Dívidas ocultas: Inês Moiane nega suborno da Privinvest
Leonel Matias (Maputo)
9 de setembro de 2021
A secretária do então Presidente Armando Guebuza admitiu ter recebido 750 mil euros da empresa Privinvest, mas rejeita a acusação de suborno. A defesa quis, em vão, que o juiz banisse a transmissão em direto da audição.
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O julgamento das dívidas ocultas, que lesaram o Estado moçambicano num montante equivalente a cerca de dois mil milhões de euros, entrou, esta quinta-feira (09.09), no 11º dia de julgamento, com a audição da ré, Maria Inês Moiane Dove, ex-secretária do antigo Chefe de Estado, Armando Guebuza.
Juíz "chumba" pedido de "julgamento privado" a Inês Moiane
O advogado de Inês Moiane, Alexandre Chivale, requereu a suspensão da transmissão em direto das imagens e áudios da sessão, alegadamente em defesa da honra e reputação da sua constituinte. O pedido foi rejeitado pelo juiz da causa, que reiterou a decisão tomada aquando do início do julgamento.
“O tribunal não vai tomar outra posição. Até terminar este julgamento, o tribunal não vai dizer que esta audiência não é pública, que não pode ser transmitida. Mesmo se esse requerimento for feito mil vezes, o tribunal dirá mil vezes a mesma coisa”, disse o juiz Efigénio Baptista
A ré é acusada de ter recebido 750 mil euros da empresa Privinvest, valendo-se das suas funções e a pretexto de facilitar encontros entre o então Presidente Guebuza e Jean Boustani, daquela empresa, que tem sido associada às dívidas ocultas.
Segundo a acusação, com vista à receção do valor, Inês Moiane formou um grupo, juntamente Jean Boustani, Sérgio Namburete e Elias Moiane, elaborando um plano que consistia em introduzir dinheiro de suborno no país para seu interesse e proveniente do grupo Privinvest.
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Dinheiro? Sim. Suborno? Não
A ré nega esta interpretação, afirmando: "Eu não fui subornada." Moiane justificou que recebeu o dinheiro da Privinvest pela venda de um terreno de que é proprietária na cidade de Maputo, com vista à construção de um hotel, projeto que nunca foi concretizado.
As dívidas ocultas estão relacionadas com um projeto de monitoria da zona exclusiva marítima no norte do país. Inês Moiane explica também que participou nas reuniões de preparação do projeto do Comando Conjunto, que eram organizadas por todas as forças de defesa e segurança, incluindo o Ministério da Defesa, cujo titular era, então, o atual Presidente de Moçambique, Filipe Nyusi.
A sessão desta quinta-foi ainda marcada por divergências de opiniões em relação às motivações do presente julgamento. O advogado, Isàlcio Mahanjane, admitiu que o Tribunal "pode não ser político", mas…
"Nós achamos que este processo tem sim motivações políticas."
O juiz da causa, Efigénio Baptista, rebateu, afirmando que o tribunal apenas pretende julgar se há ou não crime, que tipo de crime e quais os agentes envolvidos.
"Peço que não tragam para esta sessão de julgamento assuntos políticos. Aqui a questão que se coloca é saber se determinados atos foram praticados, se são crime, quem foram os seus agentes e quais são as suas responsabilidades."
Julgamento das dívidas Ocultas: "Outras coisas..."
O julgamento do caso das dívidas ocultas revela aos poucos mais informações sobre o que muitos consideram o maior escândalo de corrupção de Moçambique. Conheça as peculiaridades do caso e dos seus personagens.
Foto: Fotolia/Carlson
O caso
O escândalo das dívidas ocultas veio ao de cima entre 2013 e 2014. É a maior fraude financeira de Moçambique e prejudicou a nação e a imagem do país. Em causa estão cerca de 2 mil milhões de euros. O esquema tem como "cabeças" altos funcionários do Estado e trabalhadores de bancos como o Credit Suisse. O julgamento começou a 23 de agosto e conta com 19 arguidos, 70 testemunhas e 69 declarantes.
Foto: Roberto Paquete/DW
Julgamento nas instalações de uma cadeia
A falta de capacidade para albergar muita gente terá levado o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo a optar pelo Estabelecimento Penitenciário Especial de Máxima Segurança da Machava para o julgamento. E é na B.O., como é conhecida a cadeia, onde estão detidos a maioria dos envolvidos no caso. Alguns dos julgamentos mais mediatizados do país costumam acontecer aqui.
Foto: Romeu da Silva/DW
Juiz da causa é de índole duvidosa?
