O criminalista António Frangoulis suspeita que a morte de Andre Hanekom não tenha sido natural devido aos antecedentes relacionados à sua detenção e morte. E garante que a desconfiança resolve-se com nova investigação.
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Causas naturais ditaram a morte do sul-africano Andre Hanekom, segundo a autópsia realizada a pedido da Procuradoria Geral da República (PGR) . O resultado foi divulgado no dia 1 de fevereiro pela PGR na cidade de Pemba.
Mas em Moçambique há quem suspeite da autópsia, tomando em conta alguns eventos. O criminalista António Frangoulis é um deles: "Depois de tudo que andou a volta do Hanekom, de ter sido aparentemente capturado e depois aparecer baleado e depois preso, é um crime de delito comum e aparece preso no estabelecimento comercial... Quer dizer, aqui há uma nebulosa de tal maneira grande que leva a especulação."
"Portanto, dizer que é uma morte natural é interrogável na medida em que houve muitas coisas antes, antecedentes que jogam a desfavor de uma morte natural", entende Frangoulis.
Acusações
Andre Hanekom, que viveu em Moçambique por mais de vinte e cinco anos, era acusado pelo Ministério Público de ser o "financiador, logístico e coordenador dos ataques armados" na província nortenha de Cabo Delgado.
Há quem suspeite da autópsia feita a Andre Hanekom
Segundo as autoridades, o objetivo era "criar instabilidade e impedir a exploração de gás natural". Terá sido capturado em sua casa em circunstâncias irregulares por militares e subsequentemente detido pela polícia.
O empresário sul-africano acabou por perder a vida no Hospital Provincial de Pemba no dia 23 de janeiro. Mas a viúva sublinha que na altura da detenção, em outubro de 2018, Andre Hanekom não tinha nenhum problema de saúde:
"Nada, nada, nada... Não tomava medicamentos para nada. [Gozava de boa saúde], trabalhava todos os dias com os trabalhadores. Só apanhava malária de vez em quando, mas de resto não tinha problemas. Não tinha diabetes, não tinha nada", conta Francis Hanekom.
Afinal Hanekom tinha ou não problemas de saúde?
Mas a autópsia indica que Hanekom padecia de encefalite e faleceu devido a um acidente vascular cerebral (AVC). Na entrevista que a viúva de Hanekom concedeu à DW África a 24 de janeiro disse que "Quando o seu marido entrou no hospital, a primeira suspeita do médico foi de que tinha sido envenenado".
Andre Hanekom terá entrado no hospital com um sangramento no estômago. Apesar da PGR ter garantido, na sequência da autópsia, que o sul-africano não teve morte provocada, António Frangoulis lembra que há ainda uma possibilidade de se esclarecer de forma mais convincente:
"Mas se foi envenenamento até cinquenta anos depois pode se fazer a investigação e chegar-se a conclusão. Agora, se ele foi vítima de tortura e depois maltratado, se não tiver sido devidamente tratado pelos serviços de saúde originando uma doença e consequentemente a morte, há muitas maneiras de se matar", esclarece o criminalista.
Nova autópsia na África do Sul?
O Governo sul-africano mandou investigar a morte Andre de Hanekom. A DW África contactou as autoridades sul-africanas, mas ainda não obteve uma reação. Francis Hanekom afirmou que os restos mortais do seu marido foram transladados para a África do Sul para que seja realizada uma nova autópsia.
Sobre um novo exame a DW África ouviu a Polícia da República de Moçambique (PRM), o porta-voz Inácio Dina não tinha fundamento para garantir a sua efetivação, mas com base na sua experiência explica que "depende muito da investigação, porque, por exemplo, se a investigação envolve as autoridades do país de onde o cidadão é originário penso que é uma questão de se subscrever."
Por outro lado, de acordo com Dina, "também depende da decisão do juíz da instrução ou das demandas do procurador, porque ele pode demandar fazer outras diligências que podem passar pela autópsia. É assunto de domínio técnico e a polícia não é muito competente nisso para aferir."
Novas suspeitas sobre Hanekom
E nesta segunda-feira (05.02.), durante uma parada policial em Nampula, o comandante-geral da Polícia anunciou a detenção de vários suspeitos, entre eles ugandeses, no caso dos ataques em Cabo Delgado.
Bernardino Rafael associou-os implicitamente a Hanekom, revelando que um dos suspeitos estaria encarregue de transferir dinheiro, e ainda encomendar "farinha da África do Sul", na qual "metia munições e explosivos caseiros" que passavam por Nampula.
Cabo Delgado: Datas marcantes dos ataques armados
Começaram em outubro de 2017 em Mocímboa da Praia e já se alastraram a outros três distritos moçambicanos. Os ataques armados na província de Cabo Delgado, que somam já mais de 130 mortos, ainda não têm solução à vista.
Foto: DW/G. Sousa
Outubro de 2017
Os primeiros ataques de grupos armados desconhecidos na província de Cabo Delgado aconteceram no dia 5 de outubro de 2017 e tiveram como alvo três postos da polícia na vila de Mocímboa da Praia. Cinco pessoas morreram. Cerca de um mês depois, a 17 de novembro, as autoridades dão ordem de encerramento a algumas mesquitas por se suspeitar terem sido frequentadas por membros do grupo armado.
