Moçambique: Manuel Chang renuncia ao mandato na AR
Leonel Matias (Maputo) | Lusa | mjp | nn
24 de julho de 2019
Ex-ministro das Finanças de Moçambique, detido na África do Sul no âmbito das dívidas ocultas, já não é deputado da bancada parlamentar da FRELIMO e perde a imunidade, segundo a presidente da Assembleia, Verónica Macamo.
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O antigo ministro das Finanças de Moçambique Manuel Chang renunciou por carta à função de deputado à Assembleia da República e perdeu a imunidade inerente ao cargo, anunciou a presidente do Parlamento moçambicano, Verónica Macamo.
Manuel Chang está detido na África do Sul desde 29 de dezembro de 2018, no âmbito de um pedido de extradição expedido pela justiça norte-americana, que pretende julgar o ex-governante pelo seu papel no escândalo das dívidas ocultas.
Chang é também alvo de um pedido de extradição da justiça moçambicana, que também quer ouvir o ex-ministro das Finanças pelo mesmo caso.
Substituído por Maria Elias Jonas
Na abertura da sessão plenária da Assembleia da República, na manhã desta quarta-feira (24.07), a presidente do órgão anunciou que Manuel Chang enviou uma carta de renúncia da função de deputado, para a qual foi eleito em 2014 pela Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), partido no poder.
A mesma responsável informou que Manuel Chang será substituído por Maria Elias Jonas, ex-governadora da província de Maputo. O anúncio é feito dias depois de uma reviravolta no caso de Manuel Chang, com o novo ministro sul-africano da Justiça a suspender a extradição do ex-ministro para Moçambique. Na mesma altura, a presidente da Assembleia da República sublinhou que Chang ainda gozava de imunidade face a qualquer procedimento jurídico-penal, na qualidade de deputado da FRELIMO.
Moçambique: Manuel Chang renuncia ao mandato na Assembleia da República
Renúncia tem de ser reconhecida por notário
Segundo o jurista Rodrigo Rocha, esta renúncia ao mandato parlamentar deve ser feita através de um documento escrito, com assinatura reconhecida pelo notário e entregue ao Presidente do Parlamento. "Uma vez que o deputado se encontra preso, terão que se criar as formalidades necessárias para que o notário possa presenciar a sua assinatura", explica. "A renúncia tem que ser comunicada ao plenário e depois publicada na primeira série do Boletim da República", acrescenta.
Rodrigo Rocha comenta também que desde a data da detenção do deputado, Chang tinha apenas a possibilidade de dar 15 faltas seguidas ou 30 interpoladas, ou seja, o ex-ministro "já estaria numa situação de perda de mandato, porque efetivamente já teria passado estas 15 faltas seguidas em assuntos da Assembleia da República".
De acordo com o jurista, esta renúncia "não altera os factos no processo". "A única coisa que altera é a possibilidade de ele vir a ser detido. Se calhar esta renúncia - e mostrando no país onde se encontra detido que agora vai ser tratado como uma pessoa normal - poderá facilitar o processo de extradição para Moçambique", sugere Rodrigo Rocha.
Agiu de má-fé?
Por outro lado, Borges Nhamire, investigador do Centro de Integridade Pública (CIP), considera que Chang "pode ser considerado um arguido de má-fé", já que omitiu à Justiça sul-africana o facto de gozar de imunidade parlamentar, logo estaria "numa situação de quem já prestou informações erradas ao tribunal".
Borges Nhamire defende que "a Justiça norte-americana está mais bem preparada para julgar o caso de Manuel Chang do que a moçambicana", já que esta não dispõe de toda a informação necessária. "Onde a Justiça puder ser transparente é para onde ele deve seguir", concluiu.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)