O maior partido da oposição moçambicana já se está a preparar para regressar às eleições autárquicas. Ivone Soares garante que a RENAMO está a organizar-se de modo a vencer o maior número de municípios e conta como.
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Recentemente a DW África conversou com Ivone Soares, chefe da bancada parlamentar da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), aqui em Bona, sobre o processo de paz em Moçambique e sobre a participação do maior partido da oposição nas eleições autárquicas previstas para outubro de 2018.
DW África: Em que passo estão as negociações entre a RENAMO e o Governo?
Ivone Soares (IS): As negociações continuam, o presidente [da RENAMO] Afonso Dhlakama continua o diálogo com o Presidente Filipe Nyusi, o que é extremamente encorajador para o país e mesmo para os investidores que estão interessados em ver Moçambique num ambiente de calmia. Acredito que este diálogo tem estado a ajudar bastante a desanuviar algumas nuances que eram muito negativas no passado, como por exemplo a atuação dos esquadrões da morte que vitimaram muitíssimos membros da RENAMO. O diálogo que está a contecer ao mais alto nível tem estado a viabilizar também a tentativa que as comissões criadas para discutir os assuntos atinentes à descentralização e questões militares para que sejam mais céleres na busca de consensos.
A RENAMO já apresentou as suas propostas em relação à descentralização e assuntos militares. Recentemente também houve uma reação do Governo e os peritos estão a trabalhar na busca do que é comum e que nos possa ajudar a rapidamente termos um acordo que possa ser assinado pelos dois presidentes. Agora, é preciso que haja celeridade, porque nós não podemos continuar a viver numa paz de tréguas. É importante que Moçambique passe a ter uma paz definitiva, que seja efetiva, um processo que nos conduza a um processo de verdadeira reconciliação nacional e isto deve acontecer o mais breve possível, porque senão dá a sensação de que para o Governo [a paz] não é urgente, que se pode levar o tempo que for necessário, trata-se tudo devagarinho. Mas para o povo que realmente está ansioso em ver a solução dos problemas, a solução já devia ter chegado. Portanto, acredito que vamos ter um acordo o mais breve possível.
RENAMO prepara-se para autárquicas de 2018
DW África: Antes das eleições autárquicas?
IS: Eu espero que sim, porque seria o ideal. E espero também que isso venha a significar que os governadores passem a ser eleitos a partir de 2019, que os homens da RENAMO possam fazer parte das Forças de Defesa e Segurança. Recentemente houve mexidas nas Forças de Defesa e Segurança, o Presidente da República exonerou algumas figuras centrais deste órgão e colocou novas figuras. E foi meio triste para muitos que estavam a espera que fosse desta vez que também fossemos ver algo de concreto nesta senda da integração dos homens da RENAMO.
Portanto, gostaríamos que tivesse também nomeado individuos propostos pela RENAMO para estes cargos de chefia e de direção. Mas não vamos dizer que o caldo está entornado, vamos acreditar que é um processo que não acabou e só está a começar e que ira também acontecer a integração tão esperada dos comandos da RENAMO. E isto vai ajudar bastante a termos realmente um exército que não seja visto como sendo da FRELIMO, mas um exército de Moçambique, que haja de acordo com o que estiver legislado na Constituição e nas leis ordinárias que o país for a adotar.
DW África: E o que a RENAMO já está a fazer com vista às eleições autárquicas?
IS: Trabalho dos nossos potenciais candidatos, trabalho de preparação dos nossos manifestos. São 53 autarquias e é preciso garantir que essas autarquias estejam muito bem preparadas para receber a nova liderança que vai ser maioritariamente garantida pela RENAMO, porque estamos a preparar de modo a vencer o maior número de municípios do país.
DW África: E já têm candidatos?
IS: Já estamos a trabalhar nesse processo, começamos com as conferências provinciais para preparar o órgão que fiscaliza a ação do Executivo e do partido ao nível das províncias, que é o conselho provincial. E terminada essa fase esse conselho deve debruçar-se sobre quem tem perfil para ser candidado da RENAMO.
Moçambique: Guerra civil com pausas de paz
A paz nunca foi uma certeza em Moçambique. Ela apenas tem intercalado confrontos militares desde a independência. Acordos de paz mal concebidos parecem estar na origem dos conflitos. Mas há novos bons sinais à vista.
Foto: Presidencia da Republica de Mocambique
O começo da guerra civil
A guerra entre o Governo da FRELIMO e a RENAMO começou em 1977, isso cerca de dois anos após a proclamação da independência do país. A RENAMO contestava a governação da FRELIMo e queria democracia. Este movimento tinha o apoio da ex-Rodésia e da África do Sul, dois vizinhos de Moçambique. A guerra matou milhões de moçambicanos e quase paralisou a economia do país.
