Começou o julgamento de mais um escândalo de corrupção em Moçambique. Maria Helena Taipo, antiga ministra do Trabalho, está entre os arguidos. Acesso foi vedado à imprensa.
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O julgamento de Maria Helena Taipo, ex-ministra do Trabalho e antiga embaixadora de Moçambique em Angola, começou esta terça-feira (15.03) à porta fechada.
À saída do tribunal, Inácio Matsinhe, advogado da ex-ministra, também não disse muito: "Não se comenta o despacho da acusação", afirmou apenas. "Estamos a arrumar a mesa, a guardar os pratos e vamos começar a comer a partir de amanhã."
Maria Helena Taipo e outros 11arguidos são suspeitos de um rombo financeiro de 113 milhões de meticais (cerca de 1,6 milhões de euros) na Direção do Trabalho Migratório, em 2014. Segundo a acusação, o dinheiro foi usado para comprar carros, casas e cabazes de alimentos e bebidas alcóolicas.
Noutro caso, Taipo é também acusada caso de ter recebido 100 milhões de meticais (cerca de 1,4 milhões de euros) em subornos, que corresponderiam a contrapartidas pelo favorecimento de empresas de construção civil e de uma gráfica em contratos com o Instituto Nacional de Segurança Social (INSS).
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O advogado Félix Mucache, que defende um dos funcionários do INSS, disse que algumas acusações do Ministério Público fazem sentido, mas a verdade será apurada durante as audições.
"Se isso é verdade ou não, se isso ocorreu, é o que vamos ver na discussão que começa amanhã."
Uma oportunidade perdida
Dércio Alfazema, analista do Instituto para Democracia Multipartidária (IMD), critica o facto de a audição ter sido realizada longe dos holofotes jornalísticos. Segundo ele, a Justiça moçambicana perdeu uma oportunidade para mostrar que é completamente transparente no combate à corrupção.
O analista lembra que o julgamento do caso das "dívidas ocultas", que é "mais complexo", foi transmitido pela TV. Agora, se A Justiça tivesse permitido o acesso à comunicação social, teria enviado "um sinal de reforço da transparência, para que essas pessoas pudessem ter a oportunidade de esclarecer e refazer aquilo que é a sua imagem da opinião pública".
Dércio Alfazema acredita que este julgamento será mais "político".
"Esta questão política vai ser muito explorada, sobretudo atendendo à qualidade da própria Helena Taipo, que foi uma figura bastante influente no partido [FRELIMO], foi uma ministra com uma influência muito forte, sobretudo no grupo do Presidente Armando Guebuza".
A antiga ministra esteve em prisão preventiva entre abril de 2019 e maio de 2021.
Moçambique: Propriedades e instituições ligadas às "dívidas ocultas"
O processo denominado "dívidas ocultas" envolve não apenas pessoas de muitos quadrantes políticos e sociais, mas também empresas, propriedades e instituições.
Foto: Romeu da Silva/DW
O julgamento das "dívidas ocultas" decorre no Tribunal Judicial da Cidade de Maputo
O processo decorre no Tribunal Judicial da Cidade de Maputo desde 23 de Agosto de 2021. A sexta sessão revelou que arguidos e declarantes adquiriram residências luxuosas e criaram empresas de lavagem de dinheiro. A sociedade moçambicana ficou a conhecer a extensão da lesão que sofreu por causa das dividas ocultas.
Foto: Romeu da Silva/DW
Tudo começou no bairro de Sommerschield
Tudo começou no bairro de elite da Sommerschield, onde fica a sede do Serviço de Informações e Segurança do Estado (SISE). Não se trata do edifício na foto, já que é proibido fotografar o edifício do SISE. Mas foi nas suas instalações que foi desenvolvido o projeto de proteção da Zona Económica Exclusiva (ZEE), que acabou endividando o Estado em cerca de 2,2 mil milhões de dólares.
Foto: Romeu da Silva/DW
Lavagem de dinheiro
No julgamento, o Ministério Público (MP) acusou o réu António Carlos do Rosário de ser proprietário de vários apartamentos neste edifício chamado Deco Residence. O MP refere que do Rosário comprou, em 2013, três apartamentos, no valor de 500 mil dólares cada. O valor foi transferido pela IRS para a Txopela Investiments, de que era administrador.
Foto: Romeu da Silva/DW
Tribunal confisca apartamentos
Alexandre Chivale, advogado do réu António Carlos do Rosário, ocupava um apartamento aqui na Deco Assos. Foi obrigado a abandonar a unidade e a entregar a chave ao Tribunal de Maputo. A área residencial está a ser construída ao longo da marginal, uma zona que passou a ser muito concorrida.
Foto: Romeu da Silva/DW
Apartamento Xenon
António Carlos do Rosário também terá "metido a mão" neste imóvel. Na acusação consta que, em 2015, a Txopela transferiu 2,9 milhões de dólares para a Imobiliária ImoMoz para a compra de apartamentos neste edifício, que antes funcionava como cinema Xenon.
Foto: Romeu da Silva/DW
Alerta lançado pela INAMAR foi ignorado
A INAMAR é uma empresa que se dedica à inspeção naval. No processo da contratação das dívidas, a INAMAR avisou que os barcos da empresa pública EMATUM, que custaram 600 milhões de dólares, foram construídos à revelia das normas. Por causa das irregularidades, a INAMAR chumbou as embarcações. E alertou as autoridades relevantes, que ignoraram o relatório.
Foto: Romeu da Silva/DW
Casa de câmbios transformada em "lavandaria"
A Africâmbios transformou-se numa casa na lavagem de dinheiro. Alguns funcionários foram obrigados a abrir contas, usadas pelos seus superiores para a transferência de dinheiro da empresa Privinvest, igualmente envolvida no escândalo. O proprietário da Africâmbios, Taquir Wahaj, fugiu e é procurado pela justiça moçambicana.
Foto: Romeu da Silva/DW
Presidência e reuniões do comando conjunto
A presidência da República, perto da edifício da secreta moçambicana, acolheu algumas reuniões do Comando Conjunto e Operativo onde estiveram os ministros da Defesa, Filipe Nyusi, atual Presidente da República, Alberto Mondlane, ministro do Interior e elementos do SISE. Há muita pressão para que o antigo Presidente Guebuza e Nyusi sejam ouvidos como réus e não como declarantes no caso.
Foto: Romeu da Silva/DW
MINT fazia para do Comando Conjunto
O Ministério do Interior, assim como o Ministério da Defesa, eram considerados cruciais no projeto de Proteção da Zona Económica Exclusiva. O tribunal tem na lista de declarantes o antigo ministro Alberto Mondlane para prestar declarações e o papel que este Ministério teve na contratação das dívidas ocultas.