Moçambique: Justiça social e direitos humanos em debate
Leonel Matias (Maputo)
16 de agosto de 2019
Liga de organizações não governamentais, JOINT, quer que o governo de Moçambique tome uma atitude séria para eliminar os ataques armados de insurgentes na província de Cabo Delgado.
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Em Moçambique a JOINT, liga de organizações não governamentais, que promoveu nos últimos três dias ( 14 a 16 de agosto ) uma conferência nacional da sociedade civil, sob o lema "Por uma organização da sociedade civil solidária e engajada na justiça social", quer que o governo tome uma atitude séria para eliminar os ataques armados de insurgentes na província de Cabo Delgado.
O diretor executivo da JOINT, Simão Tila, considera que o país regista um deficit de justiça social e são vários assuntos que concorrem para essa situação.
"Nós temos níveis muito baixos em Moçambique sobre aquilo que seria o poder de compra do cidadão moçambicano, satisfação das suas necessidades, temos o nível dos direitos humanos numa situação totalmente difícil, o país para além dos progressos que pode ter regride devido a vários fatores, temos a guerra civil, temos o problema das dívidas ocultas, da transparência, temos problemas de corrupção...".
Acabar com os ataquesSimão Tila disse ainda que a sociedade civil tem pressionado o Governo para que tome uma atitude séria com vista a eliminar os ataques dos insurgentes na província nortenha de Cabo Delgado.
"É preciso que o Governo tome este assunto com muita seriedade porque quem está a sofrer lá são pessoas que não têm nada a ver com aquilo que são os problemas do país. Dia após dia estão a morrer, estão a ser atacados em pontos localizados. Qual é a intervenção do Governo no sentido de estancar este problema?" questionou Tila.
As autoridades e o partido no poder, a FRELIMO, têm afirmado que as forças governamentais não têm mãos a medir no combate aos insurgentes, mas lamenta que estes não tenham rosto.
Governo procura soluções
O secretário-geral da FRELIMO, Roque Silva, disse esta quinta-feira (15.08.) em Manica que "o maior problema daquilo é que tu não tens com quem dialogar. Então, neste momento o que o Governo está a fazer é uma questão de gestão ir vendo como é que fazemos para travar por um lado para não progredir para irmos encontrando soluções mas é muito difícil gerir um assunto em que não sabes com quem estás a lidar, o que é que ele quer.
"A conferência da sociedade civil promovida pela JOINT produziu vários consensos nomeadamente de que este grupo representa um pilar importante da democracia e por isso tem que prevalecer.
No entanto, foi apontado que o espaço cívico da sociedade civil tem estado a reduzir, devido a alegadas medidas restritivas como a perseguição de ativistas e contra as próprias organizações que se vêm forçadas a encerrar as portas.As organizações da sociedade civil estão a registar, igualmente, uma certa fragilização que resulta do facto de ao longo dos anos terem deixado de ser vistas por algumas pessoas como um local de ativismo e de promoção de valores de interesse nacional, mas como mais um emprego.
Moçambique: Justiça social e direitos humanos em debate
Direitos humanos e transparência
Os intervenientes sublinharam que a sociedade civil deve orientar o seu trabalho através de valores como a ética, transparência, respeito pelos direitos humanos e integridade das pessoas.
Um dos parceiros da sociedade civil moçambicana é a União Europeia. Isabel Faria de Almeida é a chefe da Cooperação.
"Nós pensamos que a sociedade civil é, de facto, a raiz da democracia. E portanto, nós precisamos de ter uma sociedade civil que seja plural e que encontre o espaço para a atuação no país. Há uma grande preocupação não só com a capacidade das organizações da sociedade civil, mas também com uma certa redução do espaço para estas organizações atuarem."
A União Europeia tem, neste momento, aproximadamente 30 milhões de euros em diversos projetos de sociedade civil em Moçambique, o que representa 22% do portifolio do seu investimento ao desenvolvimento do país.
Zonas de guerra transformadas em locais de desenvolvimento
Regiões da província de Maputo testemunharam ataques e mortes durante a guerra civil em Moçambique. Antigos cenários de guerra tornam-se hoje palco para o desenvolvimento local do comércio e da indústria.
