Passa esta sexta-feira (05.10) um ano desde que um grupo de homens armados iniciou ataques na província moçambicana de Cabo Delgado. Grupo ainda não fez qualquer reivindicação e nem deu a conhecer suas motivações.
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Os primeiros ataques deste grupo armado desconhecido tiveram como alvos três postos da polícia na vila de Mocímboa da Praia e estenderam-se já a outros três distritos nomeadamente Palma, Macomia e Nangade.
Durante as suas incursões nas aldeias, os atacantes têm usado armas brancas, nomeadamente catanas, e em várias ocasiões decapitaram as suas vítimas.
Vão ser ouvidos 214 arguidos
A justiça moçambicana iniciou esta quarta-feira (03.10) o interrogatório dos supostos atacantes. Serão ouvidos cerca de 214 arguidos indiciados da prática dos crimes de associação para delinquir, posse e uso de armas proibidas, roubo e fogo posto, entre outros.
Questionado pela DW África sobre a leitura que fazia sobre este tipo de ataques, o analista Calton Cadeado afirmou que "prefiro dizer que temos mais terror e criminalidade do que necessariamente um ato político de violência para direcionar ao Estado com uma reivindicação explícita".
Para o analista Egídio Vaz "este conflito surge na sequência dos esforços dos Governos moçambicano e tanzaniano em controlar um conjunto de atos criminosos tanto ao nível da caça furtiva, da exploração dos recursos do subsolo, da pesca, melhor controlo das fronteiras, da flora e da fauna no geral".
Insurgência sem cunho religioso
Egídio Vaz considera importante que tenha ficado claro que não se trata de uma insurgência de cunho fundamentalista religioso, como chegou a especular-se.Os ataques acontecem numa altura em que estão em curso investimentos de companhias petrolíferas (Anadarko, Eni e ExxonMobil) em gás natural na região, mas sem que até agora tenham entrado no perímetro reservado a estes empreendimentos.
Para o analista Calton Cadeado "entrar no perímetro de atuação desses projetos é bastante difícil. Se isso acontecer será por falha de segurança. Aquela é a zona mais "securitizada” de Moçambique neste momento.”
Contrariamente a algumas vozes que defendem uma intervenção estrangeira para ajudar a debelar o grupo, os dois analistas acham que não se justifica a avaliar pelos atuais resultados.
Ambos analistas consideram que há condições favoráveis para debelar o grupo internamente. "Estou a falar da vigilância popular que aumentou e da segurança que se intensificou. Depois estou a falar também do facto de que esta acção está confinada a província de cabo delgado", afirma Calton Cadeado ao apontar ainda que Moçambique e a Tanzânia aumentaram a cooperação para o combate ao crime transfronteiriço e não há muitos recursos nas zonas atingidas pelos ataques para o grupo se autosustentar economicamente.
Moçambique: Há 1 ano começaram os ataques em Cabo Delgado
Grupo vai desaparecer
Por seu turno, o analista Egídio Vaz é peremptório ao afirmar que o grupo vai desaparecer, tal como aconteceu em experiências similares com outros movimentos de insurgência como os naparamas, a rombézia e um outro criado em Dombe (Manica).
"Para a experiência história militar em Moçambique este grupo a ter que desvanecer, tal como os outros, não seria muita novidade.”
Quais as motivações dos ataques armados em Cabo Delgado?
Há mais de nove meses que o norte de Moçambique tem sido palco de violentos ataques armados. Suspeitas há muitas e até já há um estudo, mas até hoje não está claro quem são os atacantes e nem o que os move.
Foto: Privat
Mocímboa da Praia: Era uma vez um lugar pacato...
Até 5 de outubro de 2017 a província de Cabo Delgado vivia na tranquilidade, pelo menos aparentemente. Mas desde essa data tudo mudou quando cerca de 30 homens armados desconhecidos atacaram três postos da polícia do distrito de Mocímboa da Praia, matando cinco pessoas, entre elas polícias, e ferindo mais de dez. Na altura a Polícia disse que estava a investigar o caso.
Foto: DW/G. Sousa
O alastramento dos ataques
Dois meses depois Mocímboa viveu novos ataques e desde essa altura os ataques armados têm vindo a alastrarar-se muito rapidamente para outros distritos. Palma começou a ser alvo a partir de janeiro de 2018.
