Ataques em Palma podem repelir investimento, mas não os de grande envergadura como a exploração de gás, considera Paulo Wache. O especialista em geopolítica acredita que visam criar tensão e desestabilizar o Governo.
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Palma e Nangade, na província de Cabo Delgado, norte de Moçambique, são os novos alvos de ataques armados de homens desconhecidos. Cinco mortos e cerca de onze feridos é o balanço dos ataques realizados no domingo (14.01.) no distrito de Palma. Além disso, vandalizaram cerca de sessenta casas, queimaram algumas barracas e atacaram edifícios do Estado. Já no distrito de Nangade, um assalto a um centro de saúde, nesta segunda-feira (15.01.) resultou em dois mortos, uma das vítimas é médico. Os atacantes vandalizaram o posto de saúde, queimaram alguns bens e roubaram medicamentos. Sobre as proporções que o caso está a tomar, a DW África entrevistou o analista e docente de geopolítica no ISRI, Instituto de Relações Internacionais em Moçambique, Paulo Wache.
DW África: Achava aceitável, que volvidos mais de três meses desde o primeiro ataque na província, que a Polícia não tenha esclarecido quem são os atacantes?
Paulo Wache: Eu penso que deve estar a ser feito um exercício, de facto, de forma a esclarecer de forma cabal, mas é preciso dizer que há outros fenómenos adjacentes a este que aconteceram mesmo antes de outubro, que aconteceu, por exemplo, em Niassa, o ataque à esquadra, que foi prontamente esclarecido porque era um caso local, era um caso isolado.
Estes casos são sempre difíceis de explicar, presumo que provavelmente haja muita dificuldade de identificar os atores, justamente porque não há, provavelmente, elementos suficientes para que a polícia se pronuncie. Não tendo esses elementos suficientes, eu penso que é por isso que não se pronuncia, para não criar pânico desnecessário, a ponto de ficarmos numa situação de insegurança. Eu penso que o elemento central aqui é identificar quem são os autores, identificar as razões, identificar a ideologia, se existe alguma ideologia por detrás, todos esses elementos. E provavelmente, levam um pouco mais de tempo para esclarecer.
Eu penso que também deve haver um certo oportunismo de grupos, e isso também pode estar a dificultar essa identificação, de grupos que se percebendo este primeiro ataque, também repliquem estas abordagens para usufruto individual, em forma de pequenos grupos deslocalizados e descomandados. Não acredito que seja uma coisa organizada por um grupo permanente, que tenha uma liderança coerente para, de facto, efetuar os ataques que realizam, mas há motivações momentâneas, olhando para as oportunidades. Eu penso que até agora se trata de crimes que se replicam por imitação, talvez porque, até agora, não estão a ser sancionados aqueles que deveriam ser sancionados.
DW África: Então a soberania do país ainda não está em risco?
PW: Não. O que eu penso é o seguinte: os níveis de segurança são vários. Eu vou aqui identificar dois dos principais: o principal nível de segurança, nós podemos ver agora, é o nível de segurança pública, que lida com o crime. Quer dizer, o Governo moçambicano não está a lidar com inimigos. Por outras palavras, quando se envolve o exército, é quando estamos diante de uma abordagem contra o inimigo, e é aí onde entra o nível de segurança do Estado. Se a segurança do Estado é ameaçada, quem responde à ameaça de segurança do Estado são as forças armadas. Neste momento, o Governo considera estes fenómenos como fenómenos criminosos, como perturbadores da ordem pública. Porque se for encarado como ameaça à segurança do Estado, a força envolvida não será a polícia, serão as forças armadas e as forças de inteligência do Estado.
DW África: Para os governantes moçambicanos, Palma representa o futuro da economia do país. Atingir este alvo faz com que estes ataques passem a ser tratados de uma outra maneira?
PW: Penso que Palma deve ser [tratado] a par de Moçambique todo. Enquanto que na capital também ocorrem crimes, raptos e outros fenómenos que aconteceram, também em Palma podem acontecem fenómenos. Obviamente que a nossa atenção, como moçambicanos e da comunidade internacional, é muito maior porque Palma está a tornar-se a retina para os moçambicanos. Mas, quanto maior for a retina, maior parte de crimes ocorrerão lá. E nem toda a gente que acorre a um espaço é gente bem intencionada. Não penso que se deva encarar como uma ameaça à soberania do Estado, mas tem que se encarar como um pólo de desenvolvimento cuja segurança deve ser prioridade. A segurança que havia em Palma entes de ser um pólo de atração de investimento, e a segurança que tem que haver depois de Palma ser pólo de atração de investimento deve ser diferente em termos de qualidade e de quantidade. Então, eu penso que é isso que tem de acontecer, e não um alarme do estilo de uma guerra civil ou grupos rebeldes, como se pode querer perceber. O que temos pequenos de criminosos, por enquanto, na minha perceção, e que querem apoderar-se de alguns bens dos indivíduos e criar um certo pânico.
Novos ataques de desconhecidos no norte de Moçambique
O ano de 2017 nos PALOP
Crises políticas, negociações de paz, eleições e secas marcaram este ano nos países de língua portuguesa em África. Reveja os principais acontecimentos.
Foto: DW/N. Sul D Angola
João Lourenço exonera antigas figuras
Eleito em agosto, pondo fim aos 38 anos de José Eduardo Santos no poder, João Lourenço tomou posse na Presidência de Angola a 26 de setembro. JLo deu início a uma série de mudanças nos cargos da administração pública, exonerando antigas figuras do regime de JES, como o chefe da secretaria militar, o general António José Maria, tido como do círculo mais próximo do ex-Presidente.
