Moçambique: Médicos admitem nova greve se não houver avanços
António Cascais
23 de dezembro de 2022
Milton Tatia, presidente da Associação Médica de Moçambique (AMM), admite nova greve dos médicos se no prazo de um mês não houver "avanços positivos" nas negociações. "Falta-nos quase tudo", frisa o médico à DW África.
A greve de 21 dias iniciou-se no dia 5 de dezembro e contava com a adesão de mais de 2.000 médicos, segundo a Associação Médica de Moçambique (AMM). O presidente da organização, Milton Tatia, referiu que a suspensão da greve visa "permitir que o povo moçambicano possa passar as festas [de Natal e de fim de ano] da melhor maneira possível", beneficiando de cuidados médicos.
Os médicos suspenderam a paralisação também em resposta a um pedido feito pelos seus pacientes para que voltassem a trabalhar, e a um apelo ao diálogo feito pelo Presidente de Moçambique, Filipe Nyusi. No entanto, em entrevista à DW África, o médico Milton Tatia admite a retoma da greve se não houver desenvolvimentos nas negociações.
DW África: No seu discurso sobre o Estado da Nação, na última terça-feira (20.12), o chefe de Estado, Filipe Nyusi, manifestou "abertura para um diálogo franco, com vista a encontrar, no mais curto espaço de tempo, soluções para o cumprimento das leis". Foi este discurso que levou a AMM a suspender a greve?
Milton Tatia (MT): Nós suspendemos provisoriamente a greve por dois motivos. O primeiro tem a ver com o apelo que a população nos fez, tendo em conta que estamos a entrar para a quadra festivam que é um período em que há muita procura de cuidados de saúde. Nós decidimos responder a este apelo e interromper provisoriamente a nossa greve para podermos cuidar da população durante este período. E também recebemos um apelo do Presidente da República para que retornemos ao trabalho sem que isso signifique a interrupção do diálogo. Respondendo a estes dois apelos, embora nada do que pedimos tivesse sido satisfeito, nós decidimos interromper provisoriamente a nossa greve.
DW África: Provisoriamente quer dizer que pode ser retomada a qualquer momento em janeiro?
MT: Nós decidimos conceder um mínimo de um mês de período de graça. Neste período de um mês, nós vamos acompanhar os desenvolvimentos das questões que estamos a reivindicar.
DW África: Os médicos da Associação Médica de Moçambique estão contra a implementação da TSU?
MT: Nós não estamos contra a implementação da Tabela Salarial Única. Nós estamos preocupados com a implementação do nosso estatuto, que foi aprovado em 2013, e do seu regulamento, que foi aprovado em 2014. O que nos levou a esta paralisação foi principalmente a não implementação do nosso estatuto. A entrada em vigor da TSU só veio agravar a nossa insatisfação em relação ao assunto do nosso estatuto.
DW África: A implementação da TSU não está a correr bem e na sua opinião vem agravar a situação dos médicos?
MT: É exatamente isso. Não tiveram em conta as classes que têm estatutos próprios. Não estou a falar só dos médicos, estou a falar dos magistrados também. Eu penso que a TSU devia salvaguardar os direitos que estão nestes estatutos próprios, mas não foi isso que aconteceu.
DW África: Como descreveria a situação laboral e profissional dos médicos em Moçambique?
MT: É uma situação muito complicada, muito difícil, porque, associado aos baixos salários que os médicos auferem, nós temos condições difíceis de trabalho. Temos falta de quase tudo. Não temos condições adequadas para prestar os cuidados de saúde que o nosso povo merece.
DW África: Essas queixas dizem respeito a Maputo ou a todo o país?
MT: Isto acontece em todo o país. Claro que existem províncias que estão em condições mais desfavorecidas que outras. Eu estou a dizer-lhe que é [um problema] nacional. Em Maputo, que é a capital, nós estamos assim, portanto imagine aqueles locais mais distantes.
No interior do hospital de campanha de Macurungo na Beira
As estruturas do centro de saúde que é referência no atendimento de cerca de 35 mil pessoas na região foram severamente danificadas com a passagem do ciclone Idai. Hospital de campanha já atendeu dois mil pacientes.
Foto: DW/F. Forner
A rotina
O hospital de campanha nos arredores do centro de saúde Macurungo, na Beira, está a funcionar desde 24 de março. "Montamos um centro médico avançado com uma tenda para cirurgia e consultas, além de mais duas tendas para avaliação pós-parto das mães", descreve a médica infectologista Telma Susana Vieira Azevedo, que liderou por dois meses a equipa da Cruz Vermelha em Macurungo.
