Moçambique: Funcionários municipais de Nacala em greve
Sitoi Lutxeque (Nampula)
4 de janeiro de 2023
Mais de 600 funcionários do Conselho Municipal de Nacala, gerido pela RENAMO, reivindicam salários em atraso. Cerca de 100 entraram em greve. Edilidade diz que protesto é ilegal, mas garante o pagamento em três semanas.
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Funcionários e agentes do Estado no Conselho Municipal de Nacala entraram em greve por tempo indeterminado, esta quarta-feira (04.01), reivindicando o pagamento de dois meses de salários em atraso - novembro e dezembro - assim como o 13º salário de 2022, que o Governo moçambicano já havia anunciado que não seria pago. Ao todo, são 613 funcionários sem salários, mas aderiram à greve cerca de uma centena.
Rafique Saíde, funcionário da autarquia de Nacala há 12 anos, é um dos empregados municipais que paralisaram as suas atividades: "Nós estamos sem salários e não há nenhuma informação [da edilidade]. Sabemos que salário é um assunto sagrado. Nós passámos o dia da família sem nada. Neste janeiro, temos crianças desesperadas se vão ou não estudar, estamos a ouvir rumores de que só vai se pagar em fevereiro", explica.
Segundo Rafique Saíde, a greve tem por objetivo pressionar o edil Raul Novinte e o seu governo para que resolvam o problema urgentemente. Enquanto tal não acontece, as portas de alguns departamentos estão encerradas e os grevistas prometem mantê-las assim até à satisfação das suas reivindicações.
"Como o presidente [do Conselho Autárquico de Nacala] não mostra a cara e não dá satisfação a nós para dizer o que está a acontecer. Então, achamos conveniente encerrar a instituição. Exigimos que nos pague os salários e o 13º. Sem isso não vamos abrir. O presidente nunca se reuniu connosco para, pelo menos, vir desejar-nos boas festas", critica o grevista, visivelmente zangado.
"Queremos o nosso dinheiro"
Mayassa Jamal é varredora de rua, uma trabalhadora sazonal, e também está em greve. Ao contrário dos restantes funcionários municipais, a edilidade deve-lhe o pagamento de seis meses de salário. À DW, diz que passa pelos piores momentos de crise financeira.
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"Eu sou varredora de rua e o meu trabalho é a limpeza da cidade. Aufiro mensalmente 2.500 meticais [o equivalente a 37 euros]. Nós queremos que ele [o edil] nos pague os nossos ordenados. E ele, no lugar de conversar, insulta-nos. Queremos o nosso dinheiro", afirma.
A edilidade já se pronunciou. Arlindo Chissale, diretor de Comunicação e Imagem na autarquia de Nacala, diz que a greve é ilegal, embora reconheça as reivindicações dos trabalhadores. "Queremos reconhecer a dor dos cerca de 600 funcionários do município de Nacala, e ela é justa. Mas estamos aqui diante de muitos problemas, incluindo a ilegalidade da greve, porque uma carta de pedido de greve foi elaborada e deixada na secretaria ontem e a mesma nem tinha chegado ao gabinete do presidente. Mas a greve iniciou hoje pelas três horas, ora imprópria", explica.
Peso orçamental e atrasos
Contudo, Arlindo Chissale garante que a edilidade fará os pagamentos ainda este mês. Esta não é a primeira vez que os funcionários protestam contra o município por falta e ou atraso no pagamento de salários. E Chissale aponta o peso orçamental e atrasos nos desembolsos de alguns fundos do nível central como estando na origem do problema.
"Neste mandato, nós começámos a gerir o município a fazer o pagamento de 8.5 milhões de meticais só em salários, e agora subiu para 13.3 milhões de meticais. Esta subida deveu-se a vários fatores, desde promoções dos funcionários e admissão de mais de 100 agentes da Polícia Camarária, a pedido dos agentes económicos da cidade", afirma.
Nacala é um dos cinco municípios geridos pela Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) na província de Nampula, e é considerado o pulmão económico da província.
