Um incêndio destruiu parcialmente, no domingo, a área de informática e outras partes do Gabinete Central de Combate à Corrupção, em Maputo. Determinados setores desconfiam que se trata de mais uma "queima de arquivo".
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De acordo com a imprensa moçambicana, um curto-circuito esteve na origem do incidente. A DW África procurou insistentemente ouvir a Procuradoria-Geral da República (PGR), órgão onde está integrado o Gabinete Central de Combate à Corrupção (GCCC), mas não obteve resposta.
Contudo, a sociedade suspeitou imediatamente que se trata de queima de arquivo. O diretor da ONG Centro para Democracia e Desenvolvimento (CDD), Adriano Nuvunga, é um deles: "Sim, tenho a mesma desconfiança de que se trata de queima de arquivo, queima de processos. Tem de haver processos para que se possa dar seguimento a julgamentos", diz.
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"Há muitos casos que estão no GCCC de governantes em exercício, sobretudo, no primeiro mandato do Presidente Filipe Nyusi. Há muitos casos de gente poderosa que está no atual Governo com processos em andamento e que têm interesse em ver o GCCC queimado", acrescentou.
A ser verdade, não seria o primeiro caso de incêndio suspeito. Em 2007, chamas destruíram parcialmente o Ministério da Agricultura, que na altura geria o PROAGRI (Programa de Desenvolvimento Agrário), um projeto que se beneficiou de fundos "gordos" de doadores internacionais e que foi altamente criticado devido aos seus fracos resultados. Até hoje, não se conhece o resultado da investigação ao incêndio.
Já sobre o incêndio no GCCC, Leonel Muchina, porta-voz do comando da PRM, disse que a polícia não foi notificada sobre o incidente. "Nós, como autoridade policial na cidade de Maputo, não fomos notificados para assistir nenhum caso de incêndio no GCCC e esta notificação não foi apresentada ao Serviço Nacional de Salvação Pública local, ao nível da cidade de Maputo. Portanto, não podemos confirmar a ocorrência do incêndio naquela instituição pública", afirmou.
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Desconfiança nas autoridades
Mesmo que as autoridades policiais tivessem o caso em mãos, a credibilidade da polícia está tão em baixa que os cidadãos já não confiam nela. Adriano Nuvunga é um deles e baseia-se em fatos anteriores para alimentar a descrença.
"Não acredito que há de haver uma investigação séria a este processo. Na realidade, há que desconfiar um pouco de tudo. Já vi caso em que entidades põem fogo em conivência com pessoas à frente do processo. Este fogo foi colocado em plena luz do dia, como isso é possível? O caso teria de ser investigado por outra entidade mais independente e profissional", afirmou.
Depois da experiência com o Ministério da Agricultura, terão as instituições do Estado começado a fazer cópias de segurança dos seus arquivos? O diretor do CDD não acredita que se tenha apreendido a lição.
"Não sei se o GCCC teria feito backup. Normalmente, os tribunais não são muito organizados neste domínio. O Estado não tem os seus files (arquivos) adequadamente organizados. Isso pode ter a ver com a preocupação dos próprios tribunais em se manter como elo fraco do sistema de integridade. E é verdade que o poder Executivo não está interessado em capacitar melhor e nem os próprios estão interessados em fazer face ao crime organizado", sublinhou Adriano Nuvunga.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)