Plataforma da Sociedade Civil Moçambicana denuncia falta de transparência na canalização das receitas dos recursos naturais e petrolíferos às comunidades das áreas exploradas.
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Num encontro entre o Governo e Plataforma da Sociedade Civil para a Indústria Extrativa e Petrolífera, esta segunda-feira (28.05) em Maputo, as autoridades moçambicanas foram acusadas de falta de transparência na gestão e canalização de receitas provenientes da exploração de recursos minerais e petrolíferos para as comunidades das áreas exploradas.
As empresas, que exploram os recursos, canalizam 2,5 por cento das receitas anuais às comunidades para desenvolver vários projetos. As comunidades, segundo ainda as organizações, são excluídas da tomada de decisões pelo Governo. É o que constatou Hortêncio Lopes da organização Joint-Liga das ONG em Moçambique.
"E a comunidade não é envolvida, não faz parte destes projetos. Quando na verdade a comunidade tem de estar informada tendo em conta que o espaço lhes pertence. Há necessidade de negociar, sempre que possível, com essas pessoas", afirma Lopes.
Esta é também a constatação feita pela Associação Nacional da Extensão Rural, AENA. A agremiação diz que as comunidades não são envolvidas na escolha de projetos.Imposição do Governo sobre tipo de projetos
Segundo Jordão Júnior, coordenador da AENA, há imposição por parte do Governo sobre que tipo de projetos devem ser implementados no terreno.
"Graves problemas sobretudo no que tange à participação das comunidades e o envolvimento delas na escolha dessas oportunidades. Às comunidades são impostas um processo em que elas gostariam de serem desenvolvidas numa perspetiva em que pudessem saber quanto foi o dinheiro canalizado e desse dinheiro canalizado para as obras, ou os investimentos que estão lá, quanto custaram".
Falta de transparência sobre as receitas
Por seu lado, a organização WWF (Fundo Mundial para a Natureza), explica que não há clareza sobre o valor das receitas que as empresas canalizam às comunidades.
Falta de transparência na gestão dos recursos naturais
Anabela Rodrigues, diretora da WWF-Moçambique, refere que as empresas canalizam um valor ao Governo mas este encaminha outro abaixo do acordado com as comunidades.
"As empresas dão um determinado valor, o Estado que o recebe dá um outro montante e essa informação não é facilmente acessível. Por outro lado há muitos atrasos nos desembolsos. Os desembolsos chegam tarde aos distritos e é usado o sistema de desembolsos do Estado".
Esta situação cria, segundo a WWF, dificuldades como a demora na implementação de projetos das comunidades.
"O que significa que se não são gastos até ao fim do ano é preciso devolver esses fundos e isso cria muitas dificuldades à implementação de projetos que levem mais do que um certo período anual a realizar. Portanto, há obstáculos à realização de projetos multi-anuais", destaca Anabela Rodrigues.
No encontro desta segunda-feira o executivo moçambicano prometeu que estes problemas serão analisados e corrigidos.
Faces de Tete e do carvão de Moçambique
A vida mudou na província de Tete desde a chegada de empresas multinacionais para explorarem o carvão. Os ventos da mudança trouxeram, para alguns, oportunidades para melhorar de vida; para outros, novas preocupações.
Foto: DW/Marta Barroso
Coque, o trabalhador
Coque tem 28 anos. Trabalha há quatro anos na empresa mineira britânica Beacon Hill. Lá, amarra lonas nos camiões que transportam o carvão até ao vizinho Malawi. Tal como muitos jovens na região, dantes Coque fabricava tijolos que vendia no mercado local. Mas hoje, diz, vive melhor. Por camião recebe 800 meticais, cerca de 20 euros, que divide com o colega que estiver com ele no turno.
Foto: Marta Barroso
Paulo, o diretor de operações da Vale
Apesar dos enormes incentivos fiscais de que gozam as empresas dos megaprojetos em Moçambique, como a brasileira Vale, Paulo Horta diz que um projeto de mineração como o de Moatize gera uma cadeia produtiva tão grande que a população local beneficia em grande medida com a sua vinda para Tete: através da criação de outras empresas, serviços, tributos gerados por terceiros e criação de empregos.