Varredoras de Quelimane: Trabalho arriscado e mal pago
Mais de 270 mulheres fazem a limpeza da capital provincial da Zambézia, no centro de Moçambique. Com idades entre 40 e 60 anos, elas queixam-se das condições de trabalho e reclamam um salário digno.
Foto: Marcelino Mueia/DW
Necessidade não vê idade
Alzira da Silva Mussalama, carinhosamente chamada "vovó Alzira" pelas colegas, é viúva e há 37 anos é varredora. Começou a trabalhar perto dos 19 anos. Agora com 56, a idade já pesa: ela sente dores constantes na coluna, mas, para garantir o seu sustento, é obrigada a aturar o trabalho. E "vovó Alzira" sequer tem um contrato de trabalho definitivo com a empresa municipal de limpeza urbana.
Foto: Marcelino Mueia/DW
Companheiras de trabalho
A varredora Joaquina Luís (esquerda) também tem 56 anos de idade. E ao seu lado está Suraia Arune Jafar, que está há 16 anos na profissão. As colegas de trabalho, além de partilhar experiências, partilham preocupações. A maior de todas é o desconto salarial frequente. Elas dizem que a folha de pagamento não espelha o valor real que ambas recebem.
Foto: Marcelino Mueia/DW
O salário não compensa
Julieta Rafael, como as outras varredoras, pede a compaixão das autoridades para incrementarem o salário que considera péssimo e sem reajuste há vários anos. Com três filhos, a profissional diz que o pouco que recebe cobre apenas a alimentação da família durante um mês.
Foto: Marcelino Mueia/DW
Falta de incentivo
Cecília Dinis José é supervisora das varredoras e queixa-se da falta de incentivos na profissão. Muitas varredoras exercem a atividade há pelo menos 15 anos, mas não são promovidas e nem mudam de carreira, embora tenham concluído algum nível académico - requisito principal exigido pelas autoridades para a promoção profissional.
Foto: Marcelino Mueia/DW
A chefe das mulheres
Hortência Agostinho é a diretora da empresa municipal de limpeza (EMUSA), uma instituição que é subordinada ao Conselho Autárquico de Quelimane e congrega 270 varredoras de rua. Como mulher, e a comandar as outras mulheres, Hortência diz que o seu desafio é garantir o salário a tempo e criar condições condignas de trabalho para as varredoras.
Foto: Marcelino Mueia/DW
Riscos diários
Manter a cidade limpa constitui o maior desafio das varredoras. Mas o trabalho nas ruas é bastante arriscado. As varredoras enfrentam o risco de atropelamento devido à circulação dos automobilistas, motociclistas e ciclistas. Outro risco iminente é o de contrair doenças respiratórias devido à poeira e o cheiro de lixo.
Foto: Marcelino Mueia/DW
Embelezamento da cidade
Além da limpeza das ruas, há quem cuide dos jardins municipais. É o caso da
Victória Mateus Dima (de fato azul), em companhia das suas colegas de
trabalho. Victória está acostumada com o trabalho que antes teve dificuldades de realizar por alguns considerarem uma tarefa masculina.
Foto: Marcelino Mueia/DW
Amontoados de lixo
Entretanto, o lixo chega a permanecer dois ou três dias nas ruas. De um lado, a incapacidade das autoridades na coleta dos resíduos associada à falta de meios. Do outro, a conduta dos próprios munícipes que não obedecem os horários para o descarte do lixo - uma falta de respeito com o trabalho das varredoras.
Foto: Marcelino Mueia/DW
"Edifício sucata"
Esta é a sede da EMUSA, empresa responsável pelas varredoras de Quelimane. O edifício está sucateado e clama por manutenção, uma pintura externa e o aprimoramento dos sistemas de saneamento interno.
Foto: Marcelino Mueia/DW
Contentores de sucata
Além do edifício-sede da EMUSA, há contentores de lixo que se transformaram em ferro-velho. Os contentores chegaram a Quelimane há mais de dois anos, e o resultado é este. Esse sucateamento do setor dificulta ainda mais o trabalho das varredoras.