Moçambique: Polícia nega maus-tratos a estrangeiros
Sitoi Lutxeque (Nampula)
12 de março de 2021
Estrangeiros queixam-se de detenções arbitrárias, extorsão e maus-tratos por parte da polícia em Nampula, norte de Moçambique. Autoridades rejeitam acusações e dizem que os cidadãos detidos estão ilegais no país.
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Está instalado um clima de mal-estar entre cidadãos estrangeiros, principalmente de países africanos, e as autoridades policiais e migratórias na província de Nampula, no norte de Moçambique.
Vários cidadãos acusam as autoridades de perseguição policial e detenções arbitrárias.
"O problema acontece sempre que fazem a fiscalização [polícia e serviço de migração]... Alguns estrangeiros são apanhados em razão de qualquer problema que eles [autoridades policiais] entendem", começou por dizer Marcelo Amusre, presidente da União dos Estrangeiros Africanos de Nampula, à DW África.
"Estou numa situação [em que é] muito difícil ajudar. Tenho cerca de seis cidadãos estrangeiros que estão nas celas há seis meses, juntamente com criminosos", lamentou o responsável que adianta que só na sua coletividade existem dez membros detidos em condições questionáveis na Primeira Esquadra da Polícia da República de Moçambique (PRM) em Nampula.
Perseguições antigas
Segundo Marcelo Amusre, as alegadas perseguições policiais a estrangeiros são antigas, mas a situação agravou-se com a pandemia de Covid-19 - que obrigou o Estado moçambicano a restringir a emissão de documentos para cidadãos nacionais e estrangeiros, mas prorrogando o prazo de validade dos mesmos.
No entanto, esses prazos expiraram e muitos imigrantes enfrentam dificuldades para renovar os vistos. Segundo Marcelo Amusre, isso contribui para o aumento das detenções ilegais.
"Tenho um nigeriano que está há mais de seis meses nas celas. Foi apanhado no dia 21 de agosto de 2020, porque a sua Identificação e Residência para Estrangeiro (DIRE) tinha prazo de cinco meses, mas lembre-se que dentro do decreto presidencial sobre o estado de emergência referia que as pessoas mesmo tendo documentos caducados tinham direito a renová-los até 1 de outubro", recorda.
O presidente da União dos Estrangeiros Africanos de Nampula queixa-se ainda de tratamento desigual. "O que me incomoda é que nas celas você não encontra chineses, indianos ou [cidadãos do] Bangladesh... Será que todos esses estão legais aqui [em Moçambique]?", questiona.
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Polícia rejeita acusações
O porta-voz da Polícia moçambicana em Nampula, Zacarias Nacute, nega as acusações de maus-tratos ou abuso de poder e argumenta que os cidadãos estrangeiros estão detidos por estarem em situação de imigração ilegal.
"A Polícia juntamente com [os serviços de] migração tem feito um trabalho de neutralização de indivíduos que estão em situação irregular no nosso território nacional e é daí que todos aqueles indivíduos que não portam documentos e que vivem ilegalmente são encaminhados para as subunidades policiais para posteriormente serem repatriados aos seus países de origem", esclareceu.
"Quanto a questões sobre acesso a alimentação, essas questões estão acauteladas, e tudo aquilo que for necessário para garantir a saúde desses cidadãos é acautelado", acrescentou.
"Em casos de ferimentos, esses indivíduos são encaminhados para os hospitais para receber tratamento [médico] e posteriormente devolvidos às nossas subunidades policiais até ao momento que forem repatriados", concluiu.
Moçambique: Assassinato de figuras incómodas é uma moda que veio para ficar
O preço de fazer valer a verdade, justiça, conhecimento ou até posições diferentes costuma ser a vida em Moçambique. A RENAMO é prova disso, no pico da tensão com o Governo da FRELIMO perdeu dezenas de membros.
