Sociedade civil e oposição defendem que o jornalista não pode ocupar um cargo público devido à associação do seu nome a casos de corrupção. Para a ONG CCD, a proposta mostra que a FRELIMO não leva a sério a Comissão.
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Em Moçambique, o partido no poder, a FRELIMO, indicou para compor o Comité Central de Ética Pública o jornalista Gustavo Mavie. O facto desencadeou revolta e incredulidade no seio, por exemplo, da sociedade civil e formações políticas, levando a RENAMO a fazer adiar no Parlamento a sua indicação. O motivo: acusações de corrupção contra Mavie.
Arnaldo Chalaua, porta-voz da bancada parlamentar do maior partido da oposição, entende que "Mavie tem uma culpa no cartório, é uma pessoa que falcatruou o Estado, esteve na AIM, e nesse sentido criou várias atrocidades, aquilo que chamamos enriquecimento ilícito. Não faz sentido que essas personalidade seja eleita pela Assembleia da República para fazer parte de um órgão extremamente importante, como a Comissão de Ética."
Aceitação parcial de culpa?
O nome de Gustavo Mavie esteve associado a má gestão dos fundos e bens da Agência de Informação de Moçambique (AIM), instituição que foi gerida pelo jornalista durante 14 anos. Contudo, não foi dado como culpado pelos ilícitos que tiveram lugar na AIM.
Mas há outras interpretações sobre o processo que não retiram Mavie da "névoa da desconfiança" em que aparentemente se encontra. E o diretor do Centro para Democracia e Desenvolvimento (CDD), Adriano Nuvunga, diz que "a indicação de Gustavo Mavie para membro da Comissão Central de Ética Pública por parte do partido FRELIMO tem duas leituras.
"A primeira é de que o senhor Gustavo não reúne qualquer qualificação pela sua postura pública. Por um lado, tem processos-crime de corrupção contra ele e [por isso] não pode ser apontado para um cargo público. Note que o Mavie foi acusado e foi dado provimento ao processo, basta que isso aconteça, ser pronunciado pelo juiz de pronúncia significa, de alguma maneira, a aceitação de metade da culpa, significando que essa pessoa não pode ser apontada para um cargo público", argumenta.
Faltou ética na gestão da coisa pública ou na pena?
A questão que os moçambicanos colocam agora é: "como pode um indivíduo alegadamente sem ética ser indicado justamente para um órgão que vela por tão nobre valor?" Mavie nega ter feito uma gestão pouco transparente ou danosa na AIM, argumentando, pelo contrário, que ela foi rigorosa.
Mas o jornalista não está somente a ser "apedrejado" por causa de uma suposta má gestão. As suas posições afincadamente pró-FRELIMO, ou anti-RENAMO, também são usadas como argumentos pelos seus contestatários para que não integre o Comité de Ética.
Por exemplo, Adriano Nuvunga, do CDD, diz que "a postura dele é de uma pessoa muito hostil ao pensamento crítico e independente sobre a governação. Ele tem se portado como o defensor do Governo da forma mais vil, o que aqui se chama de 'escovismo'. E até chega a ser jocosa a forma como o faz, nesse sentido não é uma pessoa integra."
Os seus detratores vem a proposta de indicação como uma espécie de prémio pelos "bons" serviços prestados ao regime. Mas Mavie está certo que se trata de meritocracia e defende-se: "Não é nenhum prémio, não é nada que tenha haver com isso, é o reconhecimento de um dos cidadãos, de que deve ser valorizado porque se espera dele um desempenho eficaz e transparente, um desempenho que seja a favor daquilo que se deseja que esta organização seja, de facto."
Entretanto, o desfecho da composição da Comissão Central de Ética Pública foi adiado para a próxima semana. Até lá, a polémica vai desencadeando acesos debates entre os seus defensores e opositores, como se de uma campanha política se tratasse.
Mas, no final, a vontade da maioria, a FRELIMO, vence sempre. Os protestos da oposição de nada valerão, mas a RENAMO diz, através do seu porta-voz de bancada, que "fica claro e é inequívoco que praticamente este partido [FRELIMO] está a usar a sua maioria para perpetuar atos nocivos a convivência democrática - e nocivos a princípios da ética e moral. E ficará escrito nos anais da história desta República."
Maxixe: Obras sem qualidade são adjudicadas por milhões
Em Maxixe, Moçambique, somam-se os casos de obras públicas sobrefaturadas. A DW África juntou exemplos de obras cujo processo de adjudicação não foi transparente e nas quais os orçamentos foram inflacionados.