Foto: DW/F. Forner
Um passeio pelas tendas em Macurungo
Um enfermeiro da equipa da Cruz Vermelha caminha pelas tendas de lona do hospital de campanha gerido em parceria com a ONG Médicos do Mundo. Já foram realizadas mais de duas mil consultas, além de uma média de sete partos diários. Este hospital é referência no atendimento de 35 mil pessoas na região, onde as condições habitacionais ficaram muito debilitadas após a passagem do ciclone Idai.
Foto: DW/F. Forner
No interior do hospital destruído
A noite de 14 de março na Beira foi marcada pelos fortes ventos que arrancaram telhas, chapas e coberturas das casas e edifícios públicos. O hospital de Macurungo sofreu sérios danos estruturais. Mesmo assim, algumas áreas do edifício continuam a ser utilizadas. “Nosso objetivo é conseguir reconstruir o centro de saúde e só depois deixar a Beira”, diz a médica Telma Susana Vieira Azevedo.
Foto: DW/F. Forner
Balanço pós-Idai
Segundo dados do fundo de redução de desastres do Banco Mundial (GFDRR), Moçambique ocupa a terceira posição no ranking de países africanos mais expostos a múltiplos riscos associados às mudanças climáticas, como ciclones periódicos, secas, inundações e epidemias. Esta foto mostra o coração do hospital de campanha montado em um dos bairros que mais carecem de atenção à saúde.
Foto: DW/F. Forner
Os grandes desafios de Beira
Esta é uma foto aérea do hospital de campanha em Macurungo na Beira. Além da reestruturação de hospitais, as cidades afetadas pelo ciclone Idai também encaram os desafios de reconstrução de moradias, escolas e das infraestruturas urbanas. A ONU estima que o país necessite de pelo menos 200 milhões de dólares de ajuda internacional nestes três primeiros meses pós-ciclone.
Foto: DW/F. Forner
O estoque de medicamentos
Além de servirem como consultórios e locais de operação, algumas tendas do hospital de campanha foram construídas para armazenar equipamentos, medicamentos e demais suprimentos médicos. Nesta foto, o médico Luís Canelas opera um dos computadores que realiza exames de ultrassonografia. O hospital de campanha também realiza exames laboratoriais, como exames de sangue e testes de malária.
Foto: DW/F. Forner
Apoio à população
Em momento de descanso, o enfermeiro da Cruz Vermelha de Cabo Verde Mariano Delgado brinca com uma das pacientes no pátio externo. Estima-se que cerca de 400 mil crianças foram afetadas. "Precisamos fazer um trabalho mais ativo de equipas móveis para ir às populações deslocadas", diz Michel Le Pechoux, representante adjunto do UNICEF em Moçambique.
Foto: DW/F. Forner
Pulverização contra a malária
Homens uniformizados com luvas e protetores fazem a pulverização contra a malária em casas nas ruas de Búzi, a 150 km ao sul da Beira. Os casos de malária aumentaram e um mutirão tenta conter a proliferação do mosquito transmissor.
Foto: DW/F. Forner
Cadastro de pacientes
Esta é a tenda de triagem onde os pacientes são recebidos para a marcação de consultas. "Recebemos pacientes com doenças crónicas, hipertensão, doenças cardiovasculares e parasitárias, bem como pacientes que sofrem de desnutrição e portadores do VIH/SIDA", explica a infectologista da Cruz Vermelha portuguesa Telma Susana Vieira Azevedo.
Foto: DW/F. Forner
À espera de consultas
As salas de espera no centro de saúde Macurungo ficam diariamente superlotadas com pacientes que sofrem das mais variadas doenças. O cólera está sob controle, mas os casos de malária estão a ser acima do habitual. "As chuvas fazem com que haja poças d’água que são óptimas para a proliferação dos mosquitos havendo mais vetores para transmitir a doença", diz a infectologista Telma Susana Azevedo.
Foto: DW/F. Forner
Atendimento
Esta é uma das tendas do hospital de campanha Macurungo destinada às consultas médicas e atendimento aos pacientes. Nesta foto, o doutor Miguel e o enfermeiro de Cabo Verde Mariano Delgado dividem o espaço realizando atendimentos e curativos.
Foto: DW/F. Forner
Nos bastidores
Num momento de descanso após o almoço, estes três profissionais de saúde aproveitam a pausa no início da tarde antes de continuar com os atendimentos. Esta sala com macas também serve de refeitório e sala de reuniões. As equipas de médicos, enfermeiros e pessoal de apoio técnico trabalham diariamente sem cessar e se revezam a cada três semanas.