Moçambique: Arranca processo de desarmamento da RENAMO
Leonel Matias (Maputo)
6 de outubro de 2018
O Presidente Filipe Nyusi deu este sábado o arranque formal do processo de desmilitarização e reintegração do braço armado da RENAMO. Também anunciou um grupo de peritos internacionais para acompanhar o processo.
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Moçambique fez este sábado (06.10) o lançamento formal do processo de desmilitarização, desmobilização e reintegração das forças residuais do maior partido da oposição, a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO).
A cerimónia foi presidida pelo chefe de Estado, Filipe Nyusi, na Presidência da República, em Maputo, perante peritos militares internacionais que vão monitorar o processo de desarmamento, membros das comissões do diálogo de paz da parte do Governo e da RENAMO, e diplomatas.
Nyusi disse que o objetivo deste processo é livrar o país de forças ou grupos armados não estatutários, inaugurando uma nova página de um processo de paz credível, sustentável e transparente, bem como uma reinserção social e económica adequada e condigna para os homens armados residuais da oposição.
"Estamos aqui para dar mais um passo determinante no nosso roteiro da paz efetiva e duradoura", referiu o Presidente, que apelou aos representantes do Governo e da RENAMO, pedindo que tenham consciência de que são moçambicanos e irmãos, e que não pode haver nada impossível para este processo.
Entendimento
O lançamento formal do processo de desmilitarização, desmobilização e reintegração das forças residuais da RENAMO segue-se a um memorando de entendimento sobre assuntos militares assinado a 6 de agosto deste ano entre o Presidente Filipe Nyusi e o líder Interino do maior partido da oposição, Ossufo Momade.
O memorando estabelece o quadro institucional do processo de enquadramento dos oficiais da RENAMO, assim como o cronograma geral de implementação com prazos do processo de desarmamento, desmobilização e reintegração dos homens armados residuais.
O chefe de Estado garantiu que o memorando será tornado público com vista a garantir maior transparência do processo e o seu acompanhamento por parte de todos os moçambicanos, evitando assim eventuais especulações.
Peritos internacionais
A gestão do processo de desarmamento e reintegração das forças residuais da RENAMO será garantida por uma equipa internacional que foi apresentada durante a cerimónia. Esta equipa é composta por oficiais militares da Alemanha, Estados Unidos, Índia, Argentina, Noruega, Irlanda, Suíça, Zimbabué e Tanzânia.
Filipe Nyusi explicou que a escolha destes peritos militares resultou de consensos alcançados com a liderança da RENAMO, com base nos termos de referência estabelecidos no memorando sobre assuntos militares.
A missão será chefiada pelo general argentino Javier António Perez Aquino, que anteriormente esteve envolvido no desarmamento dos homens armados das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC).
O grupo vai prestar apoio e assessoria técnica e profissional na implementação do mandato da comissão e dos grupos técnicos conjuntos do processo de desmilitarização, desmobilização e reintegração dos homens, assim como proceder a verificação a sua conformidade com os termos de referência.
O Presidente Filipe Nyusi apelou aos peritos envolvidos nesta ação para observarem os princípios de integridade, profissionalismo e respeito pela diversidade, assim como para pautarem pela imparcialidade na interacção com as partes e manterem confidencialidade.
"Nós não influenciamos nem sequer dizemos o que as comissões devem saber", afirmou Nyusi, sublinhando que estas devem guiar-se pelos termos de referência. O Presidente disse ter consciência dos desafios que vão surgir ao longo do processo, mas acrescentou que os moçambicanos estão determinados em ultrapassá-los.
Colaboração da RENAMO
Filipe Nyusi exprimiu apreço ao líder interino da RENAMO, Ossufo Momade, pelo que descreveu como inestimável colaboração que tem prestado para o sucesso na implementação dos entendimentos decorrentes do dialogo político.
"A sua postura ajudou bastante depois de termos perdido o irmão Afonso Dlakhama [líder da RENAMO que morreu em maio vítima de doença] e tem estado a contribuir para o ambiente que se vive em Moçambique. Por isso a nossa felicitação", disse o Presidente.
Fase crucial
Para o analista Fernando Gonçalves, o lançamento do processo de desmilitarização, desmobilização e reintegração dos homens residuais da RENAMO é uma boa notícia, mas significa que se está na fase crucial de todo o processo de paz.
"É uma fase decisiva, que determina que a partir de agora a RENAMO deixa de usar os homens armados que usou como forma de pressão", acrescentou o analista, em entrevista à DW África.
Fernando Gonçalves tem a expetativa de que o processo seja bem sucedido e que não aconteça o mesmo que sucedeu após o Acordo Geral de Paz assinado em Roma, em 1992, quando a RENAMO não entregou todos os seus homens, apesar de ter-se comprometido nesse sentido.
O processo de desarmamento e reintegração das forças residuais da RENAMO é o segundo e último ponto do dossier das negociações de paz entre o Governo e o maior partido da oposição, que culminou ainda este ano com a aprovação de um pacote de descentralização do poder. Este pacote já está a ser implementado no quadro das eleições autárquicas previstas para 10 de outubro.
Moçambique: Guerra civil com pausas de paz
A paz nunca foi uma certeza em Moçambique. Ela apenas tem intercalado confrontos militares desde a independência. Acordos de paz mal concebidos parecem estar na origem dos conflitos. Mas há novos bons sinais à vista.
