Moçambique: Campanha para as autárquicas entra no oitavo dia
Leonel Matias (Maputo)
2 de outubro de 2018
Polícia e observadores confirmam que campanha para as autárquicas em Moçambique está a decorrer em todas as autarquias, apesar da instabilidade que se vive em Cabo Delgado.
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O porta-voz do Comando Geral da Polícia, Inácio Dina, afirmou esta terça-feira (02.10) num balanço da primeira semana da campanha que o processo está a decorrer em todas as 53 autarquias, incluindo a vila de Mocímboa da Praia, palco de ataques de homens armados.
"Estamos a falar, por exemplo de Mocímboa da Praia, a campanha está a decorrer normalmente. Não há registo de algum incidente paralelo que possa ter inviabilizado o decurso da campanha".
A confirmação veio, igualmente, da plataforma da sociedade civil "Sala da Paz", que agrupa 20 organizações. Dércio Alfazema é membro daquela plataforma, que tem observadores no terreno.
"Até agora o que temos em termos de informação é que as atividades políticas decorrem”.
Ambiente de cordialidade
Segundo Dércio Alfazema de uma forma geral a campanha eleitoral no país está a decorrer num ambiente de cordialidade e de respeito mútuo entre os diferentes grupos que tomam parte no processo.Observou, no entanto, que há o registo de alguns casos de violência, de vandalização dos materiais de propaganda eleitoral, e de uso indevido de meios do Estado.
Alfazema considerou por exemplo que exige uma intervenção urgente da polícia e da justiça para o devido esclarecimento um caso em que um membro da RENAMO foi baleado por um agente da polícia, por sinal secretário da FRELIMO em Tete.
Queixas dos partidos
A plataforma da sociedade civil "Sala da Paz" recebeu ainda queixas dos partidos RENAMO e Movimento Democrático de Moçambique (MDM), na oposição, de irregularidades na província de Gaza, segundo referiu Dércio Alfazema.
"Começamos a ter relatos de situações de grupos que tendem a impedir os outros de realizar os seus trabalhos e alguns partidos têm estado a reclamar a falta de cobertura policial".A propósito desta acusação, o porta-voz do Comando Geral da Polícia Inácio Dina, justificou a falta de cobertura policial alegando eventuais problemas de articulação.
"Em todos os locais onde está a decorrer a campanha existem agentes da polícia indicados para interagir diretamente com os intervenientes sobretudo com os responsáveis em cada uma das organizações políticas ou em cada caravana e este contato tem vindo a acontecer".
Bens do Estado na campanha
Relativamente ao uso indevido de bens do Estado Inácio Dina recomendou aos cidadãos que denunciem estes atos.
O porta-voz do Comando Geral da Polícia disse ainda que durante a primeira semana da campanha, terminada esta segunda-feira (01.10), registaram-se 17 ocorrências relacionadas com este processo incluindo quatro mortos, dos quais três em consequência de acidentes de viação e 16 feridos. Registaram-se ainda nove detenções e oito ilícitos eleitorais, sobretudo resultantes de danos de material eleitoral.
A campanha eleitoral está a ser marcada por marchas, desfiles, contatos interpessoais e contatos porta a porta para a divulgação das mensagens das formações concorrentes.Segundo Dércio Alfazema, a plataforma da sociedade civil "Sala da Paz" considera que apesar dos concorrentes apresentarem na generalidade ideias praticamente repetitivas e sem propostas inovadoras sobre a gestão dos municípios "há uma evolução em relação àquilo que foram os pleitos eleitorais anteriores, onde as campanhas eram essencialmente baseadas na acusação de um e de outro. Hoje, os partidos tendem a demonstrar algum esforço de apresentar aquilo que são as suas ideias".
Moçambique: Grupo de observadores pede maior mobilização do eleitorado para as autárquicas
Animação e festividade
Dércio Alfazema disse que há, igualmente, um ambiente de grande animação e de festividade por parte do eleitorado.
"Isso faz-nos perspetivar que teremos eleições muito animadas e com um nível de participação acima daquilo que tem sido a tendência atual de grandes níveis de abstenção".
Entretanto, a Sala da paz nota que é imperioso trabalhar com os órgãos de gestão eleitoral no sentido de intensificar a educação cívica eleitoral". Para a plataforma da sociedade civil deve ser reforçada a mobilização do eleitorado, como forma de evitar o alheamento dos cidadãos em relações aos processos eleitorais.
Quais as motivações dos ataques armados em Cabo Delgado?
Há mais de nove meses que o norte de Moçambique tem sido palco de violentos ataques armados. Suspeitas há muitas e até já há um estudo, mas até hoje não está claro quem são os atacantes e nem o que os move.
Foto: Privat
Mocímboa da Praia: Era uma vez um lugar pacato...
Até 5 de outubro de 2017 a província de Cabo Delgado vivia na tranquilidade, pelo menos aparentemente. Mas desde essa data tudo mudou quando cerca de 30 homens armados desconhecidos atacaram três postos da polícia do distrito de Mocímboa da Praia, matando cinco pessoas, entre elas polícias, e ferindo mais de dez. Na altura a Polícia disse que estava a investigar o caso.
