Lei do Direito à Informação não é cumprida em Moçambique
Ernesto Saúl (Maputo)
8 de julho de 2020
Sociedade civil moçambicana e magistrados consideram haver sérios problemas de transparência no país. Relatório de monitoria lançado em Maputo comprova deficiências de implementação da lei.
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Os resultados do relatório de monitoria da implementação da Lei do Direito à Informação, lançado esta quarta-feira (08.07), em Maputo, não deixam dúvidas: apesar da lei aprovada em 2014, prevalecem as deficiências das instituições públicas moçambicanas em responder atempadamente aos pedidos de informação.
O Centro de Estudos e Pesquisa de Comunicação Sekelekani, o MISA-Moçambique, a Ordem dos Advogados e o Observatório do Meio Rural puseram dez instituições à prova com pedidos de informação. Dentro dos 21 dias previstos por lei e dois fora deste prazo, apenas uma respondeu. Não houve resposta quando foram interpostos os recursos junto do Tribunal Administrativo.
Para Tomás Vieira Mário, da organização não-governamental Sekelekani, em causa estão o desconhecimento da lei e a falta de vontade das instituições.
"É até 21 dias. Não é esperar 21 dias. A interpretação que se tem é de que 'tenho 21 dias'. Não, tem que responder logo. Se não puder fazê-lo dentro desse tempo, há toda uma interpretação que deve ser ensinada para que não haja tais interpretações erradas, porque a informação pública é urgente", sublinha.
Para João Nhampossa, da Ordem dos Advogados, o problema resulta de ambiguidades na interpretação da lei e dos papéis dos intervenientes na divulgação de informação de interesse público.
"Fizemos um pedido à Assembleia da República para que nos facultasse informação relevante sobre interpretação autêntica da norma sobre o segredo do Estado, que é ambígua, ininteligível e indeterminada", explica.
"Não se compreende o alcance desta norma e os seus limites. De tal forma que pedimos esclarecimentos, mas a Assembleia da República não se dignou a responder", critica.
Falta de transparência
O procurador-geral adjunto da primeira seção do Tribunal Administrativo, Taibo Mucobora, lamenta a falta de transparência nas instituições públicas.
"Há preocupação quando há solicitações e não há respostas em tempo que a lei prevê. A lei obriga aqueles que são dirigentes a facultar o pedido de informação, respeitando as restrições que a lei prevê. Isto é o que se espera de uma sociedade democrática como a nossa", diz.
No entender de Eduardo Castiano, da Comissão Nacional dos Direitos Humanos, a existência da Lei do Direito à Informação, em si, constitui um grande passo para o país. Mas ainda há trabalho a fazer.
"Primeiro, não é preciso que o cidadão explique a finalidade da informação. Segundo, deve-se clarificar ao nível da jurisdição administrativa qual deve ser o meio processual mais apropriado, porque, atualmente, todos os meios são possíveis", afirma.
"Quanto ao prazo para a disponibilização da informação, a nossa lei prevê 21 dias. O que deve ser melhorado é que a nossa lei não prevê nenhum mecanismo excepcional, tal como a lei africana modelo em que, em situações excepcionais, encurta-se o tempo de resposta para 48 horas", acrescenta.
A questão da parcialidade da Justiça a favor das instituições públicas é outra preocupação da sociedade civil, que aponta o dedo à Procuradoria-Geral da República (PGR) por alegadamente defender o Governo mesmo em cenários claros de infração.
Moçambique: O que foi feito ao dinheiro destas obras?
É a pergunta de vários cidadãos de Massinga, província moçambicana de Inhambane. Cada vez há mais obras na vila, que nunca chegam ao fim.
Foto: DW/L. da Conceição
Obras atrasadas
As obras arrastam-se no município de Massinga, sul de Moçambique, e os cidadãos querem saber porquê. Os empreiteiros ganham obras de construção civil na região, mas muitas são abandonadas após ser pago 50% do dinheiro para a sua execução, segundo o Conselho Municipal. A Justiça já notificou alguns empreiteiros para explicarem os atrasos, mas as estradas e avenidas continuam em péssimas condições.
