Eventual recandidatura de Filipe Nyusi preocupa oposição
António Deus | Lusa
30 de março de 2023
Alteração do prazo de marcação das eleições gerais em Moçambique levanta receios de que a Constituição seja revista para abrir caminho a um terceiro mandato do atual Presidente Filipe Nyusi, diz especialista.
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O Parlamento moçambicano aprovou na quarta-feira (29.03) a alteração do prazo de marcação das eleições gerais, com 164 votos da FRELIMO, numa sessão marcada pelo boicote da oposição, que cantou, tocou 'vuvuzelas' e exibiu cartazes para tentar inviabilizar os trabalhos.
Com as mudanças aprovadas na generalidade, o chefe de Estado deve marcar as eleições gerais de 2024 com uma antecedência de 15 meses e não de 18, ou seja, em julho e não em abril, como impunha a lei. Os dispositivos alterados são as normas sobre a eleição do Presidente da República, dos deputados da Assembleia da República, dos governadores provinciais e dos membros das assembleias provinciais.
A Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO, no poder) defendeu as mudanças com o argumento de necessidade de mais tempo para uma reflexão sobre a viabilidade da realização das eleições distritais, escrutínio que já considerou "inviável". A oposição, no entanto, boicotou os trabalhos, criticando a tomada de decisão sem o consenso das bancadas eleitorais. A Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) fala em "atentado à democracia" e o Movimento Democrático de Moçambique (MDM) considera que "a democracia está em perigo".
Em entrevista à DW, o especialista em direito eleitoral Guilherme Mbilana explica os receios da oposição.
DW África: Já foi revista a lei sobre a marcação da data das eleições em Moçambique. Na qualidade de especialista em matéria eleitoral, o que é que isto significa, na prática?
Guilherme Mbilana (GM): A lei estabelece que a marcação da data das eleições tem lugar com 18 meses de antecedência mínima e era isso que vinha acontecendo ao longos dos processos eleitorais, em 2009, 2014, 2019, assim como para as eleições autárquicas. Os 18 meses, para conseguirem compreender a quinzena do mês de outubro de cada ano eleitoral, tinham de ser contados a partir do mês de abril do ano anterior. A marcação das eleições sempre foi feita tendo como limite o mês de abril. Depois disso, era como passar por cima da lei. Entretanto, a FRELIMO entendeu que devia ser de um modo diferente e que era possível, sim, passar dos 18 meses de antecedência mínima e consagraram na lei que a marcação tem como limite os 15 meses.
DW África: A RENAMO, maior partido da oposição, afirmou que esta mudança eleitoral é um atentado à democracia. É uma mensagem meramente política ou tem veracidade jurídica?
Eventual recandidatura de Filipe Nyusi preocupa oposição
GM: O que causa alguma preocupação é que a alteração da lei acontece praticamente sem dar tempo para que as partes consigam chegar a consenso nessa questão da redução dos 18 para 15 meses. A questão do "atentado à democracia", por aquilo que entendo dos partidos da oposição, é que há o perigo de se proceder assim para se conseguir alterar o molde da eleição, de modo a permitir que o atual Presidente da República se candidate a um terceiro mandato. Essa é a opinião generalizada dos partidos políticos da oposição. Em termos constitucionais, vai-se apenas até dois mandatos, portanto, apenas a uma reeleição.
DW África: Com esta revisão, a FRELIMO terá a intenção, por exemplo, de viabilizar o terceiro mandato de Filipe Nyusi?
GM: Os partidos estão com receio de que a alteração da data das eleições seja para permitir que a FRELIMO use o seu poder de maioria de dois terços para proceder à revisão da Constituição, de modo a tornar possível a mudança do modo de eleição - da direta para a indireta, por via dos partidos políticos e não da pessoa como Presidente da República.
60 anos da FRELIMO, alguns momentos históricos
A FRELIMO comemora 60 anos desde a sua criação, em 1962, na Tanzânia. Durante este período, já teve cinco presidentes. Só o primeiro não dirigiu o país – Eduardo Mondlane.