Foto: DW/G. Sousa
O alastramento dos ataques
Dois meses depois Mocímboa viveu novos ataques e desde essa altura os ataques armados têm vindo a alastrarar-se muito rapidamente para outros distritos. Palma começou a ser alvo a partir de janeiro de 2018.
Foto: DW/Estácio Valoi
Marcha contra um "Islão que não existe"
Uma semana depois do primeiro ataque Mocímboa da Praia marchou pela paz. A iniciativa juntou líderes de diferentes religiões, cristã e muçulmana, estes últimos a maioria na região. Os atacantes, que se dizem muçulmanos, defendem uma visão radical do Islão. As autoridades do distrito consideram que esse é um "Islão "que não existe", e acusam "os bandidos" de usaram a religião como "capa".
Foto: Estácio Valoi
Os indícios que não terão sido tomados a sério
Já em 2016 supostos pregadores do Islão foram expulsos do país por estarem ilegais no país. Também já foi intercetado um angariador de crianças a cujos pais era prometida educação e bons tratos. Mas o destino, passando por Nampula, eram escolas corânicas com o fim de radicalização. Há também detenções de pessoas que propagam a insurgência contra as instituições do Estado.
Foto: Colourbox/krbfss
Detenções e excesso de zelo
Cinco dias após o início dos ataques, a Polícia já tinha detido 52 pessoas, o que assustou alguns líderes religiosos. Mas havia outros líderes que eram a favor, justificando a necessidade de denunciar malfeitores para "purificar fileiras", mesmo que isso leve a excesso de zelo. Mas a Polícia ainda não sabe dizer quem são os atacantes, justificando sempre que está a trabalhar no assunto.
Uma das maiores reservas de gás de mundo está em Cabo Delgado. Em Palma as multinacionais operam no setor. Em Mocímboa da Praia há minas de rubis que são bem cotados nos mercados internacionais. O IESE, MASC e um líder muçulmano realizaram um estudo na sequência dos ataques e concluiram preliminarmente que o objetivo dos atacantes é garantir o tráfico dos inúmeros recursos da região.
Foto: ENI East
Erik Prince, o salvador da pátria?
Empresário norte-americano na área de segurança tem interesses nas empresas envolvidas nas dívidas ocultas. Uma delas a Proindicus, criada para garantir a segurança nas águas moçambicanas. Por outro lado acredita-se que tenha criado uma empresa de segurança e estaria a contar como pagamento pelos serviços os dividendos do gás. Eric Prince já prestou serviços para o Governo dos EUA no Iraque.
Foto: Imago/UPI Photo
Deslocados internos: Existem ou não?
O medo dos violentos ataques fez com que a população fugisse. Mas as autoridades locais garantem que ela regressa às suas comunidades graças à patrulha feita pelo exército e afirmam que são poucas as deslocações. Entretanto, não há números exatos. Quem está a lidar com esses deslocados são as autoridades locais. Até ao momento nenhuma agência da ONU ou ONG humanitária foram chamados a intervir.
Foto: Privat
Participação das FDS na reconstrução
Embora as FDS, Forças de Defesa e Segurança, não consigam impedir as ações dos atacantes elas garantem o patrulhamento depois dos ataques. Também auxiliam diretamente na reconstrução das casas incendiadas pelos atacantes. Isso, segundo as autoridades, permite o retorno da população às suas aldeias.
Foto: Borges Nhamire
Participação das comunidades
Supõe-se que os jovens que integram os grupos armados sejam recrutados nas comunidades. As autoridades pedem, por isso, que as populações se mantenham vigilantes e denunciem qualquer ilícito ou movimentação suspeita.
Foto: Privat
Governador visita comunidades
Os assassinatos tornam-se cada vez mais bárbaros. Há decapitações com recurso à catanas e nem as crianças escapam. Na sequência do recrudescimento dos ataques e do nível de violência o governador da província de Cabo Delgado, Júlio Parruque, visitou familiares das vítimas.
Foto: Privat
Presidente de Moçambique em Cabo Delgado
A 29 de junho de 2018 o Presidente Filipe Nyusi esteve nos distritos alvo dos ataques. Pouco antes disso o estadista tinha sido criticado por alguns setores por nunca se ter pronunciado publicamente sobre os ações violentas. Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção contra ataques e mostrou abertura, convidando os atacantes para dialogar.
Foto: privat
Um mar de gente para ouvir Nyusi
Em Cabo Delgado, Filipe Nyusi foi ouvido por milhares de pessoas a quem exortou para que se distanciem de crenças religiosas que estariam na origem da instabilidade: "Estão a recrutar pessoas nos distritos costeiros. Estão a ir também a Nampula recrutar pessoas para vir morrer aqui. Não deixem que isso aconteça. Estão a semear luto nas vossas famílias. E são jovens que vocês conhecem, denunciem".