Coordenadora do Secretariado Internacional da Marcha Mundial das Mulheres sublinha que solução passa pela agricultura. E para Graça Samo elevado número de casamentos prematuros não se deve apenas a falta de informação.
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A DW África conversou sobre o assunto com a coordenadora do Secretariado Internacional da Marcha Mundial das Mulheres, Graça Samo, à margem do encontro anual do Comité Coordenador Moçambique - Alemanha, KKM, que aconteceu no sábado (21.10.) na cidade de Bielefeld. Um relatório da Rede da África Austral Contra Tráfico de Crianças (SANTAC) de 2016 indica que Moçambique é um dos países com taxas mais altas a nível mundial de casamentos precoces, ocupando a 11ª posição e na África Austral ocupa o 2º lugar.
DW África: Os casamentos prematuros são comuns em muitas regiões de Moçambique. É um problema de informação das mulheres e das próprias famílias ou é um problema cultural que ultrapassa o acesso a informação?
Graça Samo (GS): A questão dos casamentos prematuros ou das uniões forçadas, como nós chamamos, é uma combinação de fatores. Porque temos a situação de meninas que ficam grávidas inocentemente, às vezes ficam grávidas em resultado de uma violação sexual, às vezes entram numa relação de união [de facto] por expetativa de uma vida melhor. Mas muitas vezes são arranjos feitos pelas próprias famílias. Então, não é meramente a falta de informação, mas uma multiplicação de um modus vivendi que se vem antecipando. Um casamento em idade muito tenra em parte já faz parte um pouco da nossa história, mas hoje passamos por tantas crises sociais que as pessoas buscam soluções no que está ao seu alcance. Para as famílias a solução para os inúmeros filhos que têm, quando são incapazes de os sustentar, é encontrar alguém que os possa ajudar a sustentar.
DW África: E quais seriam as alternativas?
GS: Algumas alternativas tem a ver como a forma que podemos ajudar as famílias a terem planificação dos seus filhos.
DW África: Portanto, terem menos filhos se quiserem?
GS: Exatamente. Há fatores que podemos promover para que as pessoas possam ter os filhos que desejam, mas é preciso que as condições comunitárias, sociais e económicas estejam garantidas. E o que é isso? Que possam continuar a ter a sua terra para produzir, que possam ter os seus meios de produção, a sua semente para produzir, que possam ter acesso ao espaço onde vão colocar os produtos que produzem. Nós continuamos a dizer que a agricultura é a solução para os problemas do nosso país.
27.10.17. ONLINE Graca Samo - MP3-Mono
DW África: Seria combater os casamentos precoces com uma atenção focada para o meio rural, abastecendo, por exemplo, os mercados das cidades mais próximas?
GS: Das próximas cidades e do próprio meio rural, porque o próprio meio rural produz mas não se alimenta porque não há a cultura de se alimentar. E porque há muita propaganda sobre comercialização as pessoas produzem para ir vender. Mas o dinheiro daí resultante não é o suficiente para manter as suas condições de vida. Então, nós precisamos de trabalhar da escala micro antes de avançarmos para uma escala macro, criar a consciência de que produzimos para nos alimentarmos. Quando nos alimentamos temos mais força para trabalharmos e produzir mais. E produzir mais significa que temos o excedente que vamos colocar no mercado local ou no mais próximo. Mas que seja uma relação de troca. Temos de vender para ter dinheiro para comprar o que não conseguimos produzir, como por exemplo o açúcar ou sabão. E podemos processar o que produzimos para o próprio consumo e comercialização local. Então, é muito importante pensarmos no desenvolvimento da economia local antes de pensarmos nos grandes negócios e nos grandes projetos de exportação.
Ser mulher na Guiné-Bissau significa vida dura
A maioria das mulheres guineenses tem uma vida difícil. Têm de percorrer dezenas de quilómetros para ir buscar lenha. Muitas morrem ainda jovens. A taxa guineense de mortalidade materna é uma das mais altas do mundo.
Foto: DW/B. Darame
Primeira a acordar, última a ir dormir
No campo, uma mulher trabalha a dobrar. Costuma acordar antes dos restantes membros da família e é a última a deitar-se no final do dia. São as mulheres que têm de caminhar até à mata para procurar lenha e água, às vezes em zonas de difícil acesso, a vários quilómetros da aldeia, como nesta fotografia na vila de Quinhamel, na região de Biombo, no norte da Guiné-Bissau.
Foto: DW/B. Darame
Vender para sustentar a família
Com um pano estendido no chão, as vendedoras vão expondo os seus legumes, malaguetas verdes, pepinos, cenouras, alfaces. São cultivados em quintais ou em pequenos campos. "Vender para sustentar a família" é o lema das mulheres guineenses. Mais de metade vende em feiras improvisadas, como aqui no Mercado de Bandim, o maior mercado de céu aberto da cidade de Bissau.
