Extremismo no Niassa origina deslocamentos para áreas mais seguras. A guia de marcha foi resgatada para descartar a infiltração de insurgentes. Mas há denúncias de raptos de comerciantes e líderes religiosos suspeitos.
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A província do Niassa, norte de Moçambique, está a braços com os deslocamentos internos por causa da insurgência que chegou ao distrito de Mecula, que faz fronteira com a província de Cabo Delgado. A capital provincial, Lichinga, é um lugar preferencial.
Mas um jornalista que pede para não ser identificado conta que há outros destinos: "Estão a deslocar-se para os distritos de Sanga, Mecanhelas e muito mais para o distrito de Marrupa, vizinho de Mecula, e outros estão a deslocar-se para a vizinha Tanzânia, que faz fronteira com o distrito de Mecula".
É garantido apoio e são descartadas as desconfianças em relação aos deslocados devidamente documentados, uma condição que pode ser equiparada a um "milagre" em situação de conflito. Para tal, um documento da época da guerra civil dos 16 anos, altamente restritivo, foi resgatado - a guia de marcha.
"Os que foram deslocados para o distrito de Sanga foram acolhidos pelos secretários dos bairros e apresentados ao Governo. Vinham com uma guia [de marcha], tive a oportunidade de ver, assinada pelo secretário permanente e com o carimbo da Polícia da República de Moçambique", conta o jornalista.
Rapto de suspeitos
Embora durante a quadra festiva não se tenham registados ataques, o medo persiste. Em Mecula, onde há uma forte presença militar, há registo de desaparecimentos de agentes económicos e líderes religiosos que supostamente apoiavam os insurgentes.
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"Esses eram facilitadores ou colaboradores fortes dos insurgentes. As pessoas notavam que eles se densenvolviam rapidamente no negócio, tinham mais dinheiro, mesmo o negócio sendo recente. Sempre levavam mercadorias a um determinado povoado, mas lá nem barraca e lojas havia, onde iam deixar a mercadoria? Então, são alvo de desconfianças. Do outro lado está o Governo, as nossas forças é que estão a [raptar], os desconfiados estão a ser capturados", desconfia o jornalista.
Mecula é um distrito com uma forte presença muçulmana, um fator bastante aproveitado e manipulado pelos insurgentes. Uma vez acuados em Cabo Delgado, seu objeto principal de ataques, Mecula passou a ser um alvo.
Alastramento ou recuo?
Porém, a especialista em prevenção de extremismo violento Egna Sidumo entende que se trata de uma fuga e não de um alastramento da insurgência, como se tem avaliado.
"É uma forma de fugir à pressão do conflito em Cabo Delgado e não necessariamente de querer implantar novas áreas de influência. Este não é um alastramento pensado, é justamente porque há um maior número de tropas em Cabo Delgado. Para mim, há uma relação direta: se as tropas não conseguirem se manter em Cabo Delgado nos próximos meses, a situação pode piorar", argumenta.
Esta visão é partilhada pelo especialista em resolução de conflitos e políticas públicas, Rufino Sitoe, que entende que não se trata de uma "expansão", mas de uma "retirada" do grupo.
"É uma resposta natural ao que têm estado a sofrer, então, é previsível e também preocupante no sentido em que o grupo agora esteja a cobrir mais regiões; é ainda mais preocupante para o Estado moçambicano. Dá a impressão para o discurso do grupo e para a moral que têm capacidade de expandir para outras regiões."
Desde novembro, o Niassa, considerada a província esquecida do país e muito vasta, é alvo de ataques que já causaram mortos, feridos, raptos e destruição. Há relatos da presença de forças ruandesas no terreno, embora o Governo nunca tenha mencionado o seu desdobramento para a região.
Novos dados da Fundo Mundial da Natureza (WWF) indicam que a caça furtiva de elefantes e rinocerontes em Moçambique multiplicou-se. Em algumas zonas do país, o número de carcaças aumentou até seis vezes.
