Mesmo depois das garantias dadas pelo Governo de que não há recrutamento compulsivo para cumprimento do serviço militar no norte do país, jovens dizem-se receosos de sair à rua. Polícia já fez detenções.
Depois do Ministério da Defesa ter desmentido tal recrutamento forçado, exército e polícia continuam à procura dos autores da disseminação da informação, tendo já detido supostos envolvidos para averiguações.
No entanto, jovens entrevistados pela DW África dizem continuar com medo de sair às ruas. Um dos moçambicanos ouvidos pela nossa reportagem diz que a informação "está a causar problemas grandes para os cidadãos".
"Não sei se é verdade ou não. Temos muitas dúvidas. Existem muitos problemas aqui no país e as pessoas ficam baralhadas", afirmou outros dos jovens ouvidos. Um terceiro cidadão questiona: "Por exemplo, ouvi dizer que estava a polícia no Zímpeto. Então por que não prenderam essas pessoas que estão a recrutar?".
As imagens que foram postas a circular nas redes sociais nos últimos dias mostravam jovens em debandada, no maior mercado grossista de Maputo, o epicentro da agitação. No entanto, em nenhuma delas aparece qualquer elemento do exército a protagonizar o tal recrutamento forçado. Aparecem apenas veículos da polícia que estavam lá para manter a ordem.
Depois do desmentido feito pelo o governo e também pelo exército, na sexta-feira, o diretor Nacional de Educação Cívico-patriótico no Ministério da Defesa Nacional, Carlos Mukamisa, assevera que não há recrutamento compulsivo no país e explica como se desenrola o processo de recrutamento em Moçambique: "Os jovens são convocados oficialmente e apresentar-se nos centros de recrutamento. Também os media são convocados para aferir o ato, pois trata-se de um ato oficial, decorrente da lei. Não há nada a esconder", afirma.
"Jovens devem estar vigilantes"
De acordo com Carlos Mukamisa, os jovens devem por isso continuar a sua vida normalmente e ajudar a polícia e o exército a identificar os autores da desinformação. "O jovem deve ser vigilante. Estamos a chamar à consciência patriótica dos jovens. Não podem disseminar mensagens sem analisar a sua veracidade".
Moçambique: Jovens receosos com alegado recrutamento forçado
Em entrevista à televisão privada STV, o analista político Tomás Vieira Mário, considera que os atos ocorridos na sexta-feira resultam do permanente medo que a sociedade vive por causa dos conflitos no centro e norte do país, que faz com que "qualquer sinal que nos põe em perigo achamos que é verdade porque sofremos muitos perigos na nossa sociedade". "Temos memória de perigo permanente e qualquer sinal nos põe em pânico. Temos esta história de guerras e de desastres e pouco pensamos no Estado", disse.
Os rumores de recrutamento forçado em Moçambique começaram há menos de uma semana. Mas, diz Tomás Vieira Mário, o governo devia ter reagido na hora, e explica porquê: "uma informação como esta é perigosíssima. Até porque já há quem diga que é o tal Al-Shabab que chegou a Maputo para recrutar pessoas. Então é uma informação tão perigosa que merecia uma reação imediata dos órgãos do estado no primeiro momento. Desmentir e dizer que sabemos quem está a fazer isto e que está sob controlo", afirmou.
Cabo Delgado: Datas marcantes dos ataques armados
Começaram em outubro de 2017 em Mocímboa da Praia e já se alastraram a outros três distritos moçambicanos. Os ataques armados na província de Cabo Delgado, que somam já mais de 130 mortos, ainda não têm solução à vista.
Foto: DW/G. Sousa
Outubro de 2017
Os primeiros ataques de grupos armados desconhecidos na província de Cabo Delgado aconteceram no dia 5 de outubro de 2017 e tiveram como alvo três postos da polícia na vila de Mocímboa da Praia. Cinco pessoas morreram. Cerca de um mês depois, a 17 de novembro, as autoridades dão ordem de encerramento a algumas mesquitas por se suspeitar terem sido frequentadas por membros do grupo armado.
Foto: Privat
Dezembro de 2017
Surgem novos relatos de ataques nas aldeias de Mitumbate e Makulo, em Mocímboa da Praia. Na primeira semana de dezembro de 2017, terão sido assassinadas duas pessoas. Vários suspeitos foram identificados, tendo os moradores dado conta que os atacantes deram sinais de afiliação muçulmana. Por sua vez, a polícia desmentiu o envolvimento do grupo terrorista Al-Shabaab nestes ataques.
Foto: DW/G. Sousa
Janeiro a maio de 2018
Apesar de ter começado calmo, 2018 revelar-se-ia um ano de terror na província de Cabo Delgado com os ataques a alastrarem-se a mais distritos. Dada a gravidade da situação, a Assembleia da República aprovou, a 2 de maio, a Lei de Combate ao Terrorismo. Mas, no final do mês, dia 27, novos ataques foram realizados junto a Olumbi, distrito de Palma. Dez pessoas morreram, algumas decapitadas.
