Karemangingo Revocat, ex-militar, foi assassinado ontem. Supõe-se que estava sob o "radar" de Kigali desde 2016. Entre os ruandeses em Moçambique há quem acuse o Governo de Paul Kagame de o matar e peça um inquérito.
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Karemangingo Revocat foi assassinado na tarde desta segunda-feira (13.09) por homens até aqui não identificados, na Matola (Maputo).
O refugiado ruandês, que seguia no seu carro, incialmente começou por ser perseguido por homens que também seguiam numa viatura. Um segundo veículo diante do portão de casa aguardava pela sua chegada. No final da perseguição, surgiu uma terceira viatura, de onde foram disparados seis tiros contra a cabeça de Revocat.
O relato é do presidente da Associação dos Ruandeses Refugiados em Moçambique, Cleophas Habiyareme, que falou à DW África sobre os contornos do caso.
DW África: Como se sente a comunidade ruandesa em Moçambique depois de mais um assassinato de um concidadão, desta vez o senhor Karemangingo Revocat?
Cleophas Habiyareme (CH): A comunidade ruandesa está muito assustada, porque o que aconteceu segue-se a dois outros casos que mostram que a segurança dos refugiados [ruandeses] em Moçambique já é um problema.
DW África: Já há intenção dos refugiados ruandeses abandonarem Moçambique?
CH: De momento não se pode dizer isso. É muito precipitado dizer que os ruandeses vão deixar o país. Ainda vamos ver como o Governo vai reagir a estes três casos dentro da comunidade de refugiados ruandeses.
DW África: Tem alguma desconfiança sobre quem pode estar por detrás deste assassinato?
CH: Nós estamos a ver que isso é um ato do Governo de Kigali.
DW África: Mas o Governo do Ruanda já negou o seu envolvimento no assassinato de Karemangingo Revocat...
CH: [Kigali] não podia aceitar [o seu envolvimento], mas acho que se houver um verdadeiro inquérito independente, Kagame e o seu Governo deviam ser responsabilizados pela morte de Karemangingo Revocat.
DW África: A morte de Revocat tem sido associada a morte de Louis Baziga, um homem de negócios que era visto como próximo do Governo ruandês. Acha que essa morte é uma espécie de ajuste de contas?
CH: Dizer que a morte de Revocat é uma vingança da família de Baziga é ser demasiado cínico. Baziga não foi assassinado por Karemangingo Revocat. A família dele sabe bem disso. Só posso dizer que isso é uma manobra de diversão para enganar as pessoas. Nós que vivíamos com ele [é que sabíamos] o quanto estava a ser ameaçado e o quanto a imprensa no Ruanda falava de Revocat, colocando Revocat em tudo o que acontecia e também naquilo que não acontecia. Sabemos que isso foi um ato do esquadrão da mortede Kigali.
DW África: Cada vez mais ruandeses são assassinados em Moçambique, mas as autoridades não conseguem esclarecer os casos, nem responsabilizar os culpados. A vossa associação pondera recorrer a alguma instância internacional?
CH: Só podemos pedir ajuda a algumas organizações internacionais de direitos humanos para tentar ver o que está a acontecer e pressionar o Governo a clarificar esses casos. E agradecemos a algumas organizações dos direitos humanos de Moçambique, que estão sempre do nosso lado a tentar pressionar o Governo a fazer alguma coisa para esclarecer os casos.
DW África: Acha que a intensificação da cooperação entre o Ruanda e Moçambique, no contexto de Cabo Delgado, está a contribuir negativamente para os refugiados?
CH: É isso que está a acontecer. Eu acho que não ia agir de qualquer maneira como estão a agir, não têm medo de nada. Eu não pensava que essas tropas ruandesas iriam criar um clima de terror, mas agora estou a ver que está a começar a ser um problema.
O desterro forçado dos deslocados em Cabo Delgado
São mais de 450 mil no norte de Moçambique. O terrorismo cortou-lhes as raízes e tomou-lhes o chão. Os deslocados internos procuram vingar noutras paragens. E Pemba tem sido lugar de eleição. Sobreviverão na nova terra?
