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Há interesse em travar a "perversão" da ajuda humanitária?

28 de maio de 2019

Quanto vale uma miséria no mercado internacional? Muito dinheiro que alimenta uma cadeia. Sociólogo fala em perversão da ajuda ligada à burocracia internacional. E há consequência para os países pobres: a dependência.

Symbolbild Rotes Kreuz in Aden, Jemen
Foto: Getty Images/AFP/M. Huwais

Os ciclones Idai e Kenneth que devastaram o centro e norte de Moçambique este ano trazem a ribalta questionamentos sobre o lado obscuro da ajuda humanitária internacional: Quanto vale uma miséria no mercado das contribuições? O que se pede em nome de um país? Quanto beneficia no final o necessitado e quanto é usado para salários e outros custos relativos aos expatriados que vão dar apoio? As respostas levam a sistematização do que se denomina de indústria da ajuda humanitária.

Silvestre Baessa trabalha na área da ajuda ao desenvolvimento e entende que "esta é uma indústria que sobrevive muito da incapacidade ou das grandes limitações, sobretudo os Estados do terceiro mundo, nas suas limitações em responder a situações dessa natureza e tudo indica que essas limitações de capacidade vão continuar por muito anos."

E lembra que "até porque na grande maioria dos países esta questão de prevenção, etc, não está ainda no centro da agenda de desenvolvimento desses países."

Mas do outro lado da moeda estão os governos dos chamados países em desenvolvimento. Tem sido prática de alguns potencializar as desgraças para angariar apoios. No caso de Moçambique, Baessa recorda que a tendência, desde os anos oitenta, tem sido de redução. Mas o hábito de estender a mão ainda está longe de ter terminado.

"O maior desafio é político e não técnico"

Vítimas do ciclone Idai na província de Manica, MoçambiqueFoto: DW/B. Jequete

Será que a ajuda humanitária limita os esforços dos governos, incluindo o moçambicano, de lutar por soluções?

O sociólogo Elísio Macamo acredita que, na verdade, falta é outra coisa: "Em algum momento temos de ter presença de espírito suficiente no nosso país para assumirmos os nossos problemas e é aqui onde precisamos de ajuda."

O académico identifica o problema: "Para mim o maior desafio é político, não técnico e nós temos que formular este problema para aqueles que nos querem ajudar para podermos manter uma certa autonomia na forma como tentamos resolver este problema."

Mas soberania só tem quem consegue dar conta dos seus assuntos. E ainda não é o caso de Moçambique, os ciclones vieram expor a incapacidade das instituições do Estado de responder ao desastres.

A cidade da Beira, uma das mais afetadas pelo ciclone Idai, transformou-se num acampamento de ONGs e os seus voluntários bem intencionados, e com elevado espírito de humanismo, deram o apoio que foi vital. E tudo ficou mais caro, os hotéis estavam lotados, surgiram oportunidades de negócios temporários, para alimentar esse ciclo. Mas foi tudo temporário, não proporcionaram reais oportunidades para os locais. Mas são essas ONGs que pedem fundos em nome de carenciados.

Há interesse em travar a "perversão" da ajuda humanitária?

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Angariadores de fundo profissionais

Silvestre Baessa lembra que "as indústrias têm profissionais, as ONGs internacionais muitas delas se profissionalizaram e, portanto, são uma fonte de sustento para essas ONGs."

Baessa também sublinha a responsabilidade dos governos: "Mas o grande desafio está também do lado do recetor da ajuda, como os Governos que estão expostos a essas situações e se reorganizam para reduzir o efeito dessa indústria, porque ela sobrevive porque efetivamente há carências muito grandes em países expostos a essa situação."

O caso da Organização Mundial da Saúde (OMS), que pertence às Nações Unidas mas também vive de contribuições, é exemplo de um mau uso de fundos coletados em nome de necessitados. A organização terá gasto cerca de 192 milhões de dólares em despesas com viagens em 2018, de acordo com a agência de notícias AP (Associated Press). Alguns funcionários terão viajado em classe executiva, violando regras internas sobre deslocações.

A perversão da ajuda ligada à burocracia internacional

Centro de tratamento de cólera da OMS em Pemba, após a passagem do ciclone KennethFoto: DW/D. Anacleto

Mas de uma forma geral, o sociólogo Elísio Macamo entende que o ciclo vigente visa essencialmente manter um sistema externo e não resolver os problemas: "Há uma burocracia internacional que vive disso. O principal problema é que há um processo de transformação de perversão do processo de ajuda que está muito ligada a esta burocracia internacional. E essa perversão consiste em, transformar esse tipo de situação em razão para a reprodução dessa burocracia."

E Macamo entende que os objetivos não são os que se enunciam: "Então, nós estamos aqui num ciclo vicioso muito perverso, em que este tipo de situação pode ser utilizada, menos para resolver os problemas, de facto, e mais para garantir a reprodução dessa burocracia internacional."

Decorre de 31 de maio a 1 de junho na cidade da Beira a conferência de doadores. Estima-se que Moçambique precisa de 3,2 mil milhões de dólares para a reconstrução. As autoridades deverão "estender a mão" e assim contribuir para carburar a chamada indústria da ajuda humanitária...

 

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