Jornalistas reconhecem liberdade de imprensa restrita no país e alertam para ignorância das autoridades locais sobre atuação dos média.
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O jornalista Aparício do Nascimento é o editor do Jornal Malacha, um veículo de comunicação que existe há cerca de seis anos na província de Tete. Ele relata ter vivido intimidações por parte das autoridades locais após ter veiculado uma reportagem em que um agente da corporação era acusado pela comunidade de ter morto um cidadão a tiro, após protestos em área de atuação da mineradora Vale.
O jornalista e editor moçambicano alega ter citado as fontes da denúncia, que foram as pessoas do local. Mesmo assim, teria sido chamado para explicar a razão da reportagem. O jornalista alega ter agido de acordo com o princípio jornalístico, mas diz que falta conhecimento por parte das autoridades sobre os limites de atuação da imprensa.
"A lei tem que ser mais difundida e abrangente aqui na base de modo que as pessoas possam ver as ações dos média como ações legais. Eu não via razão para ser questionado. Estávamos dentro da legalidade. Isso mostra que o comandante não tinha informação sobre a lei da informação. É preciso dirigentes mais capacitados e informados sobre lei de imprensa".
De fato, em Moçambique, tem se registado com frequência situações em que jornalistas teriam sido coagidos, em particular nas zonas mais distantes dos centros urbanos do país. Entretanto, "não são autoridades políticas ou governamentais que decidem. Decisões devem ser puramente editoriais", relata o presidente do Instituto de Comunicação Social da África Austral em Moçambique (MISA-Moçambique),Fernando Gonçalves.
Na última terça-feira (25.07), a instituição alertou para umaumento das violações da liberdade de imprensa e expressão no país. O órgão pediu às autoridades que se distanciassem desta tendência, que inclui alegadas violações de liberdade de imprensa e intimidações de jornalistas por autoridades.
Foram questões trazidas à instituição "e que preocupam", alerta o Presidente dessa instituição. "São episódios que ocorrem em certas zonas do país onde funcionários responsáveis governamentais têm tentado impedir que os órgãos de comunicação locais façam seu trabalho."
11º Congresso da FRELIMO
À DW, o presidente do MISA-Moçambique também reconhece "possível" sensibilidade das autoridades em debater grandes temas do país, como o conflito entre o Governo e a RENAMO e também a crise económica. Face ao 11º Congresso da FRELIMO, que se aproxima. Seriam possíveis tentativas de intimidação da imprensa sobre a veiculação dos principais temas que afetam o país.
"É verdade que neste momento estamos a caminho do 11º Congresso da FRELIMO e é um momento bastante sensível. Mas é também preciso ter atenção que vivemos num momento de tensão política. Algumas questões de certo modo se repetem no modo como responsáveis públicos reagem ao trabalho da imprensa", disse o presidente do MISA – Moçambique.
Entretanto, ele não acredita numa tentativa deliberada do Governo em silenciar a imprensa. "O Governo moçambicano, acreditamos, defende as liberdades individuais consagradas na constituição. Contudo, tem se verificado atos episódicos que ocorrem em várias partes do país e que, evidentemente, são situações a envolver funcionários governamentais ou indivíduos ligados ao partido no poder. Portanto, nós temos que levantar essas questões e chamar atenção para autoridades para elas agirem."
Embora haja liberdade de imprensa em Moçambique, o editor do Jornal Malacha diz que ela acontece de forma condicionada. "Depende dos órgãos. Se uma informação põe em causa o executivo sempre há chamadas ou ameaças do género. Ora se fica excluído da sociedade. A liberdade de imprensa existe, mas de forma muito limitada. Não 100%.", relata.
Outros casosNo dia 14 de julho, um homem armado, que se supõe ser um agente da polícia, alegadamente tentou inviabilizar um debate sobre as dívidas ocultas avalizadas pelo Governo moçambicano promovido em Maputo pelo Parlamento Juvenil, uma entidade não governamental, conforme nota de imprensa.
Imprensa em Moçambique - MISA - MP3-Mono
Também a Rádio Comunitária do Distrito de Chinde, na Zambézia, centro do país, terá sido proibida, no último dia (12.07) pelo secretário permanente do governo local, Eugénio Gocinho, de transmitir um bloco noticioso porque alegadamente continha informações sobre atividade política da Renamo (Resistência Nacional Moçambicana), principal partido da oposição.
Em junho passado, jornalistas da Televisão Comunitária de Chimoio, centro do país, afirmam terem sido impedidos de participar no Conselho Coordenador Provincial de Manica, por ordens do governador da província, Alberto Mondlane.
