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Moçambique com "risco de legalizar grupo de insurgentes"

11 de maio de 2022

Analista ouvido pela DW não se convence com as justificações para a criação de uma "força local". O jurista Custódio Duma frisa que Moçambique corre sérios riscos de introduzir insurgentes nas forças de defesa do país.

Präsident von Mosambik besucht Militärstützpunkt
Foto: Roberto Paquete/DW

O Governo moçambicano fez saber, esta segunda-feira (09.05), que está a trabalhar na criação de um "estatuto próprio" para enquadrar nos termos da lei as milícias designadas como"força local" que têm apoiado os militares no combate à insurgência em Cabo Delgado. 

No entanto, a medida não reúne consenso entre os analistas.

Em entrevista à DW, o jurista Custódio Duma explica que, apesar de existir uma brecha na lei que permite esta "legalização" – uma vez que a lei das forças armadas prevê que "é responsabilidade dos cidadãos resistir a qualquer forma de insurgência ou dominação" – há muitos riscos a ela associados, desde logo "porque não se sabe quem são os jovens que compõem" estas milícias.

"A ideia de que são grupos que participaram na luta de libertação para mim não vinga, tendo em conta a idade. São pessoas idosas, não acredito que estejam interessadas neste tipo de movimentação", frisa o analista, que acrescenta que o governo corre o risco de estar a legalizar um grupo, onde estão integrados "insurgentes".

DW África: O governo moçambicano diz que está a trabalhar na legalização de milícias em Cabo Delgado. Como jurista, que análise faz deste anúncio?

Custódio Duma (CD): Eu penso, de facto, que essa é uma questão muito séria, por causa do histórico que o país tem de grupos armados praticamente não identificados. Penso que, por um lado, é importante que todos os grupos armados sejam devidamente identificados e enquadrados nos termos da lei, mas, por outro lado, é muito importante também pensar o risco que pode acarretar formalizar grupos que são insurgentes ou que são contra a paz e a segurança nacional.

Ataques terroristas afetam milhares de pessoas no norte de MoçambiqueFoto: Igor G. Barbero/MSF

DW África: Não deveria ser papel do Estado garantir forças militares suficientes para combater a insurgência?

CD: Sim. De facto, a obrigação, no sentido mais estrito da coisa, cabe ao Estado através das forças existentes. E notou-se, de facto, em algum momento que as Forças de Defesa e Segurança tiveram grandes dificuldades de conter a situação, tanto que temos o suporte da SADC e outros países. Mas há um artigo da lei das Forças Armadas que dá conta também que é da responsabilidade dos cidadãos resistir a qualquer insurreição ou tentativa de invadir o território nacional por forças externas. Esta legislação dá espaço para que em momentos concretos grupos de cidadãos possam levantar-se para defender a soberania nacional. Penso que é por aí que estas forças foram permitidas pelo Governo.

DW África: A legalização apenas e excecionalmente para este caso em específico poderia ser uma solução?

CD: O que a lei diz, na verdade, é que é permitida aos cidadãos resistir a qualquer forma de dominação e de insurgência. Penso que estes grupos surgiram antes de serem formalizados pelo Governo, com interesses de defender as suas aldeias. Esses grupos podiam ser muito bem aproveitados pelas forças de segurança. Daí veio esta possibilidade de poderem ser legalizados.

Membros da força da SADC destacados em Pemba, Cabo DelgadoFoto: DW

DW África: Quais os riscos associados a esta legalização?

CD: Primeiro, é que estaríamos aqui a formalizar grupos que não conhecemos. Porque a ideia de que são grupos que participaram na luta de libertação nacional não vinca muito tendo em conta a idade. Não acredito que sejam pessoas idosas. Então, são grupos de jovens e não sabemos quem são. O risco é grande. Pode-se incluir lá dentro os próprios insurgentes ou outros que protagonizam ataques, que nós sabemos quem são. Por outro lado, temos a questão dos Direitos Humanos: essas pessoas não vão passar por uma formação, treinamento militar e nem vão ter uma formação ideológica. O que vai acontecer é que vão atuar em campo de batalha violando todo o tipo de regulamentações, de normas e convenções aprovadas pelo Estado de Moçambique. E se a questão da insurgência for controlada para onde vão essas pessoas? Voltam para as suas comunidades com armas e de uma forma descontrolada? Então, podem elas mesmas também transformar-se em grupos que podem assaltar cidadãos.

DW África: Há analistas que defendem que a falta de enquadramento legal destes grupos acarreta também consequências no que respeita à responsabilização por ações no terreno…

CD: Mesmo com as Forças de Defesa e Segurança e as várias acusações que tivemos no passado, algumas com provas sobre violações dos Direitos Humanos, nunca foi possível responsabilizá-las. Então a legalização ou não destes grupos não vai permitir responsabilizá-los. É uma questão muito difícil. Tanto que nestes ataques que foram protagonizados pela RENAMO, por exemplo, em 2012, 2013 e 2014, tivemos como resultado a lei de amnistia. Há aqui uma tendência de proteger as Forças de Defesa e Segurança, tanto as formalizadas como as não formalizadas.

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