Moçambique: Líder do MDM defende comissão de reconciliação
Lusa | nn
19 de maio de 2018
O presidente do Movimento Democrático de Moçambique e do município da Beira, Daviz Simango, defende a criação de uma comissão da verdade para consolidar o processo de reconciliação interna.
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"Do que o país precisa, de facto, é de uma comissão de verdade para criar a reconciliação definitiva entre os moçambicanos", referiu Daviz Simango em entrevista à agência de notícias Lusa, argumentando que "quem tem de tomar a iniciativa são as autoridades que estão no Governo". "Quem tem flexibilidade de criar e proporcionar condições para que o entendimento dos moçambicanos seja célere é quem está no poder. Quem está fora do poder não tem esses instrumentos todos", sublinha o líder do Movimento Democrático de Moçambique (MDM).
A ideia foi expressa depois da morte do presidente da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), Afonso Dhlakama,a 3 de maio, na serra da Gorongosa, devido a complicações de saúde. A paz que já estava a ser construída pelo líder da oposição com o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, prevalecerá, diz Daviz Simango. Ainda assim, considera que houve erros cometidos por todos os intervenientes nos 16 anos de guerra civil moçambicana, feridas abertas que a comissão poderá ajudar a sarar.
Sem detalhar, o autarca da Beira admite que houve "coisas que não deviam ter sido feitas", porque "onde há guerra, há mortes, há violência". Uma comissão da verdade servirá "para lavar as mãos sujas e começarmos uma nova era", refere.
Daviz Simango considera, no entanto, que os governos da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), o partido no poder, têm estado mais interessados em investir na repressão do que "na educação ou na saúde". Parte das dívidas ocultas do Estado, no valor de dois mil milhões de dólares, descobertas em 2016, serviriam esse propósito, segundo uma auditoria internacional ao processo. "É investir na repressão que cria esses conflitos todos", destaca Daviz Simango.
As suspeitas de fraude eleitoral são outro rastilho que ameaça a paz e que pode sempre ser ateado enquanto não houver uma revisão dos organismos eleitorais que lhes confira credibilidade, acrescenta. Uma comissão pela verdade e reconciliação surgiria no centro de um puzzle, com todas estas peças, para consolidar a paz, tornando-a definitiva, defende Daviz Simango.
Simango pede mais conforto para homens da RENAMO
O presidente do município da Beira acredita que nunca mais terá a guerra à porta, apesar de o braço armado da RENAMO permanecer nas matas. "Eu tenho confiança. Haverá segurança. Conheço as pessoas, conheço o pessoal da RENAMO e eles vão cumprir o desejo" de Dhlakama, "mantendo o cessar-fogo".
Para Simango, "uma das formas de honrá-lo é cumprir os esforços que ele fazia" para alcançar a paz definitiva no país, sublinha o líder do MDM. "Não há condições para haver conflitos", sublinha.
A RENAMO, enquanto partido, saberá seguir em frente, com maturidade, diz o autarca, esperando que a FRELIMO, no poder desde a independência, esteja à altura do momento. "Esse processo vai ser sinuoso, vai requerer muito esforço. O importante é que o partido no poder não abuse do poderio militar" para justificar qualquer desvio em relação aos acordos firmados nos últimos meses.
O cessar-fogo dura desde o final de 2016 e Dhlakama e o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, vinham estreitando relações e consensos ao nível da descentralização administrativa e sobre o futuro dos guerrilheiros da Renamo.
"O partido no poder tem de ser mais aberto, criar um conforto e uma certa confiança para que todos aqueles que estão nas matas compreendam que a nossa luta não pode continuar a ser uma luta de armas. A nossa única arma é o cartão de eleitor", refere.
Afonso Dhlakama, homem de causas
O percurso de Afonso Dhlakama enquanto político e militar quase se confunde com a história de Moçambique independente. Em nome da democracia não hesitou em entrar numa guerra. Herói para uns, vilão para outros.
Foto: picture-alliance/dpa
Dhlakama, um começo na FRELIMO que não vingou
Afonso Macacho Marceta Dhlakama nasceu a 1 de janeiro de 1953 em Mangunde, povíncia central de Sofala, Moçambique. Entra para a FRELIMO perto da época da independência em 1975, mas não fica muito tempo. Em 1976 sai do partido que governa o país para co-fundar a RNM (Resistência Nacional de Moçambique), um movimento armado, com o apoio da Rodésia do Zimbabué. O objetivo: por fim a ditadura.
