Marcha pede fim da discriminção das mulheres com albinismo
Leonel Matias (Maputo)
27 de abril de 2019
Manifestantes marcharam sob o lema "O empoderamento da mulher com albinismo no país", este sábado (27.04), em Maputo. Exigiram a criação de uma lei para defesa e ações de combate à violência contra os albinos.
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Os manifestantes desfilaram por algumas artérias da capital moçambicana até à Praça da Independência cantando e empunhando dísticos e cartazes com dizeres como "Eu sou com orgulho um albino", "Eu tenho a vida, saúde e família" e "Continuamos fortes e de pé".
O objetivo da marcha é "alavancar a auto-estima das pessoas com albinismo, principalmente das mulheres, e também consciencializar a sociedade e o Governo", segundo informou William Tomás Savanguane, Presidente da Associação de Apoio a Albinos de Moçambique (ALBIMOZ), promotora do evento.
Savanguane disse à DW África que as pessoas com albinismo continuam a ser estigmatizadas e discriminadas no dia-a-dia em todas as esferas da sociedade, nomeadamente no emprego, na saúde, na educação, nas famílias e nas comunidades.
Por isso, defende a criação de uma lei específica que defenda as pessoas com albinismo e a implementação na íntegra do plano multissetorial de combate à violência contra aquele grupo social.
O plano do Governo prevê, entre outras medidas, o reforço da consciencialização das pessoas e maior celeridade na tramitação dos seus processos judiciais.
Albinismo: Uma luta contra a ignorância
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Estatísticas assustadoras
Segundo dados oficiais, Moçambique conta com cerca de 20 mil pessoas com albinismo, das quais 70% são crianças, adolescentes e jovens. O presidente da ALBIMOZ disse que, depois de um período em que as pessoas foram alvo de raptos e assassinatos, a situação tende a melhorar neste momento. Mesmo assim, alguns casos isolados ainda são registados.
Os raptos e assassinatos são praticados por indivíduos que acreditam em poderes mágicos de poções e amuletos produzidos a partir de partes do corpo de pessoas com albinismo. Só em 2015 foram registados cerca de 60 casos, de acordo com dados das organizações de proteção das pessoas com albinismo.
Kátia Gumende, uma das participantes da marcha e editora do jornal Global, disse que este foi um dos momentos mais marcantes da sua vida pela negativa. "Quando uma pessoa com albinismo circulasse na rua era apelidada de 'dois bis'", numa alusão ao negócio de milhares de milhões de meticais movimentado com a venda de albinos, ou ainda eram apelidadas de "bolada", numa referência de que seriam negociáveis, explicou.
Empoderamento da mulher albina
Questionada sobre o que a teria motivado a participar na marcha, Kátia Gumende afirmou haver "necessidade de sairmos à rua, e lutarmos pelos nossos direitos e mostrarmos que nós existimos e precisamos do nosso espaço na sociedade, que nós fazemos parte dela também".
Por seu turno, o representante da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) em Moçambique, Paul Gomise, considerou que a questão do empoderamento da mulher constitui um direito da humanidade.
"É muito importante que todos ocupem o seu espaço na sociedade", afirmou Paul Gomise, acrescentando que a UNESCO defende o direito à vida e aos direitos humanos, assim como o respeito à diferença e é contrária a qualquer tipo de discriminação.
Já a representante do Governo, a diretora do Género, Criança e Ação Social na cidade de Maputo, Argentina Simão, afirmou que os pacotes do Executivo na área do empoderamento da mulher são abrangentes e não discriminam as pessoas com albinismo.
Ainda segundo Argentina Simão, as políticas do Governo atribuem os mesmos direitos a todas as mulheres em termos de serviços de educação, saúde, formação, emprego e de proteção.
Feitiço e preconceito: albinos em Moçambique
Em vários países africanos, os albinos sofrem preconceito, são perseguidos por curandeiros, rejeitados pelas famílias e têm dificuldade em encontrar trabalho. Há no entanto ativistas que lutam contra a discriminação.