Foto: Privat
2 de junho de 2018
Dias mais tarde, a televisão STV dava conta que as forças de segurança moçambicanas haviam abatido, nas matas de Cabo Delgado, oito suspeitos de participação nos ataques. Foram ainda apreendidas catanas e uma metralhadora AK-47, além de comida e um passaporte tanzaniano. Por esta altura, já milhares de pessoas haviam abandonado as suas casas, temendo a repetição dos episódios de terror.
Foto: Borges Nhamire
4 de junho de 2018
Ainda se "festejava" os avanços na investigação das autoridades, e consequente abate dos suspeitos quando, a 4 e 7 de junho, se registaram novos incêndios nas aldeias de Naunde e Namaluco. Sete pessoas morreram e quatro ficaram feridas. Foram ainda destruídas 164 casas e quatro viaturas. O mesmo cenário voltou a repetir-se a 22 de junho: um novo ataque na aldeia de Maganja matou cinco pessoas.
Foto: Privat
29 de junho de 2018
Fortemente criticado por não se ter ainda pronunciado acerca dos ataques, o Presidente moçambicano Filipe Nyusi resolve fazê-lo, em Palma, perante um mar de gente. Oito meses e 33 mortos [25 vítimas dos ataques e oito supostos atacantes] depois... Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção aos cidadãos e convidou os atacantes a dialogar consigo, de forma a resolver as suas "insatisfações".
Foto: privat
Agosto de 2018
Depois de, em julho, um novo ataque à aldeia de Macanca - Nhica do Rovuma, em Palma, ter feito mais quatro mortos, Filipe Nyusi desafiou, a 16 de agosto, os oficiais promovidos no exército, por indicação da RENAMO, a usarem a sua experiência no combate contra estes grupos armados que, mais tarde, a 24 do mesmo mês, tirariam a vida a mais duas pessoas, na aldeia de Cobre, distrito de Macomia.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Setembro de 2018
Setembro de 2018 voltava a ser um mês negro no norte de Moçambique. Ataques nas aldeias de Mocímboa da Praia, Ntoni e Ilala, em Macomia, deixaram pelo menos 15 mortos e dezenas de casas destruídas. No final do mês, o ministro da Defesa, Atanásio Mtumuke, afirmou que os homens armados responsáveis pelos ataques seriam "jovens expulsos de casa pelos pais".
Foto: Privat
Outubro de 2018
Um ano após o início dos ataques em Cabo Delgado, a polícia informou que os mais de 40 ataques ocorridos, haviam feito 90 mortos, 67 feridos e destruído milhares de casas. Foi também por esta altura que Filipe Nyusi anunciou a detenção de um cidadão estrangeiro suspeito de recrutar jovens para atacar as aldeias. No final do mês, começaram a ser julgados 180 suspeitos de envolvimento nos ataques.
Foto: privat
Novembro de 2018
Novos relatos de mortes macabras surgem na imprensa. Seis pessoas foram encontradas mortas com sinais de agressão com catana na aldeia de Pundanhar, em Palma. Dias depois, o cenário repetiu-se nas aldeias de Chicuaia Velha, Lukwamba e Litingina, distrito de Nangade. Balanço: 11 mortos. Em Pemba, o embaixador da União Europeia oferecia ajuda ao país.
Foto: Privat
6 de dezembro de 2018
A população do distrito de Nangade terá feito justiça pelas próprias mãos e morto três homens envolvidos nos ataques. Na altura, à DW, David Machimbuko, administrador do distrito de Palma, deu conta que "depois de um ataque, a população insurgiu-se e acabou por atingir alguns deles". Entretanto, o Ministério Público juntou mais nomes à lista dos arguidos neste caso. Entre eles está Andre Hanekom.
Foto: DW/N. Issufo
16 de dezembro de 2018
A 16 de dezembro, e após mais um ataque armado no distrito de Palma, que matou seis pessoas, entre as quais uma criança, Moçambique e Tanzânia anunciaram uma união de esforços no combate aos crimes transfronteiriços. 2018 chegava assim ao fim sem uma solução à vista para os ataques que já haviam feito, pelo menos, 115 mortos. O julgamento dos já acusados de envolvimento nos ataques continua.
Foto: privat
Janeiro de 2019
O novo ano não começou da melhor forma. Sete pessoas morreram quando um grupo armado intercetou uma carrinha de caixa aberta que transportava passageiros entre Palma e Mpundanhar. Na semana seguinte, outras sete pessoas foram assassinadas a tiro no Posto Administrativo de Ulumbi. Um comerciante foi ainda decapitado em Maganja, distrito de Palma, no passado dia 20.