Moçambique não controla empresas extrativas
25 de julho de 2018Em Moçambique, a tributação das empresas de petróleo e gás preocupa os observadores económicos e a sociedade civil. Tudo indica que o Estado moçambicano está a perder muito dinheiro porque não monitoriza de forma eficaz a indústria extrativa que opera no país.
Num relatório recentemente publicado, o Tribunal Administrativo de Moçambique (TA) acaba de dar razão a essas vozes críticas. Segundo o documento, o Instituto Nacional de Petróleos (INP), entidade reguladora, de facto, não tem capacidade para controlar as operações petrolíferas no país, desconhecendo, por exemplo, os custos suportados pelas empresas do setor.
O relatório do TA refere ainda que o regulador do setor dos petróleos é também incapaz de realizar auditorias regulares às empresas da indústria extrativa, desconhecendo os custos reais das atividades de pesquisa e outros gastos operacionais.
A DW África entrevistou Fátima Mimbire, investigadora do Centro de Integridade Pública (CIP), organização não-governamental que trabalha em prol da transparência na vida política e económica do país, que concorda que o Estado está a perder receitas "significativas" por falta de boa monitorização e que resposta do Estado, por exemplo, ao contratar uma empresa de certificação de custos, peca por tardia.
DW África: Como comenta a informação revelada no relatório do Tribunal Administrativo?
Fátima Mimbire (FM): Estamos perante uma situação em que temos um regulador que só o é nominalmente, porque ele é subordinado ao ministro da área dos recursos minerais. Ora, a situação desta entidade, à partida, é politicamente frágil. E o que é mais importante é que esta entidade tecnicamente tem desafios muito grandes. Os contratos de concessão estabelecem-se e o Governo deve fazer a certificação dos custos por via do regulador, neste caso, o Instituto Nacional de Petróleo e esses custos devem ser certificados num período de três anos. Portanto, se o Governo não fizer a certificação, as empresas vão reivindicar aqueles custos como sendo custos incorridos, ainda que as empresas, por exemplo, tenham inflacionado esses custos, ou estejam a incluir no pacote de custos a recuperar, custos que não são legalmente recuperáveis.
DW África: Fala de custos não recuperáveis legalmente, pode dar alguns exemplos? A que tipo de custos se refere?
FM: Imaginemos, se a empresa inclui no seu lote de custos viagens de férias a uma ilha qualquer ou a aquisição de uma casa para um gestor sénior da empresa, o Estado vai pagar por aquilo que não deveria pagar. Isto é um problema para o qual o Tribunal Administrativo tem estado a chamar atenção desde 2015.
DW África: O que é que o Governo de Moçambique diz sobre esse problema?
FM: O Governo, através da Conta Geral do Estado de 2017, informou que já contratou uma empresa que vai fazer a certificação dos custos. Mas, a questão que se coloca em relação a isso é 'porquê só agora?'. Como país, nós não nos estamos a preparar.
DW África: Portanto, o Tribunal Administrativo de Moçambique tem razão quando critica a entidade reguladora?
FM: O Estado está a perder significativas receitas por causa da falta de capacidade do regulador de monitorar as atividades do setor.
DW África: O financiamento do INP, entidade reguladora, está assegurado de forma suficiente, ou seja, o INP tem capacidade financeira para executar o seu trabalho?
FM: O INP recebe, em média, por ano, 5 milhões de dólares resultantes daquilo que são as contribuições das multinacionais petrolíferas para capacitação institucional, desenvolvimento institucional, etc.. Como é que o Instituto Nacional de Petróleo hoje vem dizer-nos que não tem capacidade financeira e humana? Se tem 5 milhões de dólares, tem de justificar primeiro para onde é que vão esses 5 milhões de contribuições. O INP, como regulador que é, deve informar o que está a fazer com esse dinheiro.
DW África: Fala-se também de problemas ambientais provocados pelas empresas, que depois nem sempre indemnizam o Estado moçambicano. Houve, inclusive, um caso envolvendo a Anadarko em 2014. O que é que se pode dizer sobre este e outros casos?
FM: A Anadarko reportou um derrame nas substâncias porque estava a fazer uma prospeção, e a empresa só reportou ao regulador meses depois. E o regulador, para piorar, foi lá fazer a monitoria na avioneta da empresa, portanto, não foi feita auditoria, simplesmente, foi informado sobre o que estava a acontecer. O país, se realmente quer tirar ganhos significativos da exploração de recursos, precisa reorganizar-se institucionalmente, rever o papel do INP, restruturar o INP, garantir que as autoridades da indústria extrativa funcionem, mas funcionem de forma independente e com competência.
DW África: Os problemas do regulador do setor dos petróleos têm a ver apenas com incapacidade, falta de qualidade, ou haverá também casos de corrupção?
FM: Obviamente que há de haver sempre um risco de corrupção. Há risco de conflitos de interesses em decorrência da forma como o INP funciona, do ponto de vista da regulação.
DW África: E as empresas da indústria extrativa são todas iguais, ou haverá uns mais sérios e mais rigorosos e outros menos rigorosos na apresentação dos seus custos?
FM: Nunca se sabe quem é sério e quem não é sério. Se formos procurar experiências pelo mundo, havemos de encontrar casos de algumas empresas que estão ligadas a escândalos de corrupção a nível internacional. Então, à partida podemos concluir que essas empresas provavelmente não são tão sérias a apresentar os seus custos.