Acabar com a guerra era o obetivo deste acordo, alcançado em 1984. Foi assinado entre os antigos Presidentes de Moçambique e da África do Sul, Samora Machel e Peter Botha, respetivamente. Ficou acordado que Pretória deixava de apoiar a RENAMO e Maputo parava o apoio ao ANC. Este último que lutava contra o Apartheid. Mas ninguém respeitou o acordo.
Foto: Avant Verlag/Birgit Weyhe
Acordo Geral de Paz de Roma
Colocou finalmente fim a guerra em 1992. Foi patrocinado pela Comunidade Santo Egídio, instituição católica italiana. Nessa altura o país já estava devastado e tinha transitado do sistema socialista para o da economia de mercado. Afosno Dhlakama, líder da RENAMO, e Joaquim Chissano, ex-Presidene de Moçambique, assinaram um acordo que pôs fim a uma guerra de 16 anos.
Eleições: nova era de desentendimentos
Em 1994 o país dava os seus primeiros passos rumo a democracia: início do multipartidarismo e realização das primeiras eleições, patrocinadas pela ONU. O primeiro Presidente eleito do país foi Joaquim Chissano. A RENAMO contestou, mas acabou por aceitar os resultados eleitorais.
Foto: Getty Images/AFP/Gianluigi Guercia
Eleições 1999: RENAMO revolta-se
Nas segundas eleições, em 1999, Joaquim Chissano e a FRELIMO voltaram a ganhar. Mas o processo foi novamente marcado por graves irregularidades, a RENAMO diz que houve fraude e contestou com mais veemência. E no ano 2000 apoiantes da RENAMO manifestaram-se em Montepuez província de Cabo Delgado, contra os resultados. Cerca de 700 manifestantes terão sido detidos e mortos por asfixia nas celas.
Foto: Marc Dietrich-Fotolia.com
Rastilho para o barril de pólvora já arde
As sucessivas irregularidades nas eleições, a lei eleitoral desajustada e difícil integração dos ex-guerrilheiros da RENAMO no exército nacional foram os principais pontos que aumentaram a tensão com o Governo. A falta de confiança que caracteriza a relação entre as partes aumentou.
Foto: Gerald Henzinger
As armas falam novamente
Em 2013 a polícia e homens da RENAMO confrontaram-se. Era o início dos conflitos armados. Nesse ano a RENAMO recusa a aprovação da Lei Eleitoral e não participa nas autárquicas. Há um interregno no conflito para a realização de eleições gerais em 2014. A RENAMO perde e acusa a FRELIMO de fraude. O país volta a ser palco de guerra. RENAMO exige governar as seis províncias onde diz ter ganho.
Foto: Fernando Veloso
Guebuza e Dhlakama: o braço de ferro até ao fim
Em setembro de 2014 o Presidente Armando Guebuza e o líder da RENAMO chegam a acordo para por fim ao conflito armado. Abriu-se assim caminho para as eleições gerais, onde a RENAMO participou. Mas as negociações entre os dois homens nunca foram fáceis. Para começar os encontros foram poucos.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Na guerra vale tudo
Em Setembro de 2015 Dhlakama sofreu dois atentados. Um deles contra a coluna em que viajava, de Manica a Nampula. Afonso Dhlakama saiu ileso, mas segundo relatos morreram várias pessoas. Mais tarde várias viaturas da comitiva do líder da RENAMO foram queimadas. Dhlakama acusou a FRELIMO pelos atentados.
Foto: DW/A. Sebastião
Cerco a casa de Afonso Dhlakama
Em outubro de 2015 a guarda pessoal do líder da RENAMO foi desarmada pelas forças governamentais durante um cerco à sua residência na cidade da Beira. O Governo pretendia um desarmamento forçado dos homens da RENAMO. O desarmamento da maior força da oposição é um dos pontos controversos nas negociações de paz.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Catueira
Diálogo de paz pouco frutífero
Infindáveis rondas marcaram as negociações de paz. E em paralelo as armas falavam nas matas, membros da RENAMO eram assassinados a média de um por mês em 2016. Observadores e mediadores, nacionais e internacionais, entraram e saíram do barulho sem conseguir muito. Houve também adiamentos de rondas e algumas pausas no processo.
Foto: Leonel Matias
Dhlakama e Nyusi: maior proximidade, bons sinais
Em agosto de 2017 o Presidente Nyusi deslocou-se à Gorongosa, bastião da RENAMO, para se encontrar com Dhlakama. Os dois líderes acordaram sobre os próximos passos no processo de paz. Esperavam um acordo de paz até ao final de 2017, mas tal não deverá acontecer. Entretanto, Dhlakama está satisfeito com o andamento das negociações. O sigilo entre os dois parece ser o segredo de um bom entendimento.