Moçambique: Linchamentos preocupam autoridades do Niassa
Manuel David (Lichinga)
22 de novembro de 2017
Habitantes de Cuamba, na província moçambicana do Niassa, fazem justiça pelas próprias mãos em resposta à alegada passividade das forças de segurança no combate ao crime.
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Roubo de residências, assaltos e esfaqueamento na via pública são os crimes mais frequentes no distrito de Cuamba, na província do Niassa. Com medo, os populares evitam sair à rua, principalmente à noite.
No entanto, ficar em casa não é solução para os habitantes de Cuamba. Há populares que tentam fazer justiça pelas próprias mãos. A fim de travar a onda de crime e a violência popular, as Forças de Intervenção Rápida (FIR) instalaram-se naquele ponto da província do Niassa.
"Anteriormente, a criminalidade não tinha aquele impacto forte, porque os grupos criminosos não eram muito unidos", explica Isidro Zacol, residente em Cuamba. "Agora, aparecem em grande número e são pessoas com boas táticas para o crime”.
A polícia é acusada de não estar a fazer o seu trabalho. Mas a situação é ainda mais grave: segundo Isidro, há relatos de agentes de segurança envolvidos em atos criminosos: "A situação ficou mais preocupante quando foi encontrado um militar que fornecia fardas ao seu grupo – que não era militar – e faziam desmandos aqui no município. Afinal, é a própria força que está a estimular estes crimes".
Polícia tenta desencorajar linchamentos
22.11 Linchamentos no Niassa - MP3-Mono
Alves Mate, porta-voz do comando provincial da Polícia no Niassa, confirma os casos de justiça popular: "Tivemos um registo de um linchamento há duas semanas, em que um indivíduo, após ser surpreendido por populares a roubar, teria sido linchado. O caso foi comunicado à polícia, que chegou ao local e confirmou a ocorrência".
"Este não é o primeiro caso. É o terceiro, em menos de trinta dias", diz Alves Mate.
As autoridades, acrescenta, estão a trabalhar com as comunidades para desencorajar a prática de linchamentos, com a realização de encontros e palestras: "Repudiamos este de tipo de comportamento que tem sido verificado naquele ponto da província do Niassa".
Apesar dos esforços das autoridades, Isidro Esmael Zacol afirma que a população perdeu a confiança na polícia. "Tem havido muitas mortes, porque, nos últimos dias, a população decidiu fazer justiça pelas próprias mãos", afirma o habitante de Cuamba.
Para Isidro Zacol, falta coordenação entre o Ministério do Interior e o Ministério da Justiça, uma vez que, explica, "quando o indivíduo é detido porque há indícios de que praticou um crime, mas esta informação não consta nos processos, o indivíduo é solto”.
"Para as comunidades que conhecem bem a vida do criminoso, é uma grande preocupação vê-lo solto, a passear por aí", conclui.
O porta-voz da Polícia Alves Mate desdramatiza a situação, sublinhando que há uma boa colaboração entre a sua corporação e as comunidades. "A população, acreditando ou não, deve acreditar. É a polícia que deve preservar a justiça, é a polícia que deve deter os meliantes e nós fazemos o nosso trabalho naquele ponto da província".
Moçambique: Assassinato de figuras incómodas é uma moda que veio para ficar
O preço de fazer valer a verdade, justiça, conhecimento ou até posições diferentes costuma ser a vida em Moçambique. A RENAMO é prova disso, no pico da tensão com o Governo da FRELIMO perdeu dezenas de membros.
Foto: BilderBox
Mahamudo Amurane: Silenciada uma voz contra corrupção e má governação
O edil da cidade de Nampula foi morto a tiros no dia 4 de outubro de 2017. Insurgia-se contra a má gestão da coisa pública e corrupção no seu Município. Foi eleito para o cargo de edil através do partido MDM. Embora mais de sessenta pessoas já estejam a ser ouvidas pela justiça não se conhecem os autores do crime.
Foto: DW/Nelson Carvalho Miguel
Jeremias Pondeca: Uma voz forte nas negociações de paz que foi emudecida
Foi alvejado mortalmente a tiro por homens desconhecidos no dia 8 de setembro de 2016 em Maputo quando fazia os seus exercícios matinais. O assassinato aconteceu numa altura delicada das negociações de paz. Pondeca era membro da Comissão Mista do diálogo de paz, membro do Conselho de Estado, membro sénior da RENAMO e antigo parlamentar. Até hoje a polícia não encontrou os autores do crime.
Foto: DW/L. Matias
Manuel Bissopo: O homem da RENAMO que escapou por um triz
No dia 4 de janeiro de 2016 foi baleado depois de uma conferência de imprensa do seu partido na Beira. Bissopo tinha acabado de denunciar alegados raptos e assassinatos de membros do seu partido e preparava-se para se deslocar para uma reunião da força de oposição quando foi baleado. A polícia moçambicana até hoje não encontrou os atiradores.
Foto: Nelson Carvalho
José Manuel: Uma das caras da ala militar da RENAMO que se apagou
Em abril de 2016 este membro do Conselho Nacional de Defesa e Segurança em representação da RENAMO e membro da ala militar do principal partido da oposição foi morto a tiro por desconhecidos à saída do aeroporto internacional da Beira. A questão militar é um dos pontos sensíveis nas negociações de paz. Os assassinos continuam a monte.
Foto: DW/J. Beck
Marcelino Vilanculos: Assassinado quando investigava raptos
Era procurador foi baleado no dia 11 de abril de 2016 à entrada da sua casa, na Matola. Marcelino Vilanculos investigava casos de rapto de empresários que agitavam o país na altura. O julgamento deste assassinato começou em outubro de 2017.
Foto: picture-alliance/Ulrich Baumgarten
Gilles Cistac: A morte foi preço pelo conhecimento divulgado?
O especialista em assuntos constitucionais de Moçambique foi baleado por desconhecidos no dia 3 de março de 2015 na capital Maputo. O assassinato aconteceu após uma declaração que fortaleceu a posição da RENAMO de gestão autónoma na sua querela com o Governo da FRELIMO. Volvidos mais de dois anos a sua morte continua por esclarecer.
Foto: A Verdade
Dinis Silica: Assassinado em circunstâncias estranhas
O juiz Dinis Silica também foi morto a tiro por desconhecidos, em 2014, em plena luz do dia, quando conduzia o seu carro na capital moçambicana. Na altura transportava uma avultada quantia de dinheiro, cuja proveniência é desconhecida. O juiz da Secção Criminal do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo investigava igualmente casos de raptos. Os assassinos continuam a monte.
Foto: picture-alliance/dpa/U. Deck
Siba Siba Macuacua: Uma morte brutal em nome da verdade
O economista do Banco de Moçambique foi atirado de um dos andares do prédio sede do Banco Austral no dia 11 de agosto de 2001. Na altura investigava um caso de corrupção na gestão do Banco Austral. Siba Siba trabalhava na recuperação da dívida de milhões de meticais, resultante da má gestão do banco. Embora tenha sido aberta uma investigação sobre esta morte ainda não há esclarecimentos até hoje.
Foto: DW/M. Sampaio
Carlos Cardoso: O começo da onda de assassinatos
Considerado o símbolo do jornalismo investigativo em Moçambique, Carlos Cardoso foi assassinado a tiros a 22 de novembro de 2000. Na altura investigava a maior fraude bancária de Moçambique. O seu assassinato foi interpretado como um aviso claro aos jornalistas moçambicanos para que não interferissem nos interesses dos poderosos. Devido a pressões internacionais o caso chegou a justiça.