Foto: DW/B. Darame
Economia dominada por homens
À beira das estradas, as mulheres sentam-se em bancos e mesas de madeira e vendem laranjas, mangas, bananas e outros frutos - como aqui em Bissack, bairro nos arredores de Bissau. As vendedoras têm uma receita que ronda os 10 euros diários. Em média, uma guineense consegue ganhar 907 dólares por ano, bastante menos que os homens que conseguem em média 1.275 dólares.
Foto: DW/B. Darame
Recolher areia para sobreviver
Tia Nhalá não sabe que idade tem, mas sabe que todos os dias deve acordar cedo, às 05h00, para recolher areia no bairro de Cuntum, em Bissau. Sem qualquer proteção no rosto, sem luvas e pés descalços, Nhalá, que aparenta ter 67 anos, trabalha duramente durante largas horas. Recolhe areia que depois vende a pessoas que a usam em obras de construção civil.
Foto: DW/B. Darame
Venda ambulante em condições perigosas
No Bairro de Belém, em Bissau, meninas deambulam de porta em porta para vender frutas. Organizações da sociedade civil denunciaram já várias vezes que as vendedoras ambulantes correm riscos, como o de serem violadas sexualmente, pois estão muito expostas e vulneráveis. Também há denúncias de que algumas mulheres são forçadas a fazer esse trabalho.
Foto: DW/B. Darame
Vender peixe é um bom negócio
As vendedoras de peixe geralmente possuem arcas velhas para a conservação do pescado. Colocam-nas nos portos - como aqui na Ilha de Bubaque (Bijagós) - para servir de local de armazenamento quando receberem peixe fresco dos pescadores. Nos últimos anos, a venda de peixe tornou-se num dos negócios mais rentáveis para as mulheres guineenses.
Foto: DW/B. Darame
Um dos piores países para ser mãe
As condições precárias nas zonas rurais da Guiné-Bissau têm reflexos nas estatísticas: em 126 partos morre uma mulher, segundo dados das Nações Unidas. Em comparação, no Japão, em 20.000 partos morre uma mulher. A taxa de mortalidade materna na Guiné-Bissau é uma das mais altas do mundo. Ainda assim, não existe no país uma estratégia política dirigida à mulher no meio rural.
Foto: DW/B. Darame
País difícil para as crianças
Cada mulher guineense tem em média cinco filhos. O país tem uma das taxas de fecundidade mais altas do mundo. Mas muitas crianças não chegam a celebrar o seu quinto aniversário. Segundo dados das Nações Unidas, 129 de 1.000 crianças morrem até aos cinco anos de idade, muitas durante no parto, o que torna a Guiné-Bissau um dos piores países do mundo para se nascer.
Foto: DW/B. Darame
Trabalhos domésticos no feminino
Em Mansoa, região de Oio, norte da Guiné-Bissau, as casas de adobe agrupadas debaixo de enormes árvores desenham intricados caminhos onde secam redes de pesca, peles de antílopes e roupas rasgadas de criança. A comida prepara-se num fogão improvisado a lenha, em frente da casa. Trabalhos domésticos como cozinhar, cuidar das crianças ou limpar cabem tradicionalmente às mulheres.
Foto: DW/B. Darame
Carregar à cabeça é a única solução
Nas zonas mais recônditas da Guiné-Bissau, como na aldeia de Suru, região de Biombo, a cerca de 20 quilómetros de Bissau, não há uma rede de estradas que facilite o transporte das mercadorias. Não há carros que façam as ligações entre as aldeias. Carregar à cabeça, por vezes mais de cinco quilos, é a única solução para que essas mulheres possam fazer chegar os produtos ao destino.
Foto: DW/B. Darame
Lenha e água a quilómetros de distância
Nas mais de 80 ilhas e ilhéus completamente isolados e sem grande presença do Estado guineense, as populações vivem no regime do "salva-se quem poder". As mulheres percorrem dezenas de quilómetros para ir buscar lenha e água potável. Em muitos casos - como aqui na Ilha de Bubaque (Bijagós) - atravessam rios caminhando, com os pés descalços, sem roupas adequadas e carregadas.
Foto: DW/B. Darame
Ultrapassando rios e braços de mar
Devido à falta de barcos nas aldeias insulares do arquipélago dos Bijagós, o fornecimento e o transporte de bens é extremamente difícil. É recorrente ver mulheres atravessando rios ou braços de mar bastante profundos. Estes caminhos para procurar lenha e água doce são bastante perigosos para quem não sabe nadar.
Foto: DW/B. Darame
Desigualdade começa na educação
A maioria das mulheres guineenses vive em situação de extrema pobreza. Em médias, as mulheres frequentaram a escola apenas 1,4 anos, menos de metade do que os homens guineenses, que têm em média 3,4 anos de escolaridade, segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas. Só investindo na educação e na saúde será possível melhorar a situação das mulheres da Guiné-Bissau.