Foto: BilderBox
Mahamudo Amurane: Silenciada uma voz contra corrupção e má governação
O edil da cidade de Nampula foi morto a tiros no dia 4 de outubro de 2017. Insurgia-se contra a má gestão da coisa pública e corrupção no seu Município. Foi eleito para o cargo de edil através do partido MDM. Embora mais de sessenta pessoas já estejam a ser ouvidas pela justiça não se conhecem os autores do crime.
Foto: DW/Nelson Carvalho Miguel
Jeremias Pondeca: Uma voz forte nas negociações de paz que foi emudecida
Foi alvejado mortalmente a tiro por homens desconhecidos no dia 8 de setembro de 2016 em Maputo quando fazia os seus exercícios matinais. O assassinato aconteceu numa altura delicada das negociações de paz. Pondeca era membro da Comissão Mista do diálogo de paz, membro do Conselho de Estado, membro sénior da RENAMO e antigo parlamentar. Até hoje a polícia não encontrou os autores do crime.
Foto: DW/L. Matias
Manuel Bissopo: O homem da RENAMO que escapou por um triz
No dia 4 de janeiro de 2016 foi baleado depois de uma conferência de imprensa do seu partido na Beira. Bissopo tinha acabado de denunciar alegados raptos e assassinatos de membros do seu partido e preparava-se para se deslocar para uma reunião da força de oposição quando foi baleado. A polícia moçambicana até hoje não encontrou os atiradores.
Foto: Nelson Carvalho
José Manuel: Uma das caras da ala militar da RENAMO que se apagou
Em abril de 2016 este membro do Conselho Nacional de Defesa e Segurança em representação da RENAMO e membro da ala militar do principal partido da oposição foi morto a tiro por desconhecidos à saída do aeroporto internacional da Beira. A questão militar é um dos pontos sensíveis nas negociações de paz. Os assassinos continuam a monte.
Foto: DW/J. Beck
Marcelino Vilanculos: Assassinado quando investigava raptos
Era procurador foi baleado no dia 11 de abril de 2016 à entrada da sua casa, na Matola. Marcelino Vilanculos investigava casos de rapto de empresários que agitavam o país na altura. O julgamento deste assassinato começou em outubro de 2017.
Foto: picture-alliance/Ulrich Baumgarten
Gilles Cistac: A morte foi preço pelo conhecimento divulgado?
O especialista em assuntos constitucionais de Moçambique foi baleado por desconhecidos no dia 3 de março de 2015 na capital Maputo. O assassinato aconteceu após uma declaração que fortaleceu a posição da RENAMO de gestão autónoma na sua querela com o Governo da FRELIMO. Volvidos mais de dois anos a sua morte continua por esclarecer.
Foto: A Verdade
Dinis Silica: Assassinado em circunstâncias estranhas
O juiz Dinis Silica também foi morto a tiro por desconhecidos, em 2014, em plena luz do dia, quando conduzia o seu carro na capital moçambicana. Na altura transportava uma avultada quantia de dinheiro, cuja proveniência é desconhecida. O juiz da Secção Criminal do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo investigava igualmente casos de raptos. Os assassinos continuam a monte.
Foto: picture-alliance/dpa/U. Deck
Siba Siba Macuacua: Uma morte brutal em nome da verdade
O economista do Banco de Moçambique foi atirado de um dos andares do prédio sede do Banco Austral no dia 11 de agosto de 2001. Na altura investigava um caso de corrupção na gestão do Banco Austral. Siba Siba trabalhava na recuperação da dívida de milhões de meticais, resultante da má gestão do banco. Embora tenha sido aberta uma investigação sobre esta morte ainda não há esclarecimentos até hoje.
Foto: DW/M. Sampaio
Carlos Cardoso: O começo da onda de assassinatos
Considerado o símbolo do jornalismo investigativo em Moçambique, Carlos Cardoso foi assassinado a tiros a 22 de novembro de 2000. Na altura investigava a maior fraude bancária de Moçambique. O seu assassinato foi interpretado como um aviso claro aos jornalistas moçambicanos para que não interferissem nos interesses dos poderosos. Devido a pressões internacionais o caso chegou a justiça.