A sociedade civil lançou a primeira auscultação pública sobre a possível criação do Fundo Soberano em Moçambique. Intervenientes enfatizam necessidade do fundo poder contribuir para reduzir a dependência externa do país.
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A sociedade civil pretende que o Fundo Soberano de Moçambique crie uma base de poupança para reduzir a dependência de ajuda externa.
A organização não-governamental Nweti defende que os objetivos do Fundo não se devem resumir à "dicotomia entre o desenvolvimento e poupança para o futuro", mas sim "numa ponderada busca de equilíbrio entre desafios éticos relacionados com as crises existenciais ou imediatas, quando falamos da educação, saúde, agricultura, nutrição, água e saneamento", explicou a diretora executiva, Denise Namburete.
"São várias as áreas e sem dúvida que demandam respostas imediatas e compromisso moral de salvaguardar que gerações vindouras beneficiem destes recursos", acrescentou.
Segundo a ONG Nweti, com o Fundo Soberano, Moçambique deve começar a pensar em criar bases económicas e sociais sólidas com os seus próprios trilhos "que vá para além do ciclo de duração dos próprios recursos naturais não renováveis."
"Em termos de conteúdo, na minha modesta perspetiva, a auscultação sobre a constituição do fundo pode ser capitalizada como pretexto para a construção de consensos em torno de uma agenda de desenvolvimento", defende Namburete.
Fundo para emergências?
O Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE) enfatiza a questão das permanentes necessidades de Moçambique, derivadas de calamidades e crises políticas e económicas.
Estas situações podem obrigar o país a visitar quase sempre os cofres do Fundo Soberano, alerta o economista do IESE Moisés Siúta:
"Quantas vezes teríamos de ir abrir o cofre? Com que frequência? Ficava lá alguma poupança? Pensamos nisso. A frequência com que os choques para os quais estamos a criar o Fundo Soberano apareçam é um motivo que temos de considerar na nossa proposta e criarmos mecanismo para lidar com esses choques", argumenta.
O administrador do Banco de Moçambique, Jamal Omar, propõe que o Fundo Soberano não faça investimentos na economia doméstica e explica como.
"Isto para evitar dupla perda. Ou seja, não colocar todos os ovos na mesma cesta. Quando houver uma catástrofe no setor [extrativo], nós vamos perder só de um lado e não nos dois lados, portanto do lado da receita e das nossas aplicações."
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)