Moçambique: Jurista pede reformas urgentes no CC e na CNE
1 de dezembro de 2023A oposição moçambicana contesta o acórdão proferido pelo Conselho Constitucional (CC) sobre as sextas eleições autárquicas. Uma das críticas é a suposta falta de clareza sobre a origem dos números que alteraram alguns resultados. No acórdão são atribuídas quatro vitórias à Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), principal partido da oposição em Moçambique.
A discussão passou agora para o âmbito jurídico. Alguns especialistas alertam, por exemplo, que o CC reservou exclusivamente para si as decisões sobre o processo eleitoral realizado a 11 de outubro, "esvaziando" as funções dos tribunais distritais sobre a matéria.
O advogado Victor da Fonseca é um dos críticos do acórdão lido a 24 de novembro pela juíza presidente do CC, Lúcia Ribeiro, alertando em entrevista à DW para os riscos de contaminação política do órgão.
DW África: Em que situações o Conselho Constitucional (CC) pode mudar os números submetidos pela Comissão Nacional de Eleições (CNE)?
Victor da Fonseca (VF): O artigo 145º desta lei eleitoral faz referência que a competência para se fazer a recontagem dos votos é da CNE e não do CC. Quando o CC manda a recontagem, a lei diz que devem estar presentes os mandatários dos partidos recorrentes. Neste momento, o CC não notificou essas pessoas. O conjunto dessas decisões esgrimidas através deste acórdão, do meu ponto de vista, devia ser nulo. Tudo o que o CC trouxe não tem nenhuma fundamentação basilar nos atos administrativos, como também os acórdãos do CC como estabelece a lei.
DW África: De onde saíram os últimos números que dão vitória à RENAMO em autarquias onde este partido tinha perdido de acordo com o apuramento feito pela CNE?
VF: É por isso que o partido RENAMO submeteu uma contestação para o CC fundamentar de onde tiraram esses números. A presidente do CC, [Lúcia Ribeiro], sendo uma professora de Direito Constitucional, deve trazer as fundamentações daquilo que ela trouxe como base para poder decidir [no sentido] desse acórdão.
DW África: Sendo o CC um órgão produtor de acórdãos contra os quais não se pode recorrer, acha que devia haver um órgão independente para verificar as decisões do CC?
VF: Um órgão independente acredito que não. Mas neste momento, foi usurpado o poder dos tribunais distritais. É por isso que o juiz conselheiro do Tribunal Supremo Pedro Nhatitima trouxe uma reflexão sobre a perspetiva do CC e disse ainda que o CC tem a competência legislativa negativa.
Desta forma, é importante neste momento respeitar-se a lei, visto que todas as decisões dos tribunais ou do CC devem ser feitas na perspetiva de salvaguardar o bem-estar, isto é, temos um cenário, neste caso, dos acórdãos do CC, em que a lei diz que são irrecorríveis, mas pode-se abrir uma exceção quando atropela os direitos fundamentais. Assim sendo, pode-se abrir espaço para o recurso extraordinário, por meio de um requerimento a reivindicar a correção de alguns erros dentro do acórdão. Ou seja, não se deve em nenhum momento prejudicar o direito das pessoas recorrerem em todos os partidos políticos.
DW África: O próprio CC tem de ser reformado?
VF: Naturalmente, e com muita brevidade, sob pena de colocar em risco o Estado de Direito Democrático e as instituições de justiça. Tanto o CC como também a CNE precisam de reformas urgentes. Por exemplo, [o anterior Presidente do CC] Dr. Hermenegildo Gamito quando saiu do CC diz que saiu sem drama. Ele disse que as dívidas [ocultas] eram inconstitucionais. Nessa vertente, é um exemplo. A Dra. Lúcia Ribeiro não pode ser manuseada por questões políticas, porque é [do foro] jurídico.