Foto: Marco Longari/AFP/Getty Images
Eduardo Mondlane (à direita), o primeiro presidente da FRELIMO
Eduardo Chivambo Mondlane, o primeiro presidente da FRELIMO, nasceu em Manjacaze, província de Gaza, sul de Moçambique, a 20 de junho de 1920 e morreu em 03 de fevereiro de 1969, na Tanzânia, vítima de uma encomenda armadilhada. Eduardo Mondlane é carinhosamente tratado como o "pai da unidade nacional", por ter conseguido unir os três movimentos que fundaram a FRELIMO (UDENAMO, MANU e UNAMI).
Foto: casacomum.org/ Documentos Mário Pinto de Andrade
Samora Machel , o primeiro Presidente de Moçambique independente
Nascido a 29 de setembro de 1933, também em Gaza. Após a morte de Eduardo Mondlane, Samora Machel dirigiu os destinos da FRELIMO e a luta de libertação nacional até à proclamação da independência de Moçambique, a 25 de junho de 1975.
Foto: Fundação Mário Soares/Estúdio Kok Nam
Proclamação da independência nacional
A 25 de junho de 1975, em pleno Estádio da Machava, arredores da cidade de Matola, Samora Machel proclamou a independência nacional. Por essa via, viria a ser ele o primeiro Presidente da República Popular de Moçambique.
Foto: Fundação Mário Soares/Estúdio Kok Nam
Sob liderança de Machel, foi lançada em 1983 a Operação Produção
Na visão de Machel, o país deveria ser autossuficiente na produção de comida. Mas a "Operação Produção" acabou forçando milhares de pessoas, consideradas improdutivas, marginais e prostitutas, das grandes cidades a deixarem as suas famílias, rumo a Niassa.
Foto: Fundação Mário Soares/Estúdio Kok Nam
Samora Machel morre vítima de acidente aéreo em Mbuzini
A 19 de outubro de 1986, quando regressava de mais uma missão de Estado, o avião em que seguia despenhou-se na região de Mbuzini, na África do Sul. Calou-se a voz que marcou gerações em Moçambique. 36 anos depois, ainda não são conhecidos os autores morais e materiais da morte de Samora Machel.
Foto: DW/M. Maluleque
Joaquim Chissano - 2º Presidente de Moçambique e 3º da FRELIMO
Depois da morte de Machel, em 1986, coube a Joaquim Chissano a missão de tomar o remo do "barco" e navegar contra muitas turbulências. Encontrou o país mergulhado numa guerra civil e com alto índice de pobreza. Durante o seu reinado de 19 anos (1986-2005), assinou o acordo de Roma (1992) com a RENAMO, que pôs fim à guerra dos 16 anos. E liderou o processo de entrada no multipartidarismo.
Foto: Ismael Miquidade
Armando Guebuza – 4º Presidente da FRELIMO e 3º de Moçambique (2005-2015)
Sucedeu a Joaquim Chissano. Durante o seu reinado de 10 anos, Moçambique voltou a viver momentos de conflito militar com RENAMO. Também foi durante a governação de Guebuza que o país registou o pior escândalo financeiro na sua história - as "dívidas ocultas". Mas registou-se uma grande evolução em termos de infraestruturas públicas.
Foto: picture-alliance/dpa
Filipe Nyusi - o "homem" do momento (2015 até hoje)
Filipe Nyusi "levou" o poder político dentro da FRELIMO da região sul, onde sempre se concentrou desde o seu surgimento, para o "berço" da luta de libertação, Cabo Delgado. Encontrou o país mergulhado no escândalo das dívidas ocultas. Durante o seu consulado, lidou ainda com conflitos político-militares com a RENAMO, a "Junta Militar" e, atualmente, enfrenta os ataques terroristas de Cabo Delgado.