Foto: DW/R. da Silva
Um passado de mortes
A região onde fica a aldeia 3 de Fevereiro, a norte da província de Maputo, foi a mais dilacerada pela guerra civil. Na altura, a imprensa tinha como manchetes para as suas capas o sofrimento dos residentes desta região. Não há números exatos, mas houve muitas mortes na sequência de ataques atribuídos à Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), o atual maior partido da oposição.
Foto: DW/R. da Silva
A escola mais atacada
Este estabelecimento de ensino, construído na época colonial, dedicava-se à formação de professores africanos. Durante a guerra civil, foram reportados ataques e os alunos muitas vezes deslocavam-se à vila da Manhiça. Hoje, a escola é a sede do Instituto Médio Politécnico Alvor.
Foto: DW/R. da Silva
Abrigo para os fugitivos
Esta varanda já tinha donos: os deslocados dos arredores da vila da Manhiça encontravam neste lugar o mais seguro apenas para passar a noite. A varanda foi atacada algumas vezes, o que os desesperou. Hoje, como se pode notar, no local há estabelecimentos comerciais.
Foto: DW/R. da Silva
Marcas da guerra
Há zonas, como Magude, cujos edifícios nunca mereceram reabilitações que possam fazer esquecer as marcas da guerra. Este edifício faz parte da missão católica de Magude, que foi atacado durante a guerra, e que nunca mais conheceu uma reabilitação.
Foto: DW/R. da Silva
Única entrada, única saída
Esta é uma ponte que desperta curiosidade aos que pela primeira vez visitam a vila de Magude. Pela mesma ponte passam peões, motociclistas, viaturas e locomotivas. Por baixo, passa o rio Inkomati, que não impedia ataques durante a guerra a esta pequena vila.
Foto: DW/R. da Silva
Repovoamento de animais
O distrito de Magude localiza-se mais a nordeste da província de Maputo. Esta zona foi severamente afetada pela guerra e a população bovina baixou drasticamente. Mas agora, com projetos de repovoamento destes animais, Magude é dos maiores produtores de carne na província.
Foto: DW/R. da Silva
Isolamento
O distrito de Magude é um dos mais isolados da província de Maputo. O seu desenvolvimento está a ser muito lento, apesar de a guerra ter terminado há mais de 20 anos. Falta muita coisa por melhorar. Esta loja, por exemplo, ainda apresenta marcas da guerra.
Foto: DW/R. da Silva
Coluna militar
A guerra abateu-se muito sobre Maluana. Este posto administrativo do distrito de Manhiça ficou conhecido pelos ataques que sofria. A coluna militar era a única que ajudava as pessoas a passar por esta zona. Pouco depois da guerra, as marcas eram ainda visíveis - como carcaças de viaturas queimadas. Agora, está a registar um desenvolvimento, com o comércio informal a ganhar força.
Foto: DW/R. da Silva
Centro de tecnologias
O Governo de Moçambique criou um centro de tecnologias nesta região severamente afetada pela guerra, o que antes era impensável. É um edifício que foi instalado no meio da mata, precisamente numa estrada de terra que dá acesso ao centro de formação de militares de Munguine, mais a leste da província de Maputo.
Foto: DW/R. da Silva
De cenário de guerra a pólo económico
A região de Bobole, no distrito de Marracuene, também foi uma zona de guerra. Aliás, as atrocidades começavam nesta região e o cenário era de "cada um por si e Deus por todos". As colunas militares começavam ou descansavam neste ponto. Hoje, a multinacional Heineken instalou aqui a sua empresa e Bobole está a ter novo rosto económico.
Foto: DW/R. da Silva
Estância turística
Esta é a entrada para a aldeia de Taninga. Tal como a 3 de Fevereiro, esta aldeia testemunhava frequentemente mortes e muitos dos residentes destas duas aldeias vizinhas acabaram por se refugiar na vila da Manhiça e outros na cidade de Maputo. Hoje, há uma estância turística que faz esquecer as marcas da guerra.
Foto: DW/R. da Silva
Proteção dos corredores ferroviários
Os que viveram os momentos de instabilidade e que precisavam frequentemente se deslocar contam que o comboio de passageiros era igualmente atacado. O corredor do Limpopo era crucial para o transporte de mercadorias para países vizinhos. A RENAMO e o Governo da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) acabaram por assinar um acordo para não atacar corredores ferroviários de todo o país.