Efigénio Baptista não tem percurso profissional imaculado, foi julgado e condenado duas vezes por ameaças e ofensas corporais num caso de abuso de poder em Manica. Também terá sido alvo de contestação popular em Sofala, que culminou com a queima da sua casa. Alguns setores questionam a escolha do juiz, defendem que deveria ter sido escolhido um juiz sénior para o caso. O "juiz júnior" tem 42 anos.
Foto: Romeu da Silva/DW
"Alérgico a corrupção" e sujeito a pressão
Sobre as condenações, o juiz Efigénio Baptista, numa entrevista ao "O País" esclareceu: "Mas eu recorri da decisão e o Tribunal de Recurso da Beira anulou-a. Por isso, eu não tenho cadastro criminal". Baptista terá estado ainda sob pressão por ser o juiz do caso mais "cabeludo" do momento. A imprensa moçambicana chegou a noticiar sobre possíveis ameaças ao juiz.
Foto: Romeu da Silva/DW
Ordem dos Advogados em representação do povo
A Ordem dos Advoagados de Moçambique (AOM) intervém no julgamento na qualidade de assistente e pretende auxiliar o Ministério Público. O objetivo é assegurar que o povo moçambicano seja informado, atualizado e esclarecido sobre os contornos do processo. São sete representantes, entre eles os ex-bastonários Gilberto Correia e Flávio Menete.
Foto: Romeu da Silva/DW
Bendita seja a mulher entre os homens...
Ana Sheila Marrengula é representante do Ministério Público no julgamento. É a única mulher entre o jurado, o que desencadeou queixas de falta de inclusão. É apreciada pelas suas questões consideradas pertinentes, mas igualmente criticada pelos seus modos pouco profissionais de questionar os réus. Pede indemnização civil ao Estado de cerca de três mil milhões de dólares acrescidos de juros.
Foto: Christoph Hardt/picture-alliance/Geisler-Fotopress
O uniforme da discórdia
No primeiro dia do julgamento os réus não se apresentaram de uniforme prisional, como é prática no país e conforme solicitação do juiz. A defesa contestou a exigência, alegando que a lei não obriga a isso, mas no final valeu a ordem de Efigénio Baptista que defende "tratamento igual" entre os presos. Na terça-feira (24.08) a cor laranja dominava a sala de audiências na B.O.
Foto: Romeu da Silva/DW
Alexandre Chivale, um advogado (in)suspeito?
Advogado da família Guebuza é a "sensação" entre os causídicos. Para além da sua postura destemida, e até entendida como de afronta, Chivale marcou o primeiro dia do julgamento. É que é administrador da Txopela, empresa suspeita do seu constituinte, Carlos do Rosário. E mais: ocupa uma das casas supostamente adquiridas com o dinheiro do calote. Tribunal deu-lhe 72 horas para deixar o imóvel.
Foto: privat
A memória curta de Cipriano Mutota
Foi a estreia do banco dos réus. Mutota revela que foi traído pelos seus parceiros do negócio na partilha dos "lucros" e não ficou contente. E não se lembra do destino dado a cerca de 656 milhões de euros que terá recebido como "luvas". O ex-diretor do Gabinete de Estudos da secreta praticamente confirmou a acusação do Ministério Público. Diz que Nyusi e Guebuza aprovaram o projeto.
Foto: Romeu da Silva/DW
Manuel Chang regressa no momento "H"
Justamente no dia do arranque do julgamento, a África do Sul anunciou a tão esperada extradição de uma das peças chave do crime, Manuel Chang. O juiz decidiu que o ex-ministro das Finanças será ouvido "na qualidade de declarante, quando estiver no território nacional", em resposta ao pedido da Ordem dos Advogados de Moçambique e reafirmado pelo Ministério Público e pelos advogados dos 19 arguidos.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
O "massagista" do sistema
Foi o lobista do negócio entre o Estado e a Privinvest, identifica-se como facilitador. Num dos emails trocado com a Privinvest mencionou uma "massagem ao sistema", mas no julgamento negou. Recebeu de Jean Boustani cerca de 8,5 milhões de dólares e recusa-se a devolver o valor, alegando que é resultante do seu trabalho. É visto como astuto, embora se tenha destacado por contradições no tribunal.
Foto: Romeu da Silva/DW
A amnésia da "cinderela"
É o terceiro réu a sentar-se no banco. Ndambi é filho do ex-Presidente Armando Guebuza é foi apelidado de cinderela pelos seus parceiros de negócios por ser lento a agir. Terá recebido 33 milhões de dólares de luvas de Jean Boustani, negociador da Privinvest. Não se recorda de quase nada que é questionado pelo juiz, diz que não tem memória de elefante. Foi um dos pivôs no tráfico de influência.