O Ministério da Saúde viu-se obrigado a destruir material médico avaliado em 300 mil euros que estava fora da validade. CIP denuncia falta de planeamento. Médico e explica que incinerar o equipamento foi a opção correta.
Publicidade
O Ministério da Saúde de Moçambique (MISAU) mandou incinerar materiais hospitalares fora do prazo de validade que estavam avaliados em 20 milhões de meticais, cerca de 300 mil euros. A denúncia foi feita esta segunda-feira (19.04) pelo Centro de Integridade Pública (CIP), que cita documentos oficiais que autorizaram a incineração dos materiais que estavam num centro de abastecimento em Maputo.
O relatório avança que a vice-ministra da Saúde, Lídia Cardoso, em novembro de 2020, através de uma nota oficial, "ordenou que fossem retirados e incinerados no mais curto espaço de tempo milhares de materiais fora de prazo, para se ganhar mais espaço em armazém".
Falta de planeamento
Os produtos incinerados, segundo a ONG, foram adquiridos através do Orçamento do Estado.
Publicidade
Em entrevista à DW, Ben Hur Cavelane, investigador do CIP, aponta que "há um problema gravíssimo de planificação real das necessidades a nível das unidades sanitárias, mas também dos centros de abastecimento de nível provincial e até mesmo aquilo que são as necessidades ao nível do distrito".
Para o CIP, esta situação "gera sempre crises de rutura de stocks nos hospitais e centros de saúde nas províncias e nos distritos enquanto estes insumos se encontram armazenados em Maputo".
"O que acontece nas unidades sanitárias são queixas recorrentes dos próprios profissionais da saúde, que têm falta de produtos hospitalares para o desempenho das suas funções. Muito antes da pandemia nós já verificávamos situações de falta de equipamentos básicos. E com a pandemia essa situação veio a agravar-se", asseverou.
No entanto, Ben Hur Cavelane avança que o problema não é restrito à capital. "Nós, no ano passado, estivemos na província do Niassa e identificámos uma situação semelhante, onde grande parte do material médico e hospitalar tem estado a deteriorar-se nos espaços comuns por falta de condições de armazenamento, mas também por negligência por parte dos próprios técnicos", denuncia.
O médico e investigador da ONG Observatório Cidadãos para a Saúde Jorge Matine diz que o desperdício de material hospitalar e de medicamentos em Moçambique "não é novidade". Uma das razões seria o curto prazo de validade com os quais esses materiais chegam ao país, seja por via de compra pelo Governo ou doação de parceiros.
"A gestão da cadeia logística ainda é deficiente. Normalmente, o que chega por último [aos armazéns] é o que sai primeiro, porque não há um sistema que tenha essa capacidade de fazer uma monitoria permanente, ou um sistema eletrónico, que permita ter uma capacidade de extrair a informação de forma adequada", destaca.
Burocracia, um outro obstáculo
O CIP frisa também que a burocracia é outro obstáculo na gestão dos materiais hospitalares. "Há um excessivo zelo nos processos de requisição desses materiais. Os diretores gerais das unidades sanitárias fazem a requisição deste material, mas até à sua alocação leva tempo. E por vezes os centros de abastecimento respondem negativamente, mesmo tendo esse material", explica.
O médico e pesquisador do Observatório Cidadãos para a Saúde Jorge Matine considera correta a atitude do Ministério da Saúde na incineração dos materiais fora do prazo de validade.
"Há casos de medicamentos fora do prazo que estavam a ser vendidos no sistema público e no sistema informal. Portanto, nesse caso, o MISAU deve realmente destruí-los para que não sejam um perigo para a saúde pública", defende.
Ainda assim, o CIP faz um apelo: "Para nós é uma situação de impunidade, onde se abre espaço para que quem de direito, seja o Ministério Público e outras entidades interessadas em procurar perceber melhor esta situação, comece a fazer o seu trabalho".
A DW procurou ouvir os responsáveis do Ministério da Saúde para comentar a denúncia de desperdício feita pelo CIP, mas não recebeu qualquer resposta.
No interior do hospital de campanha de Macurungo na Beira
As estruturas do centro de saúde que é referência no atendimento de cerca de 35 mil pessoas na região foram severamente danificadas com a passagem do ciclone Idai. Hospital de campanha já atendeu dois mil pacientes.
Foto: DW/F. Forner
A rotina
O hospital de campanha nos arredores do centro de saúde Macurungo, na Beira, está a funcionar desde 24 de março. "Montamos um centro médico avançado com uma tenda para cirurgia e consultas, além de mais duas tendas para avaliação pós-parto das mães", descreve a médica infectologista Telma Susana Vieira Azevedo, que liderou por dois meses a equipa da Cruz Vermelha em Macurungo.
