O setor da comunicação social em Moçambique espera uma decisão sobre as novas taxas a serem cobradas a jornalistas e órgãos de imprensa no país. O Governo já prometeu "refletir" sobre o decreto assinado pelo Executivo.
O diretor do jornal "Savana", Fernando Lima, está otimista e diz que tem expetativas de que o Governo venha a recuar. "Mas, o processo, em termos legais, tem que ter outros trâmites. Ou seja, o Governo terá que revogar este processo-lei, para começarmos o processo desde o início", argumenta o jornalista.
Na última terça-feira (14.08), após a pressão de organizações e dos meios de comunicação nacionais e internacionais que atuam em Moçambique, o Governo anunciou que pretende discutir com os diferentes setores e profissionais da comunicação social, para posteriormente tomar uma decisão sobre as taxas definidas pelo decreto-lei, que deve entrar em vigor a 23 de agosto.
Moçambique: Governo vai recuar nas novas taxas para a comunicação social?
Segundo informou a porta-voz do Conselho de Ministros, Ana Comoana, "esta questão está a merecer a devida reflexão ao nível do setor e irão decorrer os encontros, portanto, para que se amplie mais a socialização desta reflexão. Com elementos resultantes desta reflexão, poderemos ter novos desenvolvimentos sobre a matéria".
Novas taxas
O decreto de 23 de julho aprovado pelo Executivo, e divulgado apenas no início de agosto, cria diversas taxas de licenciamento e registo para serviços de rádio, televisão e imprensa escrita. As televisões com cobertura em todo o território nacional vão pagar mais de 44 mil euros pelo licenciamento e as rádios quase 30 mil euros. Televisões e rádios regionais terão um custo de 22 mil e 14 mil euros, respetivamente, enquanto as televisões e rádios comunitárias pagarão cerca de 2 mil euros e 750 euros, respetivamente.
Além disso, a medida deverá agravar o custo da acreditação de jornalistas estrangeiros no país, que poderá chegar a mais de 7 mil euros. Fica mais caro também para os jornalistas moçambicanos correspondentes de veículos estrangeiros, que terão de pagar cerca de 450 euros. Custos que prejudicam ainda mais a liberdade de imprensa no país, segundo Fernando Lima.
"Já pagamos impostos"
O diretor do jornal Savana defende que um debate sobre as taxas seja realizado a partir de agora. E lembra que o setor da comunicação social em Moçambique já paga impostos altos. "A comunicação social e os jornalistas já pagam impostos, e os impostos em Moçambique não são moderados. Só para se ter uma ideia, o imposto sobre o rendimento é de 32% sobre os lucros".
De acordo com Lima, o decreto é "claramente um esforço indireto, pela via económica, de impor sanções aos media independentes em Moçambique".
Ainda segundo o jornalista, "também há outro movimento em curso, por parte do Governo e de setores afetos ao Governo, que pretendem instituir um novo órgão, a que chamam de órgão regulador, que visa, segundo a linguagem oficial, ‘disciplinar' a atividade da comunicação social".
A Amnistia Internacional criticou o decreto do Governo moçambicano e considerou as taxas um "assalto à liberdade de imprensa e uma tentativa flagrante de reprimir os jornalistas".
A DW África contatou o Conselho Superior de Comunicação Social de Moçambique, mas o presidente da organização, Tomás Vieira Mário, preferiu não dar entrevista. Disse, entretanto, que está à espera de uma decisão do Governo sobre o decreto.
Países africanos que mais violam a liberdade de imprensa
Gana é o país africano mais bem classificado no "<i>Ranking</i> Mundial da Liberdade de Imprensa" dos Repórteres sem Fronteiras. A Eritreia é o pior em África e, a nível mundial, só é melhor que a Coreia do Norte.
Foto: Esdras Ndikumana/AFP/Getty Images
Eritreia - posição 179º lugar
A liberdade de imprensa é considerada "não existente". Em 2001, uma série de medidas repressivas contra <i>media</i> independentes levaram a uma onda de detenções. O Presidente Isaias Afeworki é visto como um “predador” da liberdade de imprensa e usa os meios de comunicação nacionais como seus porta-vozes. Escritores, locutores e artistas são censurados e a informação é escondida dos cidadãos.