O MISA-Moçambique pediu ao Governo e a direção da FRELIMO que tomassem uma posição em relação às ameaças à liberdade de imprensa e de expressão, considerando que o silêncio daquelas entidades pode ser entendido como uma forma cumplicidade.
O Governo de Moçambique, por meio do órgão responsável Gabinfo, foi procurado pela DW e questionado se reconhece as alegadas violações, e ainda sobre as medidas que tem sido tomadas para garantir a liberdade de imprensa no país. Entretanto, não se manifestou até e veiculação desta reportagem.
2016 em imagens: O que moveu a África lusófona?
Desde a tensão político-militar em Moçambique, passando pela luta pela liberdade de expressão em Angola, até à crise política na Guiné-Bissau - 2016 foi um ano de momentos marcantes nos PALOP.
Foto: Getty Images/AFP
Angola: Febre amarela mata 370 pessoas
O primeiro caso foi conhecido no final de 2015, em Luanda. Em poucos meses, a epidemia alastra-se às 18 províncias do país e mata mais de 370 pessoas. Em fevereiro, o Governo lança a primeira fase da campanha de vacinação (na foto). Em dezembro, a Organização Mundial de Saúde afirma que não pode declarar o país livre do surto, uma vez que "ainda decorre o período de implementação da resposta".
Foto: DW/B. Ndomba
Ataques e acusações em Moçambique
A 20 de janeiro, o secretário-geral da RENAMO, Manuel Bissopo, é baleado por desconhecidos na cidade da Beira, centro de Moçambique. O político da oposição sobrevive, mas, desde o início do ano, quase diariamente, há notícias de ameaças, sequestros e mortes de dirigentes moçambicanos. A FRELIMO e a RENAMO trocam acusações. A tensão político-militar marca o ano no país.
Foto: Nelson Carvalho
Cabo Verde: Maioria absoluta para a oposição
Em março, o Movimento para a Democracia (MpD) derrota o PAICV e volta ao poder, após 15 anos na oposição. O primeiro-ministro Ulisses Correia e Silva promete trabalhar pelo crescimento do país, mas, em julho, admite: Cabo Verde "não está bem". Apesar do "contexto económico, financeiro e social difícil", em novembro, o Governo prevê um crescimento de 5,5% do PIB no Orçamento de Estado para 2017.
Foto: MpD
Penas de prisão para 15+2 em Luanda
17 ativistas angolanos, acusados de atos preparatórios de rebelião e de organização de malfeitores, são condenados em março a penas entre dois e oito anos de prisão. O julgamento fica marcado por protestos e denúncias de irregularidades e ganhara visibilidade internacional com a greve de fome de Luaty Beirão e outros ativistas contra a morosidade do processo.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Juliao
As "dívidas escondidas" de Moçambique
Em abril, o Governo moçambicano admite a existência de dívidas não declaradas pelo Estado. A descoberta das dívidas contraídas por três empresas com garantias do Governo, sem o conhecimento do Parlamento e dos parceiros internacionais, levam os investidores a suspender a ajuda financeira a Moçambique. Ao mesmo tempo, o metical desvaloriza e os preços sobem: a crise económica instala-se no país.
Foto: DW/M. Sampaio
José Mário Vaz e a crise em Bissau
A 12 de maio, o Presidente guineense demite o Governo de Carlos Correia. Na Assembleia Nacional Popular reina o desentendimento após a expulsão de 15 deputados do PAIGC, partido maioritário no Parlamento. Baciro Djá é empossado primeiro-ministro sob protestos do ex-Executivo e da maioria dos deputados do PAIGC. O impasse impede debate e aprovação do programa do novo Governo.
Foto: Getty Images/AFP/Seyllou
A polémica presidente da Sonangol
Isabel dos Santos, filha do Presidente de Angola, é nomeada pelo pai em junho para chefiar a petrolífera estatal. Doze advogados apresentam ao Tribunal Supremo uma providência cautelar, invocando a alegada violação da lei da Probidade Pública. A ação ainda aguarda decisão. Entretanto, a Procuradoria-Geral da República considera que a nomeação de Isabel dos Santos para a Sonangol "cumpriu a lei".
Foto: Reuters/E. Cropley
Ativistas em liberdade após lei de amnistia
Em junho, o Supremo Tribunal de Angola ordena a libertação dos ativistas angolanos a cumprirem pena de prisão por rebelião. Luaty Beirão (na foto), é um dos ativistas postos em liberdade. José Marcos Mavungo, detido em março de 2015, depois de ter organizado uma manifestação contra a má governação em Cabinda e a violação dos direitos humanos em Angola, tinha já sido posto em liberdade em maio.