Foto: DW/L. da Conceição
Favorecimento na seleção das empresas
Em Maxixe, parte das obras de construção civil têm sido adjudicadas à empresa SGI Construções Lda. que não se encontra registada no Boletim da República e que apenas tem escritórios em Maputo. A empresa, com laços fortes com o Presidente do município, Simão Rafael, faturou, nos últimos dois anos, mais de 30 milhões de meticais (cerca de 427 mil euros) em obras que até hoje ainda não terminaram.
Foto: DW/L. da Conceição
Falta de transparência
Como se vê na imagem, para além de não se saber a data do início desta obra, não se conhece o fiscal nem a distância exata para a colocação de pavés. Sabe-se apenas que tem um prazo de execução de 90 dias.
Foto: DW/L. da Conceição
Figuras ligadas à FRELIMO criam empresa
Esta obra, orçada em mais de sete milhões de meticais, foi adjudicada à MACROLHO Lda, uma empresa com sede em Inhambane e que tem, segundo a imprensa local, participações de sócios ligados ao partido FRELIMO, como o ex-governador de Inhambane, Agostinho Trinta. Faturou, nos últimos dois anos, mais de 40 milhões de meticais em obras que, até agora, ainda não foram entregues. O prazo já expirou.
Foto: DW/L. da Conceição
Obras faturadas e abandonadas
Esta via é a entrada do bairro Eduardo Mondlane. Desde 2016, o munícipio já gastou na reparação desta estrada - com cerca de 200 metros -, mais de quatro milhões de meticais. Até à data, apenas foram executados 150 metros. Ao que a DW África apurou, o empreiteiro apenas trabalha nos dias de fiscalização dos membros da assembleia municipal. O dinheiro faturado dava para pavimentar mais de 1 km.
Foto: DW/L. da Conceição
Obras sobrefaturadas
Este é o estado atual de várias obras na cidade de Maxixe. Na imagem, a via do prolongamento da padaria Chambone, foi faturada em mais de cinco milhões de meticais (cerca de 71 mil euros) no ano de 2016. No entanto, esta mesma obra voltou a ser faturada este ano, não tendo o valor sido tornado público.
Foto: DW/L. da Conceição
Obras sem qualidade
Desde o ano de 2015, o conselho municipal da cidade de Maxixe já gastou mais de 10 milhões de meticais (cerca de 142 mil euros) com as obras de reparação de buracos nas avenidas e ruas do centro da cidade. No entanto, o trabalho não tem qualidade e os buracos continuam a danificar carros ligeiros. O empreiteiro desta obra é também a SGI Construções Lda.
Foto: DW/L. da Conceição
MDM denuncia corrupção
A bancada do MDM na assembleia municipal de Maxixe denunciou que as viaturas adquiridas pela edilidade não estão a ser compradas em agências, mas no mercado negro em África do Sul. Diz a oposição que as últimas duas viaturas adquiridas custaram mais de sete milhões de meticais. Um preço quatro vezes superior, quando comparado ao valor das duas viaturas no mercado em Moçambique.
Foto: DW/L. da Conceição
“Não interessa qualidade, queremos faturar”
Jacinto Chaúque, ex-vereador do município de Maxixe, está a ser investigado pelo Gabinete de Combate à Corrupção de Moçambique. Da investigação consta, entre outros, uma gravação telefónica entre Chaúque e o empreiteiro desta obra, na avenida Ngungunhane, e em que o ex-vereador afirma que “não interessa a qualidade. Queremos faturar nestas obras”. Chaúque está a aguardar julgamento.
Foto: DW/L. da Conceição
Preços altos nas construções de edifícios
Em 2015, o conselho municipal de Maxixe construiu um posto policial no bairro de Mabil. Esta infraestrutura - com apenas dois quartos, uma sala comum e uma cela com capacidade para cinco pessoas – custou mais de 1,3 milhões de meticais, não contando com a aquisição de material como mesas ou cadeiras. Ao que a DW África apurou junto do mercado, esta obra não custaria mais de 300 mil meticais.
Foto: DW/L. da Conceição
Um milhão de meticais por cada sede do bairro
As sedes dos bairros são outro exemplo. Todas as sedes dos bairros construídas pelo conselho municipal contam com a mesma planta. Cada uma custou cerca de um milhão de meticais (cerca de 14 mil euros). O preço real de mercado para uma casa tipo dois, sem mobília de escritório, é de cerca de 300 meticais.
Foto: DW/L. da Conceição
Empreiteiro exige dinheiro de volta
O empreiteiro Ricardo António José reclamou, em 2015, a devolução do dinheiro que foi exigido pelo ex-chefe da Unidade Gestora Executora e Aquisições, Rodolfo Tambanjane. O montante pago por Ricardo José era referente ao valor da comissão de Tambanjane por ter selecionado esta empresa e não outra. Rodolfo Tambanjane foi preso, tendo saído depois de pagar caução. O caso continua em tribunal.