Foto: Imago/photothek
Dhlakama: Desde cedo líder da RENAMO
A guerra civil entre a RNM, depois denominada RENAMO, Resistência Nacional de Moçambique, e o Governo começou em 1976. Dhlakama assume a liderança da RNM depois da morte de André Matsangaíssa em combate em 1979. Já era líder quando o primeiro acordo que visava por fim a guerra foi assinado entre o Governo e o regime do apartheid na África do Sul em 1984. Mas o Acordo de Inkomati fracassou.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
AGP: Democracia entra no vocabulário com Dhlakama
Depois de 16 anos de guerra Dhlakama assina com o Governo o Acordo Geral de Paz de Roma em 1992 no contexto do fim da guerra fria e do apartheid na África do Sul. Começa uma nova era para o país, depois de uma guerra que fez perto de um milhão de mortos e milhões de refugiados. A democracia passa então a fazer parte do vocabulário dos moçambicanos, com Dhlakama a auto-intitular-se o seu pai.
Foto: picture-alliance/dpa
O começo das derrotas de Dhlakama nas eleições
Moçambique entra para a era do multipartidarismo e realiza as suas primeiras eleições em 1994. Dhlakama e o seu partido perdem as eleições. As segundas eleições acontecem em 1999 e Dhlakama volta a perder, mas rejeita a derrota. E desde então não parou de perder, facto que provocou descontentamento ao partido de Dhlakama. Reclamava de fraudes e injustiças. E nasceram assim as crises com o Governo.
Foto: Reuters/Grant Lee Neuenburg
Dhlakama: O regresso às matas como estratégia de pressão
O regresso do líder da RENAMO à Serra da Gorongosa em 2013, um dos seus bastiões militares, foi uma mensagem inequívoca ao Governo da FRELIMO. Dhlakama queria mudanças reais, que passavam pelo respeito integral do AGP, principalmente a integração dos militares da RENAMO no exército nacional, e mudança da legislação eleitoral. Assim o país voltou a guerra depois de mais de vinte anos.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Armando Guebuza e Dhlakama em braço de ferro permanente
A 5 de agosto de 2014 o então Presidente Armando Guebuza e Afonso Dhlakama assinaram um cessar-fogo. Estavam criadas as condições para o líder da RENAMO participar nas eleições gerais de outubro de 2014. Dhlakama e o seu partido participam nas eleições e voltam a perder. As crise volta ao rubro e Dhlakama regressa às matas da Gorongosa.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Emboscada contra Afonso Dhlakama
A 12 de setembro de 2015 a caravana em que seguia Afonso Dhlakama foi atacada na província de Manica. Ate hoje não se sabe quem foram os atacantes. A RENAMO considerou a emboscada como uma tentativa de assassinato do seu líder. A comunidade internacional condenou o uso da violência.
Foto: DW/A. Sebastião
Aperto ao cerco contra Afonso Dhlakama
No dia 9 de outubro de 2015, a polícia cercou e invadiu a casa de Afonso Dhlakama na cidade da Beira. As forças governamentais pretendiam desarmar a força a guarda do líder da RENAMO. Os homens da RENAMO que se encontravam no local foram detidos. A população da Beira, bastião da RENAMO, juntou-se diante da casa de Dhlakama manifestando o seu apoio ao líder.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Catueira
Dhlakama e Nyusi: Menos mãos melhores resultados
O líder da RENAMO e o Presidente da República decidiram prescindir de mediadores e passaram a negociar o acordo pessoalmente. Desde então consensos têm sido alcançados, um deles relativo à revisão pontual da Constituição, no âmbito do processo de descentralização em fevereiro de 2018. A aprovação da proposta pelo Parlamento é urgente, pois as próximas eleições de 2018 e 2019 dependem dele.
Foto: Presidencia da Republica de Mocambique
Dhlakama: Não foi a bala que ditou o seu fim
Na manhã de 3 de maio o maior líder da oposição em Moçambique perdeu a vida vítima de doença. Deixa aos seus correlegionários a tarefa de negociar outro ponto controverso na crise com o Governo: a desmilitarização ou integração dos homens armados da RENAMO no exército nacional. Há quase 40 anos à frente da liderança da RENAMO teve de negociar com todos os Presidentes de Moçambique independente.