Foto: DW/Estácio Valoi
Marcha contra um "Islão que não existe"
Uma semana depois do primeiro ataque Mocímboa da Praia marchou pela paz. A iniciativa juntou líderes de diferentes religiões, cristã e muçulmana, estes últimos a maioria na região. Os atacantes, que se dizem muçulmanos, defendem uma visão radical do Islão. As autoridades do distrito consideram que esse é um "Islão "que não existe", e acusam "os bandidos" de usaram a religião como "capa".
Foto: Estácio Valoi
Os indícios que não terão sido tomados a sério
Já em 2016 supostos pregadores do Islão foram expulsos do país por estarem ilegais no país. Também já foi intercetado um angariador de crianças a cujos pais era prometida educação e bons tratos. Mas o destino, passando por Nampula, eram escolas corânicas com o fim de radicalização. Há também detenções de pessoas que propagam a insurgência contra as instituições do Estado.
Foto: Colourbox/krbfss
Detenções e excesso de zelo
Cinco dias após o início dos ataques, a Polícia já tinha detido 52 pessoas, o que assustou alguns líderes religiosos. Mas havia outros líderes que eram a favor, justificando a necessidade de denunciar malfeitores para "purificar fileiras", mesmo que isso leve a excesso de zelo. Mas a Polícia ainda não sabe dizer quem são os atacantes, justificando sempre que está a trabalhar no assunto.
Uma das maiores reservas de gás de mundo está em Cabo Delgado. Em Palma as multinacionais operam no setor. Em Mocímboa da Praia há minas de rubis que são bem cotados nos mercados internacionais. O IESE, MASC e um líder muçulmano realizaram um estudo na sequência dos ataques e concluiram preliminarmente que o objetivo dos atacantes é garantir o tráfico dos inúmeros recursos da região.
Foto: ENI East
Erik Prince, o salvador da pátria?
Empresário norte-americano na área de segurança tem interesses nas empresas envolvidas nas dívidas ocultas. Uma delas a Proindicus, criada para garantir a segurança nas águas moçambicanas. Por outro lado acredita-se que tenha criado uma empresa de segurança e estaria a contar como pagamento pelos serviços os dividendos do gás. Eric Prince já prestou serviços para o Governo dos EUA no Iraque.
Foto: Imago/UPI Photo
Deslocados internos: Existem ou não?
O medo dos violentos ataques fez com que a população fugisse. Mas as autoridades locais garantem que ela regressa às suas comunidades graças à patrulha feita pelo exército e afirmam que são poucas as deslocações. Entretanto, não há números exatos. Quem está a lidar com esses deslocados são as autoridades locais. Até ao momento nenhuma agência da ONU ou ONG humanitária foram chamados a intervir.
Foto: Privat
Participação das FDS na reconstrução
Embora as FDS, Forças de Defesa e Segurança, não consigam impedir as ações dos atacantes elas garantem o patrulhamento depois dos ataques. Também auxiliam diretamente na reconstrução das casas incendiadas pelos atacantes. Isso, segundo as autoridades, permite o retorno da população às suas aldeias.
Foto: Borges Nhamire
Participação das comunidades
Supõe-se que os jovens que integram os grupos armados sejam recrutados nas comunidades. As autoridades pedem, por isso, que as populações se mantenham vigilantes e denunciem qualquer ilícito ou movimentação suspeita.
Foto: Privat
Governador visita comunidades
Os assassinatos tornam-se cada vez mais bárbaros. Há decapitações com recurso à catanas e nem as crianças escapam. Na sequência do recrudescimento dos ataques e do nível de violência o governador da província de Cabo Delgado, Júlio Parruque, visitou familiares das vítimas.
Foto: Privat
Presidente de Moçambique em Cabo Delgado
A 29 de junho de 2018 o Presidente Filipe Nyusi esteve nos distritos alvo dos ataques. Pouco antes disso o estadista tinha sido criticado por alguns setores por nunca se ter pronunciado publicamente sobre os ações violentas. Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção contra ataques e mostrou abertura, convidando os atacantes para dialogar.
Foto: privat
Um mar de gente para ouvir Nyusi
Em Cabo Delgado, Filipe Nyusi foi ouvido por milhares de pessoas a quem exortou para que se distanciem de crenças religiosas que estariam na origem da instabilidade: "Estão a recrutar pessoas nos distritos costeiros. Estão a ir também a Nampula recrutar pessoas para vir morrer aqui. Não deixem que isso aconteça. Estão a semear luto nas vossas famílias. E são jovens que vocês conhecem, denunciem".