Foto: DW/F. Forner
Um passeio pelas tendas em Macurungo
Um enfermeiro da equipa da Cruz Vermelha caminha pelas tendas de lona do hospital de campanha gerido em parceria com a ONG Médicos do Mundo. Já foram realizadas mais de duas mil consultas, além de uma média de sete partos diários. Este hospital é referência no atendimento de 35 mil pessoas na região, onde as condições habitacionais ficaram muito debilitadas após a passagem do ciclone Idai.
Foto: DW/F. Forner
No interior do hospital destruído
A noite de 14 de março na Beira foi marcada pelos fortes ventos que arrancaram telhas, chapas e coberturas das casas e edifícios públicos. O hospital de Macurungo sofreu sérios danos estruturais. Mesmo assim, algumas áreas do edifício continuam a ser utilizadas. “Nosso objetivo é conseguir reconstruir o centro de saúde e só depois deixar a Beira”, diz a médica Telma Susana Vieira Azevedo.
Foto: DW/F. Forner
Balanço pós-Idai
Segundo dados do fundo de redução de desastres do Banco Mundial (GFDRR), Moçambique ocupa a terceira posição no ranking de países africanos mais expostos a múltiplos riscos associados às mudanças climáticas, como ciclones periódicos, secas, inundações e epidemias. Esta foto mostra o coração do hospital de campanha montado em um dos bairros que mais carecem de atenção à saúde.
Foto: DW/F. Forner
Os grandes desafios de Beira
Esta é uma foto aérea do hospital de campanha em Macurungo na Beira. Além da reestruturação de hospitais, as cidades afetadas pelo ciclone Idai também encaram os desafios de reconstrução de moradias, escolas e das infraestruturas urbanas. A ONU estima que o país necessite de pelo menos 200 milhões de dólares de ajuda internacional nestes três primeiros meses pós-ciclone.
Foto: DW/F. Forner
O estoque de medicamentos
Além de servirem como consultórios e locais de operação, algumas tendas do hospital de campanha foram construídas para armazenar equipamentos, medicamentos e demais suprimentos médicos. Nesta foto, o médico Luís Canelas opera um dos computadores que realiza exames de ultrassonografia. O hospital de campanha também realiza exames laboratoriais, como exames de sangue e testes de malária.
Foto: DW/F. Forner
Apoio à população
Em momento de descanso, o enfermeiro da Cruz Vermelha de Cabo Verde Mariano Delgado brinca com uma das pacientes no pátio externo. Estima-se que cerca de 400 mil crianças foram afetadas. "Precisamos fazer um trabalho mais ativo de equipas móveis para ir às populações deslocadas", diz Michel Le Pechoux, representante adjunto do UNICEF em Moçambique.
Foto: DW/F. Forner
Pulverização contra a malária
Homens uniformizados com luvas e protetores fazem a pulverização contra a malária em casas nas ruas de Búzi, a 150 km ao sul da Beira. Os casos de malária aumentaram e um mutirão tenta conter a proliferação do mosquito transmissor.
Foto: DW/F. Forner
Cadastro de pacientes
Esta é a tenda de triagem onde os pacientes são recebidos para a marcação de consultas. "Recebemos pacientes com doenças crónicas, hipertensão, doenças cardiovasculares e parasitárias, bem como pacientes que sofrem de desnutrição e portadores do VIH/SIDA", explica a infectologista da Cruz Vermelha portuguesa Telma Susana Vieira Azevedo.
Foto: DW/F. Forner
À espera de consultas
As salas de espera no centro de saúde Macurungo ficam diariamente superlotadas com pacientes que sofrem das mais variadas doenças. O cólera está sob controle, mas os casos de malária estão a ser acima do habitual. "As chuvas fazem com que haja poças d’água que são óptimas para a proliferação dos mosquitos havendo mais vetores para transmitir a doença", diz a infectologista Telma Susana Azevedo.
Foto: DW/F. Forner
Atendimento
Esta é uma das tendas do hospital de campanha Macurungo destinada às consultas médicas e atendimento aos pacientes. Nesta foto, o doutor Miguel e o enfermeiro de Cabo Verde Mariano Delgado dividem o espaço realizando atendimentos e curativos.
Foto: DW/F. Forner
Nos bastidores
Num momento de descanso após o almoço, estes três profissionais de saúde aproveitam a pausa no início da tarde antes de continuar com os atendimentos. Esta sala com macas também serve de refeitório e sala de reuniões. As equipas de médicos, enfermeiros e pessoal de apoio técnico trabalham diariamente sem cessar e se revezam a cada três semanas.