Foto: Presidencia da Republica de Mocambique
O começo da guerra civil
A guerra entre o Governo da FRELIMO e a RENAMO começou em 1977, isso cerca de dois anos após a proclamação da independência do país. A RENAMO contestava a governação da FRELIMo e queria democracia. Este movimento tinha o apoio da ex-Rodésia e da África do Sul, dois vizinhos de Moçambique. A guerra matou milhões de moçambicanos e quase paralisou a economia do país.
Acabar com a guerra era o obetivo deste acordo, alcançado em 1984. Foi assinado entre os antigos Presidentes de Moçambique e da África do Sul, Samora Machel e Peter Botha, respetivamente. Ficou acordado que Pretória deixava de apoiar a RENAMO e Maputo parava o apoio ao ANC. Este último que lutava contra o Apartheid. Mas ninguém respeitou o acordo.
Foto: Avant Verlag/Birgit Weyhe
Acordo Geral de Paz de Roma
Colocou finalmente fim a guerra em 1992. Foi patrocinado pela Comunidade Santo Egídio, instituição católica italiana. Nessa altura o país já estava devastado e tinha transitado do sistema socialista para o da economia de mercado. Afosno Dhlakama, líder da RENAMO, e Joaquim Chissano, ex-Presidene de Moçambique, assinaram um acordo que pôs fim a uma guerra de 16 anos.
Eleições: nova era de desentendimentos
Em 1994 o país dava os seus primeiros passos rumo a democracia: início do multipartidarismo e realização das primeiras eleições, patrocinadas pela ONU. O primeiro Presidente eleito do país foi Joaquim Chissano. A RENAMO contestou, mas acabou por aceitar os resultados eleitorais.
Foto: Getty Images/AFP/Gianluigi Guercia
Eleições 1999: RENAMO revolta-se
Nas segundas eleições, em 1999, Joaquim Chissano e a FRELIMO voltaram a ganhar. Mas o processo foi novamente marcado por graves irregularidades, a RENAMO diz que houve fraude e contestou com mais veemência. E no ano 2000 apoiantes da RENAMO manifestaram-se em Montepuez província de Cabo Delgado, contra os resultados. Cerca de 700 manifestantes terão sido detidos e mortos por asfixia nas celas.
Foto: Marc Dietrich-Fotolia.com
Rastilho para o barril de pólvora já arde
As sucessivas irregularidades nas eleições, a lei eleitoral desajustada e difícil integração dos ex-guerrilheiros da RENAMO no exército nacional foram os principais pontos que aumentaram a tensão com o Governo. A falta de confiança que caracteriza a relação entre as partes aumentou.
Foto: Gerald Henzinger
As armas falam novamente
Em 2013 a polícia e homens da RENAMO confrontaram-se. Era o início dos conflitos armados. Nesse ano a RENAMO recusa a aprovação da Lei Eleitoral e não participa nas autárquicas. Há um interregno no conflito para a realização de eleições gerais em 2014. A RENAMO perde e acusa a FRELIMO de fraude. O país volta a ser palco de guerra. RENAMO exige governar as seis províncias onde diz ter ganho.
Foto: Fernando Veloso
Guebuza e Dhlakama: o braço de ferro até ao fim
Em setembro de 2014 o Presidente Armando Guebuza e o líder da RENAMO chegam a acordo para por fim ao conflito armado. Abriu-se assim caminho para as eleições gerais, onde a RENAMO participou. Mas as negociações entre os dois homens nunca foram fáceis. Para começar os encontros foram poucos.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Na guerra vale tudo
Em Setembro de 2015 Dhlakama sofreu dois atentados. Um deles contra a coluna em que viajava, de Manica a Nampula. Afonso Dhlakama saiu ileso, mas segundo relatos morreram várias pessoas. Mais tarde várias viaturas da comitiva do líder da RENAMO foram queimadas. Dhlakama acusou a FRELIMO pelos atentados.
Foto: DW/A. Sebastião
Cerco a casa de Afonso Dhlakama
Em outubro de 2015 a guarda pessoal do líder da RENAMO foi desarmada pelas forças governamentais durante um cerco à sua residência na cidade da Beira. O Governo pretendia um desarmamento forçado dos homens da RENAMO. O desarmamento da maior força da oposição é um dos pontos controversos nas negociações de paz.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Catueira
Diálogo de paz pouco frutífero
Infindáveis rondas marcaram as negociações de paz. E em paralelo as armas falavam nas matas, membros da RENAMO eram assassinados a média de um por mês em 2016. Observadores e mediadores, nacionais e internacionais, entraram e saíram do barulho sem conseguir muito. Houve também adiamentos de rondas e algumas pausas no processo.
Foto: Leonel Matias
Dhlakama e Nyusi: maior proximidade, bons sinais
Em agosto de 2017 o Presidente Nyusi deslocou-se à Gorongosa, bastião da RENAMO, para se encontrar com Dhlakama. Os dois líderes acordaram sobre os próximos passos no processo de paz. Esperavam um acordo de paz até ao final de 2017, mas tal não deverá acontecer. Entretanto, Dhlakama está satisfeito com o andamento das negociações. O sigilo entre os dois parece ser o segredo de um bom entendimento.