Foto: Privat
A dor da perda e da impotência
Um olhar que diz mais do que mil palavras, a imagem poderia ser "sem legenda". Foi depois de um ataque à aldeia "Criação", Muidumbe, a primeira investida terrorista ao distrito, em novembro de 2019. Os insurgentes começaram os seus ataques em Cabo Delgado em outubro de 2017.
Foto: Privat
Histórias de vida reduzidas a cinzas
Desde então, a matança e destruição passaram a ser visitas assíduas da região. Como ninguém quer ser anfitrião, os aldeões fugiram. Em finais de outubro, Muidumbe e outros distritos sangraram de novo e a população fugiu. Muidumbe está praticamente nas mãos dos terroristas, tal como Mocímboa da Praia, desde agosto.
Foto: Privat
Quase todos os caminhos vão dar a Pemba
O único desejo destes residentes de Mueda é conseguir um canto no camião para chegar à capital provincial de Cabo Delgado. Mas a disputa entre pessoas e os seus próprios pertences ameaça deixar alguém para trás. Desde meados de outubro, Pemba recebeu cerca de 12 mil deslocados. Inicialmente, recebia à volta de mil deslocados por dia.
Foto: Privat
Quando o mato passa a ser melhor que o lar
Para muitos em Cabo Delgado, ter um teto deixou de ser sinónimo de segurança. Conseguir manter a vida, mesmo sem casa, passou agora a ser a meta. Os bichos passaram a ser mais cordiais que os irmãos terroristas, as estrelas melhores que o teto e os arbustos melhores que as paredes. Famílias procuram refúgio nas matas, onde caminham por dias dominados pelo medo, sem comida e sem norte.
Foto: Privat
Um abraço amigo em Pemba
Estes deslocados chegam de Quissanga. Mas também chegam à praia de Paquitequete, Pemba, deslocados vindos de vários lugares. Todos tentam escapar ao terror. Muitos fixam-se aqui, onde recebem apoio de ONGs, associações, indivíduos e do Governo. Há até quem abra as portas da sua casa para os receber, mesmo não os conhecendo.
Foto: Privat
Crise humanitária faz brotar solidariedade infinita
A falta de quase tudo faz despertar solidariedade que chega de todo o lado. Para quem está longe, uma angariação de fundos e bens materiais é a opção. Já cuidar dos deslocados na praia de Paquitequete, atendendo-os nas suas necessidades, é o que faz quem está no terreno. Na praia, há jovens que chegam de madrugada para dar amor a quem precisa.
Foto: Privat
Uma fuga rodeada de perigos
O medo é tanto que nem a sobrelotação parece intimidar os deslocados internos. No começo de novembro, mais de 40 pessoas morreram a tentar chegar a Pemba num naufrágio entre as ilhas do Ibo e Matemo.
Foto: Privat
Pemba a rebentar pelas costuras
O "boom" de deslocados é tão grande que o sistema de serviços básicos para a população, como água e saneamento, está no limite. Antes desta nova vaga de deslocados, a capital de Cabo Delgado tinha 204 mil habitantes. Agora, tem mais de 300 mil.
Foto: DW/E. Silvestre
Começar nova vida noutro chão
O Governo criou um comité de gestão para esta crise humanitária. Afirma que está a criar novas aldeias, centros de reassentamento, infrastruturas e a parcelar terras para acomodar os deslocados. Embora esteja garantida a segurança, as suas raízes estão noutro chão.
Foto: Privat
Que futuro?
Por enquanto não há resposta. Mas há deslocados que se vão "desenrascando" para sobreviver. Muitos dizem que não querem viver de mão estendida. Por exemplo, quem tem barco vai à pesca ou trasporta mercadorias. Outros entretêm-se a jogar futebol. Vão cuidando das suas vidas. Mas para os que não têm alternativas, que são a maioria, correrão riscos de entrar para o mundo do crime?