Foto: STEPHANE DE SAKUTIN/AFP/Getty Images
Carcaças de elefantes em Niassa triplicam
Novos dados da WWF indicam que a caça furtiva de elefantes e rinocerontes em Moçambique multiplicou-se. O número de carcaças de elefantes é seis vezes superior em certas áreas do país. Dados preliminares indicam que a caça furtiva na Reserva Nacional do Niassa, fez com que o número de carcaças estimado em contagens aéreas triplicasse, de cerca de 756 em 2011 para 2.365 em 2013.
Foto: E. Valoi
Armas da polícia moçambicana usadas
O relatório afirma que, apesar do número de armas apreendidas estar a aumentar, muitas destas pertencem a instituições de segurança moçambicanas. Um dos exemplos apontados indica que uma das armas da polícia moçambicana em Masssingir foi apreendida três vezes consecutivas em atividades de caça furtiva no Parque Nacional do Limpopo.
Foto: E. Valoi
Rinocerontes moçambicanos extintos
Segundo o estudo, a caça furtiva levou à extinção das populações de rinoceronte em Moçambique no ano passado, com a morte dos últimos 15 rinocerontes no final de 2013. As autoridades acreditam agora que a maioria dos caçadores opera a partir da zona do Limpopo, área que faz fronteira com Parque National Kruger na África do Sul.
Foto: picture alliance/WILDLIFE
Elefantes da Reserva do Niassa sob ameaça
A população de elefantes de Moçambique concentra-se, na sua maioria, na Reserva Nacional do Niassa e no distrito de Mágoè, além das zonas transfronteiriças. Mas dados preliminares indicam que a caça furtiva na Reserva Nacional do Niassa fez com que o número de carcaças, estimado em contagens aéreas, triplicasse de cerca de 756 em 2011, para 2.365 em 2013.
Foto: E. Valoi
Quirimbas também sob ameaça
Também noutras áreas tem aumentado a caça de elefantes. Em novembro do ano passado, a WWF Alemanha financiou uma contagem áerea no Parque Nacional das Quirimbas. Um em cada dois elefantes avistados era um carcaça, num total de 811. Este número é seis vezes superior às contagens de 2011, onde o número de carcaças contabilizado era 119. Na foto: um elefante morto na Reserva do Niassa.
Foto: Estácio Valoi
Capacidade de deteção continua fraca
O relatório acrescenta que a capacidade das autoridades moçambicanas em detetar marfim nos portos e aeroportos do país é fraca (na foto: guardas da Reserva do Niassa). No entanto, as apreensões aumentaram um pouco: em 2013 foram apanhados cerca de 20 chifres de rinocerontes no Aeroporto de Maputo. No primeiro trimestre de 2014, já se contabilizam 6 chifres de rinoceronte apreendidos.
Foto: E. Valoi
Aumento da procura nos mercados asiáticos
A WWF acredita que o aumento da caça está relacionado com o incremento da procura nos mercados asiáticos, onde o chifre de rinoceronte é usado na medicina tradicional asiática, uma vez que é considerado um ingrediente essencial. O marfim, por sua vez, é visto como uma raridade e um item de luxo, algo muito prezado nas classes emergentes chinesa e vietnamita.
Foto: E. Valoi
Moçambicanos incriminados no Kruger
Em meados de junho de 2014, apareceram cartazes populares na zona da fronteira do Parque Nacional Kruger com Massingir que acusam Moçambique de ser o principal responsável pela morte dos animais na reserva sul-africana. Os cartazes revindicavam ainda a reconstrução da cerca que marca a fronteira entre os dois parques. Só nos primeiros meses do ano, foram presas 57 pessoas e mortos 266 animais.
Foto: JON HRUSA/AP/dapd
Patrulhas do Kruger matam caçadores
Nos últimos anos tem aumentado o número de incidentes entre caçadores furtivos e os guardas-patrulha do Parque Nacional Kruger da África do Sul, acabando muitas vezes com a morte ou prisão dos caçadores furtivos. Segundo a polícia de Moçambique, morrem, por mês, dois jovens moçambicanos por causa da caça furtiva.