Foto: Carlos Litulo
Sem preconceitos
Por causa de um distúrbio genético, a pele, os olhos e os cabelos de pessoas com albinismo têm falta de melanina, substância responsável pela pigmentação e pela proteção de raios solares ultravioletas. Na foto, Hilário Jorge Agostinho, o único skatista albino de Moçambique. Agostinho incentiva a integração da população albina para combater os preconceitos e a exclusão social dos albinos no país.
Foto: Carlos Litulo
Pele branca, magia negra
Hilário Jorge Agostinho nas proximidades da Rua da Sé, em Maputo. Em vários países africanos, albinos são perseguidos por curandeiros para realizar rituais com eles. Existem muitas crenças ligadas ao albinismo: por exemplo, a de que manter relações sexuais com albinos cura a SIDA, a de que tomar "poção de albino" traz riqueza, ou a de que o toque de mão de um albino traz má sorte.
Foto: Carlos Litulo
O preço da pele
Na Tanzânia, considerado o país com o maior número de albinos do continente africano, albinos são mortos e desmembrados devido a uma crença de que poções feitas com partes dos corpos dos albinos trazem sorte, fortuna e prosperidade. As partes dos corpos de albinos chegam a valer milhares de dólares. Na foto, o skatista albino Hilário Agostinho faz manobra diante da Catedral de Maputo.
Foto: Carlos Litulo
Luta solidária
A luta dos albinos por reconhecimento e inclusão não é solitária, embora na maior parte das vezes não encontre ouvidos atentos. Em 2008, as Nações Unidas declararam oficialmente os albinos como "pessoas com deficiência", depois de assassinatos massivos de pessoas com albinismo na Tanzânia, vizinha de Moçambique, no Burundi e em outros países do leste africano.
Foto: Carlos Litulo
Estigma
Em Moçambique, entre outros países, crianças ou até mesmo bebés chegariam a ser usados em rituais de magia, especialmente no norte do país, na fronteira com a Tanzânia. Os albinos sofrem preconceito em vários países africanos, têm dificuldade em encontrar trabalho e muitas vezes são rejeitados pelas famílias. Na foto, o músico albino Ali Faque ensaia em seu estúdio em Maputo, em janeiro de 2010.
Foto: Carlos Litulo
Proteção da pele e dos olhos
O músico Ali Faque tem sido o embaixador na luta contra a discriminação da população que sofre de albinismo em Moçambique. Na foto, Ali Faque lê partitura em seu estúdio. Por causa da falta de proteção da pele contra os raios solares, os albinos são mais vulneráveis a problemas nos olhos e ao cancro. Precisam de roupa protetora, óculos escuros e acesso aos raros cremes de proteção solar.
Foto: Carlos Litulo
Sem direitos
Artigo do jornal sul-africano "Mail & Guardian", publicado em setembro de 2012, diz que, apesar de o país ser signatário da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, não haveria reconhecimento dos direitos de albinos neste país da Africa Austral. Em Moçambique, o músico Ali Faque também se empenha pelos direitos dos albinos.
Foto: Carlos Litulo
Mais albinos em África
O albinismo é uma condição que afeta etnias no mundo todo. Mundialmente há um albino em aproximadamente cada 20 mil pessoas. No continente africano, o número dispara para um em cada 4 mil, por ser uma condição hereditária e por mais albinos se relacionarem entre si.
Foto: Carlos Litulo
Vulneráveis
A ONU declarou os albinos "pessoas com deficiência", porque são vulneráveis ao cancro por causa da falta de proteção da pele contra os raios solares. Na Tanzânia, mais de 80 albinos terão morrido em rituais nos últimos anos, várias das pessoas com albinismo terão sido estupradas. O Governo da Tanzânia reconhece os albinos como "minoria ameaçada". Fotos: Carlos Litulo.