Foto: DW/P. Borralho
São Tomé e Príncipe: eleições controversas
Evaristo de Carvalho vence a primeira volta das presidenciais, em julho, mas a Comissão Eleitoral anuncia uma alteração do resultados: afinal, nenhum candidato reúne mais de 50% dos votos. O Presidente cessante Manuel Pinto da Costa, o segundo mais votado na primeira volta, desiste da corrida e Evaristo de Carvalho concorre sozinho à segunda. É eleito Presidente com 54% de abstenção.
Foto: DW/R. Graça
Saída em 2018?
Em março, José Eduardo dos Santos anuncia que vai abandonar a vida política em 2018. Mas, em agosto, é reconduzido na liderança do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). Os moldes exatos da sua saída da política ainda não são conhecidos. Após a independência em 1975, Angola apenas teve dois Presidentes: Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos, no poder desde 1979.
Foto: picture alliance/dpa/P.Novais
Diálogo em Moçambique
Em setembro, são retomadas as negociações entre o Governo e a RENAMO em Maputo, que estão sob mediação internacional desde julho. Governo e RENAMO estão há meses sem chegar a um entendimento. Mediadores propõem cessar-fogo, mas os confrontos continuam. As divergências mantêm-se até ao fim do ano de 2016, altura em que a descentralização do poder está no centro do debate.
Foto: DW/L. Matias
Ataques a dirigentes políticos em Moçambique
Armindo Nkutche, membro da Assembleia Provincial de Tete pela RENAMO, é morto a tiro em setembro. Jeremias Pondeca, representante da RENAMO nas negociações de paz (à direita, na foto), é morto a tiro em outubro. No mesmo mês, desconhecidos matam o chefe da bancada da RENAMO na Assembleia Provincial de Sofala, Juma Ramos. Multiplicam-se os ataques a membros do partido da oposição e da FRELIMO.
Foto: DW/L. Matias
Continuidade em Cabo Verde
O Presidente Jorge Carlos Fonseca vence as eleições de 2 de outubro, mas a abstenção histórica de 64% levanta críticas da oposição. Na tomada de posse do seu segundo mandato (na foto), o Presidente cabo-verdiano defende o reforço da segurança do país a partir de investimentos em tecnologia e formação de agentes.
Foto: Presidência da República de Cabo Verde
Moçambique não consegue pagar dívidas
Em novembro, o Governo assume oficialmente a incapacidade financeira para pagar as próximas prestações das dívidas das três empresas públicas com empréstimos ocultos (EMATUM, ProIndicus e MAM), defendendo uma reestruturação dos pagamentos e uma nova ajuda financeira do FMI. Comissão Parlamentar de inquérito para investigar contornos das dívidas conclui que o Executivo violou a Constituição.
Foto: Leonel Matias
Correspondente da DW detido
Arcénio Sebastião, correspondente da DW África na Beira, em Moçambique, é detido durante 34 dias no distrito do Dondo, acusado de injúria e difamação contra um agente da polícia. Um caso "incomum", segundo a defesa e o Instituto para a Comunicação Social da África Austral - MISA. O jornalista aguarda julgamento em liberdade, depois do pagamento de uma fiança de 20 mil meticais (mais de 230 euros).
Foto: DW/A. Sebastiao
Nosso Banco fecha as portas em Moçambique
O terceiro maior banco de Moçambique, com capitais maioritariamente nacionais, encerra ao público em novembro, na sequência do cancelamento da sua licença pelo Banco Central (na foto), perante os problemas financeiros da instituição. O caso causa indignação e juristas sugerem que o Banco de Moçambique pode ser alvo de responsabilização civil por negligência. Outros bancos estão sob vigilância.
Foto: DW/J.Beck
Guiné-Bissau: 5 Governos em menos de 3 anos
Em novembro, José Mário Vaz demite o Governo de Baciro Djá e dá posse a um novo primeiro-ministro: Umaro Sissoco. O PAIGC, vencedor das últimas legislativas, não aceita integrar o novo Governo, empossado em dezembro, por considerar que este resulta de uma iniciativa presidencial contrária ao acordo de Conacri, assinado pelos dirigentes guineenses em outubro e mediado pela CEDEAO.
Foto: DW/B. Darame
João Lourenço: o candidato do MPLA?
O ato central das comemorações do 60º aniversário da fundação do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), a 10 de dezembro, decorre sem a presença do presidente do partido, José Eduardo dos Santos. O ministro da Defesa, João Lourenço, é tido como o sucessor à liderança do partido, mas o MPLA não o confirma oficialmente.