um mar de gente. Oito meses e 33 mortos [25 vítimas dos ataques e oito supostos atacantes] depois... Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção aos cidadãos e convidou os atacantes a dialogar consigo, de forma a resolver as suas "insatisfações".
Foto: privat
Agosto de 2018
Depois de, em julho, um novo ataque à aldeia de Macanca - Nhica do Rovuma, em Palma, ter feito mais quatro mortos, Filipe Nyusi desafiou, a 16 de agosto, os oficiais promovidos no exército, por indicação da RENAMO, a usarem a sua experiência no combate contra estes grupos armados que, mais tarde, a 24 do mesmo mês, tirariam a vida a mais duas pessoas, na aldeia de Cobre, distrito de Macomia.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Setembro de 2018
Setembro de 2018 voltava a ser um mês negro no norte de Moçambique. Ataques nas aldeias de Mocímboa da Praia, Ntoni e Ilala, em Macomia, deixaram pelo menos 15 mortos e dezenas de casas destruídas. No final do mês, o ministro da Defesa, Atanásio Mtumuke, afirmou que os homens armados responsáveis pelos ataques seriam "jovens expulsos de casa pelos pais".
Foto: Privat
Outubro de 2018
Um ano após o início dos ataques em Cabo Delgado, a polícia informou que os mais de 40 ataques ocorridos, haviam feito 90 mortos, 67 feridos e destruído milhares de casas. Foi também por esta altura que Filipe Nyusi anunciou a detenção de um cidadão estrangeiro suspeito de recrutar jovens para atacar as aldeias. No final do mês, começaram a ser julgados 180 suspeitos de envolvimento nos ataques.
Foto: privat
Novembro de 2018
Novos relatos de mortes macabras surgem na imprensa. Seis pessoas foram encontradas mortas com sinais de agressão com catana na aldeia de Pundanhar, em Palma. Dias depois, o cenário repetiu-se nas aldeias de Chicuaia Velha, Lukwamba e Litingina, distrito de Nangade. Balanço: 11 mortos. Em Pemba, o embaixador da União Europeia oferecia ajuda ao país.
Foto: Privat
6 de dezembro de 2018
A população do distrito de Nangade terá feito justiça pelas próprias mãos e morto três homens envolvidos nos ataques. Na altura, à DW, David Machimbuko, administrador do distrito de Palma, deu conta que "depois de um ataque, a população insurgiu-se e acabou por atingir alguns deles". Entretanto, o Ministério Público juntou mais nomes à lista dos arguidos neste caso. Entre eles está Andre Hanekom.
Foto: DW/N. Issufo
16 de dezembro de 2018
A 16 de dezembro, e após mais um ataque armado no distrito de Palma, que matou seis pessoas, entre as quais uma criança, Moçambique e Tanzânia anunciaram uma união de esforços no combate aos crimes transfronteiriços. 2018 chegava assim ao fim sem uma solução à vista para os ataques que já haviam feito, pelo menos, 115 mortos. O julgamento dos já acusados de envolvimento nos ataques continua.
Foto: privat
Janeiro de 2019
O novo ano não começou da melhor forma. Sete pessoas morreram quando um grupo armado intercetou uma carrinha de caixa aberta que transportava passageiros entre Palma e Mpundanhar. Na semana seguinte, outras sete pessoas foram assassinadas a tiro no Posto Administrativo de Ulumbi. Um comerciante foi ainda decapitado em Maganja, distrito de Palma, no passado dia 20.