Foto: Getty Images/AFP
O adeus de Isabel dos Santos à Sonangol
A mulher mais rica de África, filha de José Eduardo dos Santos, foi exonerada da liderança da petrolífera estatal angolana a 15 de novembro. Isabel dos Santos fora nomeada pelo pai para o Conselho de Administração da empresa em meados de 2016, ato considerado ilegal segundo a lei angolana. Mesmo com o fim da carreira na Sonangol, ela continua forte no meio empresarial, sobretudo, em Portugal.
Foto: Reuters/E. Cropley
JES não abandona liderança
Eleito líder do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), o partido no poder, em agosto, o ex-Presidente angolano não dá sinais qiue deixará de influenciar o cenário político do país, apesar das mudanças feitas pelo atual Presidente João Lourenço Em dezembro, JES exortou os militantes do partido a apoiarem as ações de João Lourenço.
Foto: Getty Images/AFP/A. Pizzoli
Milhares de refugiados congoleses em Angola
Milhares de solicitantes de refúgio a fugir da violência na região de Kasai, na República Democrática do Congo, chegaram à Angola em 2017. Até julho, o país acolheu cerca de 30 mil congoleses. No campo de acolhimento de Kakanda, na província da Lunda Norte, chegam 500 pessoas por dia. Muitos centros de acolhimento improvisados ficaram sobrelotados.
Foto: DW/N. Sul d'Angola
Mbanza Congo é Patrimônio da Humanidade
A Comissão de Património Mundial da UNESCO declarou, por unanimidade, o centro histórico da cidade de Mbanza Congo, norte de Angola, como Património Mundial da Humanidade. A secular cidade angolana na província do Zaire foi capital do antigo Reino do Congo, fundado no século XIII. Dividido em seis províncias, o Reino do Congo dispunha de 12 igrejas, conventos, escolas, palácios e residências.
Foto: Universidade de Coimbra
Moçambique: combate seletivo à corrupção?
Em dezembro, foram detidos três arguidos no caso de corrupção da compra pela LAM de aviões Embraer do Brasil. O Gabinete Central de Combate à Corrupção (GCCC) divulgou o desvio em todo o país de mais cinco milhões de euros dos cofres públicos no terceiro trimestre. O Presidente Filipe Nyusi prometeu endurecer a luta contra a corrupção, mas responsáveis pelas dívidas ocultas continuam impunes.
Foto: Imago/Christian Thiel
Uma dívida impagável
O cenário económico é de incerteza para 2018, com doadores internacionais reticentes devido à falta de clarificação após as auditorias da consultora Kroll às dívidas ocultas envolvendo as empresas públicas EMATUM, ProIndicus e Moçambique Asset Management (MAM). Em 2017, o Governo moçambicano entrou em incumprimento financeiro por falhar em pagamento de prestações.
Foto: DW/M. Sampaio
A caminho da paz
A 4 de maio, o presidente da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), Afonso Dhlakama, anunciou o prolongamento da trégua no país por tempo indeterminado. 2017 foi marcado por negociações entre o Presidente Filipe Nyusi, líder da FRELIMO, e o líder do maior partido da oposição. Dhlakama havia anunciado a assinatura de um acordo de paz definitivo para o final deste ano, o que ainda não ocorreu.
Foto: Presidencia da Republica de Mocambique
Ataques em Mocímboa da Praia
Em outubro e novembro, o distrito de Mocímboa da Praia, na província nortenha de Cabo Delgado, foi palco de ataques de extremistas islâmicos, que deixaram cerca de dez mortos, incluindo elementos das forças de segurança. Os atacantes estudam doutrinas religiosas na Tanzânia, Sudão e Arábia Saudita, onde recebem treinos militares, fora do controlo das instituições formais.
Foto: DW/G. Sousa
Guiné-Bissau: uma crise política sem fim
A CEDEAO manifesta "profunda preocupação" com a crise política na Guiné-Bissau. O Presidente José Mário Vaz (à direita na foto) pediu tempo para ultrapassar o impasse político, mas não obteve sucesso. Em entrevista à DW África, o primeiro-ministro Umaro Sissoco acusou o PAIGC de não querer cumprir o Acordo de Conacri. Em dezembro, a polícia proibiu uma manifestação de partidos de oposição.
Foto: DW/B. Darame
Liberdade de imprensa na Guiné-Bissau?
A 30 de junho, o Governo da Guiné-Bissau cortou o sinal das emissões da RTP África e da RDP no país. Em causa estava a revisão do acordo de cooperação entre os dois países na área da Comunicação Social. O caso gerou debate sobre a liberdade de imprensa na Guiné-Bissau e sobre a situação dos trabahadores afetados. As emissões foram retomadas em novembro após quatro meses suspensas.
Foto: DW/J. Carlos
Pior seca da história de Cabo Verde
O ano agrícola foi dado como perdido em Cabo Verde, devido à seca que afetou mais de 7 mil famílias em todo o país. A seca tomou conta das ilhas e teme-se o cenário de fome com terras extremamente áridas e plantações murchas em virtude da fraca precipitação. O desânimo e o desespero estão no rosto dos agricultores e criadores de gado.
Foto: DW/N.dos Santos
Transparência em São Tomé e Príncipe
Este ano, São Tomé e Príncipe fez "progressos significativos" ao nível da transparência da indústria extrativa, em relação a 2016. O país conseguiu melhorar a posição no "ranking" da Iniciativa para a Transparência nas Indústrias Extrativas (EITI), depois de divulgar quatro relatórios sobre os negócios petrolíferos na Zona Económica Exclusiva (ZEE) e na fronteira marítima com a Nigéria.