Moçambique: Mineiros artesanais denunciam sevícias
20 de janeiro de 2020Alguns mineiros artesanais na província de Cabo Delgado dizem estar a enfrentar muitos obstáculos para legalizarem-se e beneficiarem dos recursos que ocorrem nas respetivas comunidades. São pessoas que desde sempre dedicaram-se ao garimpo para prover condições básicas às suas famílias e que se consideram injustiçadas com a perda das respetivas áreas para dar lugar a implantação de grandes projectos.
A Lei de Minas do país prevê a extração mineira em pequena escala através de senhas obtidas por meio de associações. Os mineiros locais, porém, dizem que a burocracia imposta impossibilita-lhes conseguir a certificação.
A Associação 1º de Maio, no distrito de Ancuabe, é uma das entidades que enfrentam dificuldades ao pretender legalizar-se e obter uma senha mineira. A organização explorava uma área na aldeia de Nsanja desde 2013, mas em 2018 foi afastada do local. Mais tarde, viria a saber que a referida área foi atribuída a um investidor.
O mineiro artensanal Adolfo Monea é membro da Associação 1º de Maio e diz que a ocupação do seu espaço aconteceu enquanto aguardava pela burocracia da legalização.
"Quando fomos retirados, vieram alguns chineses que ocuparam a própria área e está a ser fiscalizada, está cheio de polícias. Então, nós não temos maneiras de entrar ali. Nós estamos em dúvida porque ainda não está resolvida a nossa área. Estamos a ver o próprio, que está a dizer que é dono da área, está a trabalhar com uma equipa de chineses", descreve.
Dificuldade para obter a certificação
A obtenção de senha mineira é também problema para outras comunidades dos distritos de Ancuabe, Montepuez e Balama.
Leôncio Raul, da Associação Boa Esperança de Mesa, revela episódios de violência infringida por forças policiais que guarnecem as áreas de exploração mineira.
"Quando algumas empresas chegaram, passamos a sofrer. Chegamos lá nas áreas [de garimpo], tentámos trabalhar, mas não rendemos nada. Quando queremos levar o produto para vender e sustentarmos as nossas famílias, somos capturados, batem-nos e mergulham-nos na água", denuncia.
Na província de Cabo Delgado, algumas organizações da sociedade civil ajudam as comunidades mineiras a obterem o licenciamento da atividade, mas não tem sido uma tarefa fácil.
A Agência de Desenvolvimento Económico Local de Cabo Delgado (ADEL), por exemplo, presta assistência a seis associações, mas ainda não conseguiu obter a certificação para nenhuma delas. Carlos Dias, diretor da organização, explica a razão.
"Temos enfrentado algumas dificuldades devido ao facto de, ao nível da província de Cabo Delgado, todas as áreas que nós tentamos identificar para que as associações possam realizar o seu trabalho já estão ocupadas. Essas licenças, apesar de existirem, os proprietários ainda não começaram a explorar", explica.
Priorizar as comunidades
Face ao cenário, o jurista Renato Wane - que trabalha para a Medicus Mundi e Centro Terra Viva, organizações não-governamentais que velam pela dignificação da mineração artesanal em Cabo Delgado - defende a negociação com os proprietários dos certificados mineiros como forma a conceder pequenas parcelas às comunidades.
"Estamos a dizer que as pessoas estão a desenvolver esta atividade em áreas que são da comunidade, que em primeiro plano deviam beneficiar a própria comunidade. No entanto, isso não se verifica. Então, nós pensamos que a saída é esta de negociação para a concessão de um espaço para que as comunidades continuem a praticar esta atividade", avalia.
Documentos facultados à DW África pela Direção Provincial de Recursos Minerais e Energia de Cabo Delgado indicam que cerca de 65% das áreas já estão ocupadas por títulos mineiros. O mesmo documento refere que existem atualmente cinco áreas designadas para a prática da mineração artesanal na província, localizadas nos distritos de Namuno, Mocimboa da Praia e Macomia.
Em Ancuabe, onde maior parte das associações queixa-se de dificuldades de legalização, existia uma única área designada que, entretanto, já foi ocupada.
Ordem das concessões
Salvador Zuarica, do Departamento de Geologia e Minas, na Direção Provincial de Recursos Minerais e Energia considera que nestas circunstâncias não haveria mais espaço para a concessão de novos títulos mineiros.
"O nosso lema é: 'O primeiro a chegar é o primeiro a ser servido.' Se há lá na área pretendida alguém que tenha pedido, goza do direito de exclusividade. Significa que não podemos emitir, na mesma área, um outro título mineiro - a não ser que haja algum acordo entre essas associações e o requerente ou titular mineiro já existente na área", argumenta Zuarica.
Na impossibilidade de obter uma área para exploração mineira, aquele responsável esclarece que há outras vias para beneficiar-se desta atividade.
"As associações mineiras não são apenas para exploração. Podem juntar-se em associações para facilmente prestarem serviços para algum titular mineiro na área. Ao invés de explorar aquele recurso, porque não estar envolvido na limpeza ou noutras formas de intervenção?" pondera.
Referir que a província de Cabo Delgado possui neste momento 540 títulos mineiros.