Foto: Privat
Dezembro de 2017
Surgem novos relatos de ataques nas aldeias de Mitumbate e Makulo, em Mocímboa da Praia. Na primeira semana de dezembro de 2017, terão sido assassinadas duas pessoas. Vários suspeitos foram identificados, tendo os moradores dado conta que os atacantes deram sinais de afiliação muçulmana. Por sua vez, a polícia desmentiu o envolvimento do grupo terrorista Al-Shabaab nestes ataques.
Foto: DW/G. Sousa
Janeiro a maio de 2018
Apesar de ter começado calmo, 2018 revelar-se-ia um ano de terror na província de Cabo Delgado com os ataques a alastrarem-se a mais distritos. Dada a gravidade da situação, a Assembleia da República aprovou, a 2 de maio, a Lei de Combate ao Terrorismo. Mas, no final do mês, dia 27, novos ataques foram realizados junto a Olumbi, distrito de Palma. Dez pessoas morreram, algumas decapitadas.
Foto: Privat
2 de junho de 2018
Dias mais tarde, a televisão STV dava conta que as forças de segurança moçambicanas haviam abatido, nas matas de Cabo Delgado, oito suspeitos de participação nos ataques. Foram ainda apreendidas catanas e uma metralhadora AK-47, além de comida e um passaporte tanzaniano. Por esta altura, já milhares de pessoas haviam abandonado as suas casas, temendo a repetição dos episódios de terror.
Foto: Borges Nhamire
4 de junho de 2018
Ainda se "festejava" os avanços na investigação das autoridades, e consequente abate dos suspeitos quando, a 4 e 7 de junho, se registaram novos incêndios nas aldeias de Naunde e Namaluco. Sete pessoas morreram e quatro ficaram feridas. Foram ainda destruídas 164 casas e quatro viaturas. O mesmo cenário voltou a repetir-se a 22 de junho: um novo ataque na aldeia de Maganja matou cinco pessoas.
Foto: Privat
29 de junho de 2018
Fortemente criticado por não se ter ainda pronunciado acerca dos ataques, o Presidente moçambicano Filipe Nyusi resolve fazê-lo, em Palma, perante um mar de gente. Oito meses e 33 mortos [25 vítimas dos ataques e oito supostos atacantes] depois... Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção aos cidadãos e convidou os atacantes a dialogar consigo, de forma a resolver as suas "insatisfações".
Foto: privat
Agosto de 2018
Depois de, em julho, um novo ataque à aldeia de Macanca - Nhica do Rovuma, em Palma, ter feito mais quatro mortos, Filipe Nyusi desafiou, a 16 de agosto, os oficiais promovidos no exército, por indicação da RENAMO, a usarem a sua experiência no combate contra estes grupos armados que, mais tarde, a 24 do mesmo mês, tirariam a vida a mais duas pessoas, na aldeia de Cobre, distrito de Macomia.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Setembro de 2018
Setembro de 2018 voltava a ser um mês negro no norte de Moçambique. Ataques nas aldeias de Mocímboa da Praia, Ntoni e Ilala, em Macomia, deixaram pelo menos 15 mortos e dezenas de casas destruídas. No final do mês, o ministro da Defesa, Atanásio Mtumuke, afirmou que os homens armados responsáveis pelos ataques seriam "jovens expulsos de casa pelos pais".
Foto: Privat
Outubro de 2018
Um ano após o início dos ataques em Cabo Delgado, a polícia informou que os mais de 40 ataques ocorridos, haviam feito 90 mortos, 67 feridos e destruído milhares de casas. Foi também por esta altura que Filipe Nyusi anunciou a detenção de um cidadão estrangeiro suspeito de recrutar jovens para atacar as aldeias. No final do mês, começaram a ser julgados 180 suspeitos de envolvimento nos ataques.
Foto: privat
Novembro de 2018
Novos relatos de mortes macabras surgem na imprensa. Seis pessoas foram encontradas mortas com sinais de agressão com catana na aldeia de Pundanhar, em Palma. Dias depois, o cenário repetiu-se nas aldeias de Chicuaia Velha, Lukwamba e Litingina, distrito de Nangade. Balanço: 11 mortos. Em Pemba, o embaixador da União Europeia oferecia ajuda ao país.
Foto: Privat
6 de dezembro de 2018
A população do distrito de Nangade terá feito justiça pelas próprias mãos e morto três homens envolvidos nos ataques. Na altura, à DW, David Machimbuko, administrador do distrito de Palma, deu conta que "depois de um ataque, a população insurgiu-se e acabou por atingir alguns deles". Entretanto, o Ministério Público juntou mais nomes à lista dos arguidos neste caso. Entre eles está Andre Hanekom.
Foto: DW/N. Issufo
16 de dezembro de 2018
A 16 de dezembro, e após mais um ataque armado no distrito de Palma, que matou seis pessoas, entre as quais uma criança, Moçambique e Tanzânia anunciaram uma união de esforços no combate aos crimes transfronteiriços. 2018 chegava assim ao fim sem uma solução à vista para os ataques que já haviam feito, pelo menos, 115 mortos. O julgamento dos já acusados de envolvimento nos ataques continua.
Foto: privat
Janeiro de 2019
O novo ano não começou da melhor forma. Sete pessoas morreram quando um grupo armado intercetou uma carrinha de caixa aberta que transportava passageiros entre Palma e Mpundanhar. Na semana seguinte, outras sete pessoas foram assassinadas a tiro no Posto Administrativo de Ulumbi. Um comerciante foi ainda decapitado em Maganja, distrito de Palma, no passado dia 20.