Foto: picture-alliance
Sudão - 174º lugar
Na capital Cartum, pratica-se a chamada “censura pré-publicação". O Governo detém jornalistas arbitrariamente e interfere abertamente na produção de notícias. A "Lei da Liberdade de Informação de 2015" é vista como uma outra forma de exercer controlo governamental sobre a informação pública. Os jornalistas têm de passar por um teste e obter uma permissão para trabalhar.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
Burundi - 159º lugar
Repressão estatal contra a liberdade de imprensa e intimidação de jornalistas é comum no país. <i>Media </i> controlados pelo Estado substituem cada vez mais estações de rádio independentes, depois de a maior parte delas ter sido forçada a fechar, após uma tentativa de golpe de estado há três anos. Centenas de jornalistas fugiram do país desde 2015. Na foto, protesto de jornalistas no país.
Foto: Esdras Ndikumana/AFP/Getty Images
República Democrática do Congo - 154º lugar
Defensores dos <i>media</i> falam em jornalistas mortos, agredidos, detidos e ameaçados desde que Joseph Kabila sucedeu ao pai na presidência do país em 2001. Orgãos de comunicação internacionais queixam-se que o Governo interfere nos sinais de rádio ou corta mesmo a transmissão. Protestos da oposição levaram as autoridades a interromper ou cortar o acesso à Internet.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Kappeler
Suazilândia - 152º lugar
Esta monarquia absoluta tem a reputação de obstruir o acesso à informação e impedir os jornalistas de fazerem o seu trabalho. Os <i>media</i> estão sujeitos a leis restritivas e repórteres são frequentemente chamados a tribunal pelo seu trabalho. Auto-censura é comum. Um editor saiu recentemente do país depois de fazer uma reportagem sobre negócios obscuros ligados ao Rei Mswati III (na foto).
Foto: picture-alliance/dpa
Etiópia - 150º lugar
O Governo tem uma mordaça sobre os órgãos de comunicação e os jornalistas trabalham sobre condições muito restritivas. Com a Eritreia, este país tem uma das mais altas taxas de jornalistas detidos na África subsariana. Na foto, o jornalista etíope Getachew Shiferaw, que foi condenado a 18 meses de prisão por ter falado com um dissidente.
Foto: Blue Party Ethiopia
Sudão do Sul - 144º lugar
Os jornalistas são obrigados pelo Governo a evitar fazer cobertura do conflito. Órgãos de comunicação internacionais denuciaram casos de assédio e foram banidos deste jovem país, onde pelo menos 10 jornalistas foram mortos desde 2011. Na foto, dois jornalistas do Uganda que tinham sido detidos por autoridades no Sudão do Sul.
Foto: Getty Images/AFP/W. Wudu
Camarões - 129º lugar
O Governo chamou às redes sociais uma “nova forma de terrorismo”, e bloqueia frequentemente o acesso às mesmas. Emissões de rádio e televisão foram bloqueadas duas semanas em março, durante o período eleitoral. Jornais que publicam conteúdos que desagradam políticos no poder são banidos e jornalistas e editores são detidos.
Foto: picture alliance/abaca/E. Blondet
Chade - 123º lugar
Os jornalistas arriscam-se a detenções arbitrárias, agressões e intimidações. Nos últimos meses, o Governo tem vindo a reprimir plataformas de <i>social media</i> e ciber-ativistas. A Internet tem estado bloqueada no país desde 28 de março, no seguimento de um “apagão” da Internet devido a manifestações da sociedade civil e protestos dos órgãos de comunicação num chamado “dia sem imprensa”.
Foto: UImago/Xinhua/C. Yichen
Tanzânia - 93º lugar
Críticos dizem que o Presidente John Magufuli tem vindo a atacar a liberdade de expressão deliberadamente, desde que tomou posse em 2015. Jornalistas foram presos ou dados como desaparecidos. Orgãos de comunicação social foram fechados ou impedidos de publicar durante longos períodos de tempo. Leis que podem ser usadas contra os <i>media</i> foram apertadas.