Moçambique: Governo quer legalizar milícias em Cabo Delgado
Lusa
9 de maio de 2022
O ministro da Defesa moçambicano considera necessário enquadrar nos termos da lei a chamada "força local", que têm apoiado os militares no combate à insurgência no norte do país. Mas analistas questionam a medida.
Publicidade
Apesar de várias entidades em Moçambique questionarem a entrega de armas a grupos de civis, liderados por antigos combatentes, o ministro da Defesa de Moçambique, Cristóvão Chume, considera que as milícias desempenham um papel importante no combate à insurgência no norte do país.
Designadas como "força local", as milícias têm apoiado os militares na província de Cabo Delgado contra os terroristas.
"Mais do que tudo é [importante] regular o seu funcionamento e esse trabalho está a ser feito pelo Ministério da Defesa e outras forças: estamos numa fase final de criação de um estatuto próprio" para que "não funcione fora da lei", referiu numa entrevista ao Centro de Estudos Chatam House.
Cristóvão Chume diz que os objetivos passam por tornar "mais disciplinada a entrada de membros", com "números" e"toda a informação" sobre os integrantes da força local. Segundo o ministro, um trabalho de recolha está a ser feito "com a liderança deste grupo".
O governante referiu que as forças civis dotadas de armas vão permanecer ativas até "quando as Forças Armadas e de Defesa de Moçambique (FADM), no quadro da reforma [do setor] puderem dar resposta a todo o território nacional". "Aí a força local pode deixar de existir" e os civis que a integram podem exercer funções de vigilância, sem armas, em parques e áreas de conservação, por exemplo, acrescentou.
Publicidade
Analistas consideram medida inconstitucional
Numa análise à Lusa na última semana, Muhamad Yassine, docente de Relações Internacionais na Universidade Joaquim Chissano, considerou "indubitável a inconstitucionalidade de uma força informal ligada à Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO, partido no poder)".
"A chamada força local está ligada à Associação dos Combatentes de Luta de Libertação Nacional (ACLLIN), que é uma instituição da FRELIMO, e obedece a comandos partidários, o que, pelos menos legalmente, é inaceitável num Estado de direito", enfatizou Muhamad Yassine.
Na mesma análise, Fernando Lima, presidente do grupo de media privado moçambicano Mediacoop, referiu que "as autoridades foram forçadas a aceitar as milícias, porque elas eram a única alternativa que existia face ao avanço imparável dos 'jihadistas' sobre as populações e por causa das matanças indiscriminadas".
O analista alertou, no entanto, para o risco de abusos ao nível dos direitos humanos, proliferação de armas nas mãos de civis e incerteza em relação ao futuro dos membros mais novos das milícias.
O regresso da vida pós destruição em Cabo Delgado
Apesar da tendência de retorno das populações às zonas de origem, várias aldeias ainda continuam desertas e o cenário de destruição é visível nessas comunidades.
Foto: DW
Sensação de paz em Macomia
O distrito de Macomia já registou o regresso de grande parte da sua população que se havia evadido para outras zonas com a escalada da violência protagonizada pelos insurgentes, localmente conhecidos por "al-shababes". Na vila, atividades comerciais ganham terreno. Mas a população pede ainda a permanência do exército para lhes proteger. O desejo dos residentes é que a paz tenha vindo para ficar.
Foto: DW
Serviços públicos em Mocímboa da Praia
Após a recuperação do território, em agosto de 2021, as autoridades estão empenhadas no restabelecimento dos serviços públicos de modo a impulsionar o retorno da população que se refugiou em comunidades de Cabo Delgado. O Escritório das Nações Unidas de Serviços para Projetos comprometeu-se em alocar escritórios moveis ao governo de Mocímboa da Praia para fazer face à escassez de infraestruturas.
Foto: DW
Local do massacre de Xitaxi
A 7 de abril de 2021, na aldeia de Xitaxi, no distrito de Muidumbe, os terroristas terão morto a sangue frio um grupo de 53 jovens num campo de futebol (ao fundo da imagem). Aparentemente, a causa da chacina foi a recusa desses jovens, que haviam sido raptados localmente e em aldeias já atacadas, em juntar-se ao movimento rebelde que devasta Cabo Delgado desde o ano de 2017.
Foto: DW
Forças Armadas na estrada
A estrada N380 liga o distrito de Ancuabe a Mocímboa da Praia. A via permaneceu intransitável com a escalada da violência terrorista em aldeias atravessadas pela rodovia. Com as ações terroristas enfraquecidas, a N380 voltou a ser transitável, embora de forma tímida. Veículos militares patrulham constantemente, para garantir que nenhuma situação de alteração da ordem venha a verificar-se.
Foto: DW
Destroços visíveis
Sucatas de veículos destruídos denunciam a quem por aqui passa, cenários de violência vividos na estrada principal que liga sul, centro e norte da província.
Foto: DW
Bens abandonados
Terroristas bloquearam durante um ano o acesso aos distritos no norte, com destaque para Mueda e Mocímboa da Praia, com o assalto ao posto de controlo policial no cruzamento de Awasse. Após o seu desalojamento pela força conjunta Moçambique-Ruanda, os terroristas abandonaram alguns dos seus bens, em caves que serviam de esconderijos.
Foto: DW
Ruínas
Casas abandonadas e em ruínas e zonas residenciais tomadas pelo capim são o retrato que se repete em diversas aldeias ao longo das estradas N380 e R698. Denunciam também a crueldade dos terroristas.