Foto: DW/L. da Conceição
Mercado por construir
A União Europeia e a Suécia financiaram a construção de um mercado grossista em Massinga. Segundo a placa de identificação, as obras começaram a 28 de setembro de 2017 e deviam ter terminado a 28 de janeiro, mas até agora estão assim. O município remete as responsabilidades para o empreiteiro; contactada pela DW, a empresa negou explicar o motivo do atraso nas obras.
Foto: DW/L. da Conceição
Jardim perdido
O Conselho Municipal de Massinga gastou mais de 1,5 milhões de meticais (20.000 euros) para construir aqui um jardim etnobotânico - um projeto com a participação do Governo central e da Universidade Eduardo Mondlane. Mas as plantas colocadas aqui desapareceram e o terreno está abandonado. O Município promete que o jardim voltará a funcionar em breve, embora falte água para regar as plantas.
Foto: DW/L. da Conceição
Estrada sem fim à vista
Os trabalhos neste troço de cinco quilómetros duram há mais de três anos. O município de Massinga culpa o empreiteiro pela demora; a DW tentou contactar a empresa, sem sucesso. Segundo o município, aos 4,8 milhões de meticais (63 mil euros) pagos inicialmente ao empreiteiro foram acrescentados outros 3,9 milhões (51 mil euros) para continuar as obras, que deviam ter terminado em outubro.
Foto: DW/L. da Conceição
Estrada acabada?
25 de setembro de 2017 era a data de "entrega" desta estrada, segundo a placa de identificação. Mas a via, que parte da EN1 até ao povoado de Mangonha, continua em estado crítico. A obra está orçada em cerca de 1,9 milhões de meticais (quase 25 mil euros). Tanto a Administração Nacional de Estradas, delegação de Inhambane, como o Conselho Municipal recusaram comentar este assunto.
Foto: DW/L. da Conceição
Mais obras por acabar
Os trabalhos da pavimentação desta avenida também já deviam ter terminado, mas as obras continuam. O custo: cerca de 3,9 milhões de meticais (cerca de 51 mil euros). Mas a avenida continua por pavimentar. A DW tentou perguntar o motivo da demora à empresa Garmutti, Lda, responsável pela execução da obra, sem sucesso.
Foto: DW/L. da Conceição
Falta transparência
Segundo o regulamento de contratação de empreitadas de obras públicas, nos locais de construção devem constar as datas de início e do término dos trabalhos. Mas não é isso que acontece aqui. Segundo um relatório do governo local, um ano depois desta obra começar, só 30% dos trabalhos foram concluídos. O empreiteiro está incontactável; a empresa não tem escritório em Inhambane.
Foto: DW/L. da Conceição
Fatura sobre fatura
O orçamento inicial para os trabalhos de reabilitação no Hospital Distrital de Massinga rondava os dois milhões de meticais (cerca de 26 mil euros), mas, meses depois, o custo aumentou 600 mil meticais (8.000 euros).
Foto: DW/L. da Conceição
Edifício milionário
Este edifício custou à edilidade mais de 40 milhões de meticais (acima de 500 mil euros), sem contar com os equipamentos novos - cadeiras, secretárias ou computadores. Alguns empreiteiros acham estranho que tenha custado tanto dinheiro, porque o material de construção foi adquirido na região. Em resposta, o município justifica os custos com a necessidade de garantir o conforto dos funcionários.
Foto: DW/L. da Conceição
Adjudicações continuam
O município de Massinga continua a adjudicar novas empreitadas apesar de muitas obras não terem terminado. Vários residentes dizem-se enganados pelo edil, Clemente Boca, por não cumprir as promessas eleitorais.
Foto: DW/L. da Conceição
Campo por melhorar
Todos os anos, a Assembleia Municipal de Massinga aprova dinheiro para melhorar este campo de futebol, mas o campo continua a degradar-se. Segundo membros da assembleia, o dinheiro "sai" dos cofres públicos, mas nada muda e os jogadores "sempre reclamam". Em cinco anos, terão sido gastos 30 mil meticais (cerca de 400 euros). Nem o edil, nem os gestores do campo dizem o que foi feito ao dinheiro.
Foto: DW/L. da Conceição
"Fazemos sozinhos"
Devido à demora na construção de mercados e bancas, os residentes da vila de Massinga têm feito melhorias por conta própria, para manterem os seus produtos em boas condições. Questionados pela DW, os vendedores disseram que preferem "fazer sozinhos", porque se esperarem pelo município nunca sairão "do sol, da chuva e da poeira".