Foto: DW/Marta Barroso
Gomes António, vítima de maus tratos
Gomes António Sopa foi espancado e detido pela polícia na sequência da manifestação de 10 de janeiro de 2012, quando os habitantes de Cateme bloquearam a passagem do comboio que transportava carvão das minas até ao porto da cidade da Beira. Muitas das promessas feitas pela Vale, responsável pelo reassentamento de centenas de famílias, continuam por cumprir. Ainda hoje, Gomes António sente dores.
Foto: Marta Barroso
Duzéria, a curandeira
Os habitantes do Centro de Reassentamento de 25 de Setembro, no distrito de Moatize, queixam-se de que muitos aspetos culturais não foram respeitados durante o processo de reassentamento pelas empresas mineiras. A curandeira do bairro, por exemplo, diz que no planeamento do complexo não se teve em conta a construção de uma casa para o seu espírito.
Foto: Marta Barroso
Lória, a rainha
Provavelmente Lória Macanjo e a sua comunidade deverão ser reassentadas brevemente: a multinacional Rio Tinto está já a operar um mina de carvão em Benga, perto da sua aldeia, Capanga. Também aqui, debaixo da terra que herdou do pai, a empresa mineira descobriu carvão. Mas a rainha sabe do destino dos que já se mudaram e recusa-se a deixar a sua casa.
Foto: DW/Marta Barroso
Olivia, a cabeleireira
Olivia (esq.) tem 29 anos e veio em 2008 do seu país, o Zimbabué, fugindo à crise financeira que lá se vive. Tete é agora a terra das grandes oportunidades, tinham-lhe dito. Hoje, é cabeleireira no Mercado Primeiro de Maio e, tal como a amiga Faith (dir.) faz trabalhos de manicure. Diz que, por dia, consegue 500 a 1000 meticais, entre 15 e 25 euros. Com esse dinheiro consegue sustentar-se.
Foto: DW/Marta Barroso
Guta, o empresário
Ao todo, Guta emprega 130 homens nas áreas de carpintaria e construção civil na cidade de Tete. Diz que desde a chegada das grandes empresas à região não sentiu grandes alterações no seu negócio. Os projetos de mineração requerem quantidades às quais não consegue responder. Uma vez, conta, a Vale pediu que fornecesse, juntamente com outra carpintaria da cidade, 5000 portas em 60 dias.
Foto: DW/Marta Barroso
Canelo, o vendedor de amendoins
Canelo diz que tem 11 anos. E diz também que frequenta a segunda classe. Todas as tardes vende amendoins no centro de Tete. "Para ajudar a mãe que não tem trabalho." O pai também está desempregado. Canelo é uma de muitas crianças que vendem amendoins na cidade. Um saco pequeno fica por dois meticais, cerca de cinco cêntimos de euro, o maior custa cinco meticais, treze cêntimos de euro.
Foto: DW/Marta Barroso
Catequeta, o ativista
Manuel Catequeta mudou-se para Tete em 2001. O ativista dos direitos humanos sabe o que custa viver com a subida constante do custo de vida. O seu salário não lhe permite luxos. A sala de sua casa "de dia é sala, de noite vira quarto". Mas mudar de casa, para já, está fora de questão. Hoje em dia, uma boa casa na capital provincial passa dos 5.000 dólares, cerca de 4.000 euros, por mês.
Foto: DW/Marta Barroso
Júlio, o otimista
O músico Júlio Calengo vê oportunidades de negócio, agora que em Tete há tantas empresas novas. O seu objetivo é, em breve, montar uma empresa de limpeza: tanto nos escritórios das empresas mineiras como nos das firmas que entretanto apareceram na cidade. Interessados não vão faltar, diz Júlio. O que é preciso é ter criatividade e, claro, dinheiro.